terça-feira, 8 de novembro de 2022

MORTES E INTERNAMENTOS POR COVID-19 TÊM AUMENTADO EM PORTUGAL

"Não há razão para alarme, mas autoridades têm de acautelar planos de contingência"

Portugal tem menos infeções por SARS-CoV-2, mas só porque as regras mudaram e há menos testagem. De qualquer forma, o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Carlos Antunes, chama a atenção para o facto de a situação no nosso país ser diferente da de outros países: a cobertura vacinal é superior e isso dá mais alguma proteção.

Portugal já atingiu os 5,72 milhões de infeções por SARS-CoV-2 desde o início da pandemia. Neste momento, e com os dados atualizados ao dia 2 de novembro pela plataforma Our World in Data, a incidência registada indicava 157,27 casos por milhão de habitante. Embora, e como destaca ao DN o professor Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que integra a equipa que faz a modelação da evolução da doença, tal incidência não seja representativa da realidade. Carlos Antunes explica ainda que o estarmos a registar menos casos "não significa que haja menos circulação do vírus. Pelo contrário, esta continua elevada. O que significa é que as regras mudaram e por isso não temos um espelho da realidade, que é bem diferente da que está a ser reportada".

Mas não somos o único país em que tal está a acontecer dentro do quadro europeu. No Reino Unido, Espanha, Holanda, Suécia, Dinamarca e até mesmo nos países Bálticos deixou de haver uma vigilância da doença pelo indicador mais direto, o da incidência. Tudo porque os Estados decidiram abandonar a estratégia de testagem massiva. Por isso mesmo, e se olharmos para os dados da mesma plataforma internacional, veremos que o Reino Unido regista 90,92 casos por milhão de habitante, a Espanha 76,24, a Noruega 22,53, a Suécia 44,57 e a Dinamarca 129,52.

A exceção são países como a Itália, que tem 504,52 casos por milhão de habitante, a Alemanha, com 436,41, e França, com 297,11, mas estes "mantiveram a estratégia de testagem e até impuseram medidas restritivas para fazer face a uma nova onda vivida entre setembro e outubro, que já está controlada nesta altura". A nível mundial, a região com maior número de casos por milhão de habitante está na China, Taiwan, com 1340,72 casos, seguem-se depois países como a Nova Zelândia, com 1013,86 casos por milhão de habitante, e a Coreia do Sul, com 788,98. O Japão tem 374,73, a Austrália 189,46 e os EUA 106,89.

Em relação a Portugal, o professor assume que mantém a análise dos dados fornecidos pela Direção-Geral da Saúde, embora admita que estes "tenham deixado de ser representativos, porque a vigilância é feita agora através dos internamentos, não tanto pelo que acontece nas enfermarias, mas mais nos cuidados intensivos, e dos óbitos", salienta.

Ou seja, "não é feita a partir de indicadores diretos, mas de indicadores secundários". E, por isso mesmo, Carlos Antunes alerta para o facto de Portugal manter nas últimas semanas uma mortalidade que considera "robusta". "Tivemos um mínimo de um a seis óbitos por dia, mas agora a média é de nove por dia e de nove por milhão de habitante, o que considero ser um indicador muito robusto, porque os critérios de classificação por covid-19 se mantêm e isto dá-nos uma ideia de transmissibilidade nas faixas etárias mais idosas, que são as que acabam por falecer. Se este indicador revela um aumento, significa que a incidência também aumentou, pelo menos em outubro."

Portugal teve onda ligeira de casos em outubro

Aliás, de acordo com a análise da equipa da Faculdade de Ciências, "em setembro verificou-se um aumento abrupto de incidência nas faixas etárias mais jovens, o que significa que mais tarde iria atingir outras faixas, mas em outubro houve um corte abrupto também na incidência, quase de um dia para o outro passámos para um terço dos casos, fruto das novas regras".

Mas a consequência do aumento da incidência em setembro fez-se no mês seguinte, através de "um aumento de internamentos nos cuidados intensivos e da mortalidade, que ainda se continua a verificar". Carlos Antunes refere que desta forma pode dizer-se que "o país já voltou a viver uma nova onda, não na dimensão que registaram países como França, Alemanha e Áustria, mas uma onda ligeira". Agora atravessa a fase em que a BA.5 está a deixar de ser preponderante para se passar à dominância da BQ.1.1, podendo "atingir os 50% no final do mês".

Em relação ao que é expectável, o professor revela que "não há razão para alarme ou para preocupação, mas é preciso que as autoridade acautelem planos de contingência e reforço do sistema de saúde caso seja necessário, com recomendações ou até medidas de confinamento ligeiro."

Embora sublinhe que Portugal tem "uma situação ligeiramente diferente da de outros países europeus, devido à sua elevada cobertura vacinal, o que também nos dá maior proteção contra a doença grave e morte". E exemplifica: "Basta olhar para a taxa de ocupação dos cuidados intensivos, que nesta altura está em cerca de 13% em relação à média definida para as 255 camas. É claro que esta varia também de região para região, sabendo nós que o Norte está com uma ocupação de 17%, o Centro de 20%, Lisboa e Vale do Tejo com 11%, o Alentejo com 0% e o Algarve com 9%." No mesmo país, "diferentes realidades, mas deste ponto de vista pode dizer-se que temos uma situação controlada e que não há pressão da covid-19 sobre o SNS".

Quanto ao futuro, o analista vinca que estamos a entrar no inverno e "numa situação de nevoeiro cerrado, porque a dificuldade de projetar o que aí vem é ainda mais difícil sem vigilância da incidência. Agora o que é possível perceber é que o vírus continua a modificar-se de uma forma rápida, mas que, e progressivamente no tempo, a humanidade também vai reforçando o seu sistema imunitário". E isto faz-nos poder "acreditar que a possibilidade de surgir uma nova variante com um nível patogénico bastante mais agressivo não se confirme".

Retrato da situação

Infeções

O último Boletim da Direção-Geral da Saúde, publicado nesta sexta-feira, dia 4, à noite, indica que entre os dias 25 e 30 de outubro Portugal registou 5920 infeções por SARS-CoV-2, menos 1736 do que na semana anterior, com dias, como 31 de outubro, a registarem apenas 325 - uma dos números mais baixos dos últimos meses. De acordo com o Boletim, o país está assim com uma média de 57 infeções diárias por 100 mil habitantes e com um R(t) - índice de transmissibilidade - bem abaixo de 1, precisamente 0,87.

Internamentos

Num dos indicadores que agora sustenta a monitorização da doença - os internamentos -, a situação parece estar controlada. Neste mesmo período foram contabilizados 525 internamentos, mais 37 do que na semana anterior, mas apenas 34 em Unidades de Cuidados Intensivos, menos um do que na semana anterior. Relativamente a óbitos, foram registados 53, mais seis do que na semana anterior.

Vacinação

O Boletim indica também que 66% da população com mais de 80 anos e elegível para a quarta dose, segundo reforço, já foi vacinada. Na faixa etária entre os 65 e os 79 anos esta percentagem é de 51%.

Ana Mafalda Inácio | Diário de Notícias

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