Artur Queiroz*, Luanda
Adriano Mixinge publicou no Jornal de Angola “Os Arquivos Sonoros da História de Angola”. O autor escreve que “muito provavelmente, a Rádio Nacional de Angola tenha o maior, o mais sistemático e alargado arquivo sonoro da história política e cultural da História de Angola, uns arquivos que se complementariam com os materiais existentes no Arquivo Nacional de Angola, no acervo dos museus e outras instituições académicas e científicas do nosso país, um material nem sempre preservado, nem investigado e divulgado da melhor maneira”.
Lido atentamente o texto, fiquei sem saber se existem mesmo os “arquivos sonoros” ou se é apenas um desejo. A minha experiência aponta para a sua não existência, ainda que tenha lutado para a sua criação. E mais do que isso. Durante alguns anos fiz tudo para que nascesse no espaço da Rádio Nacional de Angola o Museu do Som. Fracasso total, apesar das boas-vontades manifestadas e do apoio à ideia.
A Rádio Angolana caminha a passos largos para os cem anos. Isso significa que somos um dos países do mundo que mais cedo aderiu a esse meio de comunicação. Como sempre, as coisas revolucionárias nasceram em Benguela, que Paulo Jorge chamava de “república socialista” quando já estava implantada a democracia representativa e a economia de mercado.
Ao longo da minha vida convivi com os melhores sonoplastas angolanos. Um deles, Artur Neves, foi meu colega na Rádio Nacional. Quando encerrámos a Voz de Angola propus aos manos Neves (Artur e Fernando) a criação de um “museu do som” aproveitando o acervo da estação extinta. Tudo bem, muito entusiasmo, mas o quotidiano teve mais força. Éramos poucos e o trabalho imenso. O museu ficou para melhores dias.
Em 1974, propus ao sonoplasta e realizador Zé Maria (Luanda74) a criação de um museu do som, com o acervo de várias estações. Ele apoiou a ideia com entusiasmo. Mas a situação política e social deteriorou-se rapidamente e em meados de 1975 tudo se tinha desmoronado, inclusive a Rádio Eclésia. Falei com João Canedo sobre o projecto. Apoiou com entusiasmo. Sebastião Coelho igualmente. Os esquadrões da morte que defendiam a independência branca invadiram os Estúdios Norte e partiram tudo. O melhor programa da Rádio Angolana acabou nas mãos dos terroristas. Sebastião e João Canedo escaparam por pouco.
Agostinho Neto defendia que a
Imprensa é o rascunho da História. Porque fica tudo escrito. Quanto à Rádio,
palavras leva-as o vento. Prometi a min próprio que a Emissora Oficial de
Angola havia de ser o rascunho sonoro da História de Angola. Falhei
estrondosamente. Nem sequer conseguimos fazer um arquivo
Em 1992, Agostinho Vieira Lopes convidou-me para regressar à Rádio Nacional de Angola. Aceitei. O mais errado da minha vida. Nunca devemos regressar aos sítios onde fomos felizes. Porque a felicidade não se repete. Se é que existe.
A ideia do Museu do Som voltou a ganhar asas. Num quadro de estarrecer. Propus fazermos um arquivo especial com material sonoro dos acontecimentos mais marcantes entre o 25 de Abril de 1974 e 11 de Novembro de 1975. O director-geral aceitou entusiasmado. Envolvemos no projcto figuras importantes da Rádio. O director de informação (Mendonça) o director de programas (Cassé) mais os técnicos Saraiva, Gilberto e Humberto Jorge. Fracasso absoluto e doloroso.
Gilberto e Cassé estavam
empenhados num projecto muitíssimo importante para revelar jovens valores da
música popular urbana. Humberto Jorge bolava com o Manuel Rabelais a Rádio
Luanda e o Canal de Desporto. Falta de tempo para mais nada. Mendonça tinha uma
Redacção para dinamizar, cheia de gente com talento e sedenta de saber. José
Saraiva tinha o peso da técnica todo
Meti mãos à obra, sozinho. Pedi a entrevista de Francisco Simons a Jonas Savimbi em Maio de 1974. Ninguém a encontrou. Cessar-fogo no Leste de Angola, assinado por Agostinho Neto. Nada. Fui ao “Intercâmbio” procurar material. Era um dos mais bem organizados serviços da estação, graças ao talento de Sara Chaves e Minah Jardim. Nada existia. Milhares de horas gravadas de música clássica interpretada pelas melhores orquestras do mundo, tinham sido desmagnetizadas porque não existiam bobinas e não havia dinheiro para importar novas.
Pedi as bobinas com o programa cultural Resistência, um marco radiofónico naquele período revolucionário. Nada. Pedi ao Humberto Jorge as bobinas da cobertura que fiz da Cimeira de Mombaça. Tudo desmagnetizado. A cobertura que fizemos do Acordo de Alvor. Nem uma peça para amostra. Os comentários do jornalista Aquino de Bragança, apagados. Por favor, Humberto, fecha num cofre, a sete chaves, as bobinas da música popular angolana que o Rogério Vasconcelos recolheu ao longo dos anos. Demasiado tarde. Tudo desmagnetizado.
Nem um arquivo especial consegui fazer, quanto mais o ansiado Museu do Som, num país que foi dos primeiros do mundo a usar a linguagem da Rádio. A Rádio Angolana, nos anos 60 e até 1975,foi das melhores do mundo, Seguramente a melhor de Língua Portuguesa.
As gravações dos nossos grandes artistas onde estão? Trio Assis, Ngola Rimos, Duo Ouro Negro, os Rocks. Deviam estar no Museu do Som. Nos anos 60 foi a explosão da edição discográfica. Onde estão os originais publicados?
A “Triunfo” do Porto publicou nos anos 40 um disco do Trio Assis (Guilherme Assis e filhos). Em 1947 nasceu o Ngola Ritmos. A Alvorada, também do Porto, editou o primeiro disco do conjunto nos anoa 50. Garda e seu Conjunto. Lily Tchiumba. Elias dia Kimuezo. Tantas e tantos outros beneficiaram do pioneirismo da Rádio Reparadora do Bié e depois da CDA, editora discográfica do radialista Sebastião Coelho. O grande estrondo foi a instalação em Angola da Valentim de Carvalho. António Vasconcelos (gerente da discográfica), amigo pessoal de Agostinho Vieira Lopes dava apoio técnico à Rádio Nacional de Angola. Desafiei-o para criarmos o Museu do Som em Angola, Aceitou o desafio. Mas não saiu…
Existem os arquivos sonoros da História de Angola? Quanto mais não seja os comunicados das FAPLA apresentados pelo Comandante Juju? Se existem, já posso ficar descansado.
*Jornalista
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