Artur Queiroz*, Luanda
Era uma vez uma rainha. Entrou pelo meu anexo dentro, disse boa noite, tirou o chapéu e foi-se. Sonho ou bebedeira? Excesso de kandingolo ou de boi branco do Cuando Cubango? Nunca saberei. As noites de Luanda naquele anexo onde arranjei um quartito eram verdadeiramente alucinantes. Umas vezes atacavam os percevejos. Outras, os mosquitos. Quase todas, o meu vizinho do quarto ao lado. Vivia com uma senhora gorducha, que falava axim e levava porrada de criar bicho. O marido violentíssimo punha sempre defeitos no jantar.
A minha rainha de verdade não é a rainha dos mercenários que morreu na Escócia onde se fabrica uísque verdadeiro. Coisa desprezível, eu só gosto do falsificado, de preferência indiano. Também dou confiança ao bourbon four roses.
Aquele antro onde dormitava só tinha uma vantagem, era pertinho do Rex, um cabaré do munhungo, onde tocava um trio e o jazzbandista era marreco. A patroa fiava-me cervejas e uma das meninas, por sinal a mais bonita, chamava-me James Dean. E eu respondia: Very nice! Um dia comprou-me uma camisa com colarinhos à italiana, na Casa Balalaica. O Kid Kindumba, chulo de pelo menos metade das meninas do Rex e do Copacabana, perguntou-me onde ganhei dinheiro para uma camisa tão bonita e eu rosnei: Presente da minha amada! Tu é que ganhas tudo na cama. A minha camisa nova ia dando porrada.
A menina ofereceu-me a camisa para irmos às matinés do Restauração. Eu estilava como um namorado suinguista. Aquela menina foi a minha soberana. Era doce e gentil. Nada tinha a ver com a rainha dos mercenários que bazou na Escócia. Por ser rainha dos mercenários o mundo muito civilizado veste luto carregado por ela!
Naquele tempo fazia reportagens e depois andava de jornal em jornal oferecendo a mercadoria. Foi nessa altura que conheci uma soberana verdadeira, a Rainha Nyakatolo. As comunidades luvales são matriarcais e fui contar a sua história. O repórter fotográfico era de primeira, o Ed Baião. A fim de fazermos boa figura levámos um garrafão de vinho com capacete de gesso e uma garrafa de quinado para ofertar a sua alteza. Nunca fui tão bem recebido, nem no paraíso, quando fazia viagens artificiais com substâncias proibidas. Descobri que reis e rainhas são para toda a vida. Morrem no seu posto, mesmo quando já não seguram a urina e as fezes. Como era o caso da rainha dos mercenários.
A minha rainha ainda chegou à Independência Nacional e foi recebida pelo Presidente Agostinho Neto. Um momento importante que teve a devida cobertura nos Media. O líder angolano deu tratamento bem diferente à rainha de Inglaterra, Isabel II, quando lhe pediu para perdoar aos mercenários britânicos que invadiram Angola e andaram no Norte a matar camponeses e violar camponesas.
A matilha que a CIA alugou para impedir a Independência Nacional ao serviço da FNLA, era composta maioritariamente por norte-americanos e britânicos. Foram todos condenados e alguns à pena capital. Eu colaborei com o Procurador Popular, Manuel Rui, na redacção da Acusação. Uma missão que cumpri e da qual muito me orgulho.
Neto disse não à rainha dos mercenários! Obrigado, camarada Presidente. Nunca esquecerei esse gesto de dignidade.
A rainha que pediu pelos mercenários assassinos, morreu antes de bebermos um copo. Amava cavalos e foi mecânica de automóveis. Era a chefe da Igreja Anglicana. Patroa do império britânico agora chamado de Commonwealth. Os colonialistas têm truques lixados. A rainha dos mercenários chegou e disse, tirou o chapéu e foi-se. O mundo deles está trajando luto.
As televisões da civilização ocidental falam da rainha dos mercenários de manhã à noite. Chusmas de comentadores revelam tudo sobre sua majestade. Menos a parte em que foi rainha dos mercenários. Também ninguém diz que morreu como uma colonialista empedernida. Calcificada. Cristalizada no sistema monoclínico. Eu, que sou republicano, ateu e anarquista, não me rendo ao banditismo político, social s económico. Não me adianta nada mas sabe bem.
