No dia em que a Rússia fez o maior ataque com mísseis de cruzeiro, direcionado às infraestruturas ucranianas, um míssil terá atingido a Polónia, alegação que Moscovo rejeita. Varsóvia confirma míssil de "fabrico russo" e vai invocar o artigo 4.º do tratado da NATO, o que implica consultas entre os aliados.
À intervenção de Volodymyr Zelensky na cimeira do G20, na qual explanou o caminho para a paz, seguiu-se uma cortina de mísseis russos enviados ao longo de horas que atingiram várias cidades e infraestruturas de energia ucranianas. Além dos prejuízos económicos e das vítimas dos ataques aéreos, ao que aparenta a guerra salpicou para lá da Ucrânia. Duas pessoas morreram na localidade polaca de Przewodów, aumentando o risco de a guerra passar para um novo patamar, com a Polónia a invocar o artigo 4.º do tratado da NATO, cujos embaixadores da NATO se reúnem esta quarta-feira, segundo a Reuters. Para Moscovo, a notícia não passa de uma "provocação". Varsóvia confirma que míssil de "fabrico russo" é responsável pela explosão na localidade junto à fronteira com a Ucrânia.
Os especialistas ocidentais têm vindo a afirmar que as forças armadas russas estão a ficar sem mísseis de longo alcance, mas isso não impediu várias ondas de bombardeamentos que atingiram desde Lviv, no oeste, a Kharkiv, no nordeste, passando pela capital e várias outras cidades. As consequências deste ataque - que se segue à retirada russa da cidade de Kherson - podem vir a ter outras proporções, uma vez que se suspeitava de que um míssil tinha atingido território polaco, ou seja da NATO, e matado duas pessoas.
O governo polaco convocou reuniões de emergência, quer do gabinete, quer do conselho de segurança nacional, para analisar a situação. O porta-voz do governo polaco Piotr Müller disse que o governo está a investigar a explosão e que, "devido à sensibilidade da situação", esta vai ser "acompanhada de muito perto". Varsóvia confirmou que o míssil que atingiu Przewodów é de "fabrico russo" e anunciou que está a aumentar o nível de alerta e a prontidão de combate das suas forças armadas e de outros serviços de segurança.
O diretor do Gabinete de Segurança Nacional, Jacek Siewiera, disse que o presidente polaco Andrzej Duda falou com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, e que o próprio estava em contacto "permanente" com o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan. "Estamos a investigar se existem motivos para ativar o artigo 4.º do tratado da NATO", afirmou.
Segundo o referido artigo os países aliados iniciarão consultas quando, "na opinião de qualquer deles, a integridade territorial, a independência política ou a segurança de qualquer das partes estiver ameaçada". Para já não parece haver fundamento para considerar o incidente um "ataque armado", o que desencadearia o artigo 5.º do tratado e a respetiva resposta militar coletiva.
A Polónia recebeu quase de imediato a solidariedade dos países bálticos e da República Checa. "Se a Polónia confirmar que os mísseis também atingiram o seu território, isso será uma nova escalada da Rússia. Apoiamos firmemente o nosso aliado da UE e da NATO", escreveu o primeiro-ministro checo Petr Fiala. Já o presidente da Lituânia Gitanas Nauseda e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia Urmas Reinsalu disseram que os seus países estão dispostos a "defender cada centímetro do território da NATO", uma fórmula que Stoltenberg e o presidente dos EUA Joe Biden têm usado.
Quer a Aliança Atlântica quer o Pentágono mostraram prudência. "Estamos a analisar esta informação e estamos a coordenar-nos de perto com a Polónia, nosso aliado", disse um funcionário da NATO. Do lado ucraniano, o chefe da diplomacia Dmytro Kuleba fez um apelo para os membros da aliança militar convocarem uma cimeira "de imediato", enquanto Zelensky, na sua mensagem diária aos cidadãos, descreveu o alegado ataque como uma "escalada muito significativa".
Do lado da Rússia, a negação: "Os meios de comunicação e funcionários polacos cometem uma provocação deliberada à escalada da situação com a sua declaração sobre o alegado impacto de foguetes "russos" em Przewodów", disse o Ministério da Defesa russo. "O poder de fogo russo não lançou nenhum ataque na área entre a fronteira ucraniano-polaca", acrescentou.
No que foi o maior ataque de mísseis de cruzeiro da Rússia à Ucrânia, as autoridades de Kiev contam a morte de pelo menos uma pessoa e ferimentos em seis, além de cerca de 30 instalações atingidas, entre áreas residenciais e infraestruturas elétricas. Além de grande parte do país ter ficado às escuras, também a vizinha Moldávia teve cortes de energia generalizados, dado que as duas redes estão ligadas.
Também a Hungria deixou de receber petróleo através do oleoduto Amizade, que corre da Rússia através da Ucrânia, na sequência de um bombardeamento que atingiu um transformador e retirou pressão ao oleoduto. Este incidente levou o governo húngaro a reunir o conselho de defesa.
César Avó | Diário de Notícias
Imagem partilhada nas redes sociais dos danos causados pela explosão em Przewodów, na Polónia.
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