Artur Queiroz*, Luanda
A delegação oficial do MPLA chegou a Luanda no dia 8 de Novembro de 1974, faz hoje 48 anos, uma vida! No que me diz respeito, com muitíssimos baixos e sem altos, mas vivida intensamente, ao serviço da notícia. Nessa altura a capital era palco de operações secretas dos independentistas brancos, sabotagens de toda a espécie, instabilidade política alimentada pela CIA, apesar dos esforços contrários do presidente da Junta Governativa, almirante Rosa Coutinho, e da sua equipa.
Como chefe de redacção da Emissora Oficial (RNA) preparei uma equipa para cobrir o acontecimento. Escolhi o Francisco Simons que já tinha ido comigo à assinatura de cessar-fogo na chana do Luinhameje, província do Moxico. Agostinho Neto chamou-lhe a “assinatura das tréguas”. A outra voz era Horácio da Fonseca, o melhor de todos os profissionais na área da programação. nesse tempo eu já tinha começado a introduzir na antena da rádio a Língua Portuguesa com sotaque angolano.
Rui de Carvalho era produtor e realizador do programa desportivo Primeira Mão. Mas não integrava os quadros da rádio, nessa época era despachante oficial. Pedi-lhe para ser a voz da reportagem no aeroporto, que ainda se chamava Craveiro Lopes, antigo presidente da República Portuguesa. Ele aceitou, com grande entusiasmo. Ninguém mais tocou na bola. O relato da chegada dos integrantes da delegação oficial do MPLA, chefiada por Lúcio Lara, só tem a voz do Rui de Carvalho. Simons, Horácio e eu fizemos curtas intervenções.
Na sala “VIP” do aeroporto, arranjámos um espaço (pequeno escritório) para entrevistar os membros da delegação, sem muito ruído. Colhemos depoimentos de Imperial, Dilolwa, Rui de Matos, Batalha de Angola e Avelino Mingas (Saidy). Voltei a entrevistar Carlos Rocha (Dilolwa) logo a seguir à Independência Nacional, quando ele, na qualidade de ministro da Economia, e o Presidente Agostinho Neto negociaram em Cabinda o contrato de exploração petrolífera com a Chevron.
Dilolwa estava sob o fogo dos grupos mais radicais do MPLA e explicou, com a calma que o caracterizava, que explorar as jazidas de petróleo exigia tecnologias e instrumentos que Angola não tinha. Por isso foi prolongado o contrato com a Cabinda Gulf. Um desses contestatários era Filomeno Vieira Lopes, hoje criado dos sicários da UNITA. As voltas que o mundo dá! O ministro da Economia do Governo da República Popular de Angola rendeu-se à burguesia, diziam os revolucionários dos Comités Amílcar Cabral. Hoje estão todos rendidos à gravata, à sabujice e à traição. Mentores descarados do banditismo político!
As estruturas do MPLA em Luanda, no dia seguinte à chegada da delegação oficial, organizaram um comício no Bairro Popular, presidido por Lúcio Lara. A CIA montou um atentado para matá-lo. Na operação participaram agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) portuguesa e da Polícia de Informações Militares (PIM), nova designação da PIDE. Na sequência deste grave acontecimento, o almirante Rosa Coutinho começou a “desmontar” as estruturas dos independentistas brancos, saneou a PSP e atirou definitivamente para o lixo com o que restava da PIDE. Os oficiais da CIA desapareceram antes das medidas da Junta Governativa de Angola.
Nos planos de destabilização constou a greve dos camionistas, também organizada por oficiais da CIA. Colocaram os camiões na Estrada de Catete, na Estrada do Cacuaco e na Estrada da Barra do Cuanza, sitiando Luanda. A greve acabou graças à intervenção do engenheiro Fernando Falcão e do capitão Fonseca de Almeida, colaboradores do almirante Rosa Coutinho. Fernando Falcão era membro da Junta Governativa. Fonseca de Almeida oficial do MFA Angola. Mas penso que também tinha a pasta do Trabalho na Junta Governativa.
No dia 10 de Novembro de 1974 todas as estruturas do MPLA estavam a funcionar, em vivendas da Vila Alice, na época um bairro fino de Luanda. As instalações foram garantidas por Hermínio Escórcio, Aristófanes Couto Cabral e Correia Mendes. Uma equipa de luxo.
Correia Mendes e Couto Cabral ganharam o título de “almirantes” porque em Fevereiro de 1975 organizaram um esquema de abastecimentos ao MPLA, com navios de cabotagem, entre Ponta Negra, Cabinda e um “porto” entre Luanda e a Barra do Dande. As autoridades portuguesas tinham impedido um navio jugoslavo de aportar a Luanda e eles arranjaram esse porto alternativo. Grandes almirantes que muito deram à Independência Nacional. Apesar de ter usado mil artimanhas, nunca consegui arrancar-lhes um depoimento sobre a forma como conseguiram aquelas vivendas da Vila Alice, que serviram de instalações oficiais do MPLA. Uma coisa é certa: Não houve ocupações!
No início, numa vivenda estavam todos os departamentos dirigidos por Lúcio Lara. Noutra vivenda, o Departamento de Orientação Política dirigido por Carlos Rocha Dilolwa, mais o Departamento de Informação e Propaganda (DIP). Noutro, o Departamento de Organização de Massas (DOM) dirigido por Manuel Pedro Pacavira. Também funcionava lá o departamento financeiro, dirigido pelo camarada Rita. A Organização da Mulher Angolana (OMA) funcionava no edifício onde trabalhava Lúcio Lara e à frente da instituição estava Maria Mambo Café. Junto do DOM funcionava a JMPLA.
Do outro lado da rua, uma vivenda alojava os membros das FAPLA que faziam segurança às instalações e aos dirigentes. Na primeira fase da Grande Batalha de Luanda essas instalações acolheram o Comando Operacional. O comandante Xyetu ditava as ordens!
O dia 8 de Novembro de 1974 foi o primeiro da sangrenta caminhada até a 11 de Novembro de 1975. O MPLA dirigiu todas as operações, todas as acções, todos os combates.
E 48 anos depois, como estamos?
Não tenho resposta. Mas responderei, com todo o gosto, quando o grupo parlamentar do MPLA atirar para o lixo com a proposta de amnistia hoje aprovada num conselho de ministros extraordinário. Um embuste. Um atentado à nossa inteligência. Uma aldrabice. No antigamente da vida a palavra de ordem que nos movia era: A Luta Continua. A Vitória É Certa. Hoje é A Indignidade Continua. A Vingança Vencerá. Esta amnistia abrange os pilha-galinhas e nem todos. Têm a palavra os deputados eleitos mas especialmente os do MPLA. Não se esqueçam dos 55 por cento de abstenção nas eleições de 24 de Agosto.
*Jornalista
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