A rainha dos mercenários esteve 70 anos no poder mas ninguém lhe chamou autocrata ou ditadora. Pelo contrário, é uma deusa da democracia deles. Nem o Zelensky lhe chega aos pezinhos delicados e reais. O Presidente José Eduardo dos Santos foi investido Presidente da República em 1979, estava Angola em plena guerra contra forças da rainha dos mercenários e outras que faziam parte da coligação mais agressiva e reacionária, que alguma vez se formou no planeta. Foi obrigado a comandar a resistência do Povo Angolano, até 2002.
Em 2008, convocou eleições gerais. Em 2010 acabou o período de transição, que vinha de 1992. Só então governou de verdade. Em 2017 saiu. Só esteve no poder, real, total, nove anos, menos de dois mandatos presidenciais. Chamam-lhe ditador, autocrata e tal. A rainha dos mercenários, que morreu sem beber um copo comigo, esteve no poder 70 anos! Democrata estremecida. Morreu atrombada ao tacho, com padre e confissão. O mundo a seus pés. Até a TPA pôs um senhor a falar português macarrónico dizendo que a rainha dos mercenários é nossa! Depois do discurso, o canal público de televisão imitou as televisões ocidentais. De cócoras. Subserviente. Merdosa.
O que se passa com a TPA? Uma desgraçada da CNN Portugal que se faz passar por jornalista, veio a Angola dizer disparates e a T PA ofereceu-lhe o operador de câmara e todos os meios. Fez directos da Fortaleza de São Miguel, uma área militar. Em Lisboa o canal foi o antro da UNITA e outras forças da oposição. Um dia destes fui surpreendido com um enlatado naTPA Notícias, cedido pela CNN Portugal. Perderam a vergonha.
As direcções da FNLA, PRS, APN e CASA-CE também perderam a vergonha. Para as eleições de 24 de Agosto, cada concorrente recebeu 1.112 milhões de kwanzas (2,6 milhões de dólares), três vezes mais que o valor pago em 2017. Agora disseram à sua agência noticiosa oficial (a portuguesa Lusa) que pediram ao Presidente da República mais 600 milhões de kwanzas (1,3 milhões de dólares) para pagarem o que devem aos delegados de lista. A rainha dos mercenários tem seguidores.
O presidente do Partido de Renovação Social (PRS), Benedito Daniel, que vendeu uma parte de Angola a um por cento dos votos, disse que como o problema toca a todos os partidos e coligações concorrentes, o pedido de dinheiro extra foi feito em conjunto por FNLA, PRS, APN e CASA-CE. É mentira. O MPLA não deve nada a ninguém. Os seus delegados de lista eram militantes e os militantes não cobram ao partido, pelo contrário, pagam o que podem. A UNITA também não pagou. Mas escondeu-se por trás dos outros para não parecer mal. Um partido que diz ser alternativa nem sequer paga a quem trabalha. Queriam governar Angola e nem são capazes de honrar os seus compromissos para com os seus trabalhadores.
O dinheiro distribuído pelo Estado para a campanha dos partidos foi metido aos bolsos dos líderes e suas clientelas. Agora querem mais 1,3 milhões de dólares. Cada um. Assim não admira que o estado terrorista mais perigoso do mundo, os EUA, se tenha apressado a felicitar o MPLA. Enquanto os chupistas querem alternância, os senhores de Washington sabem que não há alternativa credível ao MPLA.
O país da rainha dos mercenários remeteu-se ao silêncio!
Na cidade do Porto decorreu uma conferência internacional sobre Agostinho Neto para assinalar o seu centenário. Ontem foi na Faculdade de Letras e hoje na antiga cadeia da PIDE, onde o Fundador da Nação esteve preso. Os Media portugueses nem uma palavra, nem uma imagem. E Neto foi um dos libertadores do Povo Português. Os donos da Redacção Única não ordenaram e o acontecimento não existiu. Os chefes são Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. Tudo boa gente. Todos alinhados com a rainha dos mercenários.
*Jornalista
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