Artur Queiroz*, Luanda
Agostinho Neto concedeu-me uma entrevista, em 1975, durante a qual afirmou que era essencial a realização de eleições, como estava previsto no Acordo de Alvor, para se aquilatar, de uma vez por todas, quem tinha apoio popular. O acordo entre os três movimentos de libertação conseguido em Mombaça, o acordo com a potência colonial no Alvor, as provocações imediatas desencadeadas pela Revolta do Leste e aquele bater e esconder a mão da Revolta Activa, tudo isso só ficava esclarecido de uma vez por todas, com a realização de eleições. Mas a FNLA e a UNITA fugiram do Governo de Transição, assim fugindo das eleições.
A TPA elaborou uma peça sobre esses tempos, onde afirma que os movimentos de Holden Roberto e Savimbi foram expulsos de Luanda, em 1975. Uma mentira hedionda, uma leviandade inaceitável. Os luandenses expulsaram as tropas zairenses que se aquartelavam em Luanda trazidas pela FNLA como se fossem militares do seu braço armado, o ELNA. E o almirante Rosa Coutinho, presidente da Junta Governativa, ainda recambiou para Kinshasa um avião militar vindo do Zaire com centenas de tropas especiais de Mobutu! Nem os deixaram desembarcar.
Os militares zairenses cometeram em Luanda crimes gravíssimos. O povo revoltou-se e expulsou os matadores. Sem as costas quentes pelas tropas de Mobutu, Holden e Savimbi deram ordens aos seus ministros e secretários de Estado para abandonarem o Governo de Transição. Johnny Pinock Eduardo (FNLA) e José Ndele (UNITA), membros do Colégio Presidencial, foram à Rádio Nacional (Emissora Oficial de Angola) e apelaram aos angolanos do Norte e do Sul que viviam em Luanda, para regressarem às suas terras de origem. Causaram um êxodo terrível.
Depois foram embora, voluntariamente. Porque no Sal (Cabo Verde) e na Ilha Terceira (Açores), Mobutu, Spínola e Nixon tinham decidido dividir Angola em dois países ficando a província de Cabinda para o Zaire, como prémio especial ao ditador de Kinshasa, A verdade é esta. Os movimentos FNLA e UNITA não foram expulsos de Luanda. As tropas zairenses é que foram expulsas.
A TPA podia dar a informação correcta se falasse com Lopo do Nascimento, o representante do MPLA no Colégio Presidencial. Podia falar com Hendrick Vaal Neto, então secretário de Estado da Informação pela FNLA e que acompanhou Johnny Pinock Eduardo e José Ndele à Rádio, quando foram apelar ao êxodo de Luanda. Podiam falar com Manuel Rui Monteiro, que na época eras ministro da Informação. E podia falar com Avelino Soares e Zé Maria, os generais que deram o golpe final às tropas zairenses, no seu quartel-general no Cazenga. Preferem a mentira e a falsificação.
O ano do centenário do nascimento de Agostinho Neto foi culturalmente paupérrimo, historicamente esteve a um nível rastejante e politicamente foi indigente. Os actos ficam para quem os pratica.
Em 1992, José Eduardo dos Santos
pôs o poder
Regresso a 1975 e a Agostinho
Neto. Um dia acompanhei-o a Cabinda e vi a recepção apoteótica que lhe foi
dispensada pelo povo.
Seguimos viagem até ao Dondo. Estávamos todos com o coração nas mãos, quando Neto disse que íamos ainda mais para Norte, até Ndalatando. Os mercenários e os esquadrões zairenses estavam ali bem perto, no Lucala, e havia notícias que marchavam sobre a capital do Cuanza Norte. Agostinho Neto nem hesitou e foi dar moral ao povo e às FAPLA, que foram mesmo gloriosas.
Nesse ambiente dramático, num discurso empolgante, Neto proclamou a resistência popular generalizada. E avisou os invasores que ninguém consegue combater contra milhões. Gravámos esse som e ele foi passado na então Emissora Oficial de Angola vezes sem conta.
Agora trago à memória Carlos Ervedosa, o meu querido e saudoso amigo Carlitos, que morreu lá longe, com saudades de Luanda e de nós. Um dia ele deu-me a ler a poesia de Agostinho Neto, nessa altura, apenas um médico, nacionalista, vítima da repressão colonial-fascista. Aqueles poemas compostos numa linguagem tão simples, tão directa, invadiram-me o pensamento, penetraram pelos meus poros. Poesia de combate, mas sussurrante. A lírica escondia uma dor arrancada aos subterrâneos da injustiça e do crime sem perdão que é o colonialismo.
Não conheço mais nenhum poeta que tenha liderado um povo na sua luta pela dignidade. Mas também não sei de mais nenhum político que tenha alimentado o seu povo com a sagrada esperança da poesia.
Hoje decorre o centenário do nascimento de Agostinho Neto, aquele que, depois de derrotar os invasores estrangeiros e libertar a pátria, apenas reclamou dos seus pares o direito de sentir a chuva e ouvir os silvos do vento. Como me disse um dia lá no Futungo. Nesta tristeza à média luz, sobra a alegria de o MPLA ter passado vitoriosamente pelo quinto teste de eleições. Espero que daqui a 100 anos, os poderes públicos mostrem mais respeito pelo Fundador da Nação. O comandante da luta dos angolanos pela liberdade, justiça e dignidade. Ao darem tão pouco, mostraram tragicamente a sua dimensão. Para além do oportunismo rasteiro e a ambição desmedida, valem muito pouco. Mesmo assim, valem mais do que a Oposição toda, que primou pelo silêncio e a falta de comparência. Não existem mesmo!
*Jornalista
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