A extrema direita afia as suas garras não apenas no Brasil. Articula-se em frentes, elabora planos internacionais e confia no que acredita ser inevitável: a conquista do poder em todos os países. É o vislumbre de um mundo sombrio, distópico e miserável.
Celso Japiassu* | Fórum 21 | # Publicado em português do Brasil
Palco privilegiado dos grandes acontecimentos que traçaram os destinos da Humanidade, a Europa viu e sofreu guerras infindáveis, ódio entre seus povos, doença, miséria e todas as danações de que a nossa espécie é capaz. Foi também o espaço humano onde floresceu a arte e as melhores criações do espírito humano. Na crença de ser possível o entendimento entre nações nascidas e criadas em conflito, este castigado continente inaugurou com a União Europeia uma experiência política em busca de finalmente garantir paz e cooperação em seu território.
Mas as contradições humanas, como
sempre, estão ativas e continuam a conspirar contra uma convivência harmônica e
produtiva. A guerra da Ucrânia é fruto das concepções geopolíticas de dois
governos de direita açulados pelos Estados Unidos e pela União Europeia.
O projeto da União Europeia, por
muitos definido como grande avanço no processo civilizatório, é por outros
acusado de não passar de um projeto geopolítico de dominação do continente por
um consórcio formado pela Alemanha em sociedade com a França.
A maior ameaça à existência da
Europa unida está presente no seu próprio interior e toma corpo nas teses e na
ação da extrema direita, que tem cada vez mais fortalecido a sua presença no
Parlamento Europeu, feito crescer seus partidos e conquistado o poder em alguns
países enquanto se prepara para vencer as eleições
Direita unida
A extrema-direita com fortes
características neofascistas governa a Hungria e a Polônia enquanto se
fortalece na Itália, onde acabou de chegar ao poder, na França e também na
Alemanha. Na Espanha o Vox, criado em 2013, continua seu movimento de
unificação dos movimentos conservadores reacionários e Portugal viu surgir o
Chega, seu primeiro partido claramente populista de extrema direita.
O movimento mais recente desses partidos tem como objetivo a formação de uma aliança entre eles que fortaleça a sua influência no Parlamento Europeu e dê suporte à conquista dos governos nacionais onde a extrema direita tem visto crescer o número dos seus seguidores. Há algum tempo foi realizada uma reunião em Budapeste entre os líderes neofascistas da Itália, na época Matteo Salvini, anterior a Giorgia Meloni, da Polônia, Mateusz Morawiecki, e da Hungria, Viktor Orbán. Segundo um comunicado emitido depois daquela reunião, a pauta do encontro tratou da proteção das raízes da Europa contra o “multiculturalismo sem alma”, decorrente da imigração e a defesa da família tradicional. Nada mais reacionário.
Essa frente única da extrema-direita pretende reunir recursos e aumentar sua influência e importância no cenário da Europa. Unidos, estes movimentos serão capazes de representar o segundo maior grupo político no Parlamento Europeu, mais numeroso do que os tradicionais sociais-democratas.
Não é a primeira vez que a extrema direita europeia ensaia uma aliança
transnacional. Em 2017 o AfD (Alternative für Deutschland), neonazista alemão, promoveu uma convenção à
qual estiveram presentes a francesa Marine Le Pen, o italiano Matteo Salvini e
o holandês Geert Wilders. Em 2019 Salvini, ainda liderando o neofascismo
italiano, reuniu-se com Orbán, viajou até à Polônia e organizou um comício em
Milão ao qual estiveram presentes outros onze líderes neofascistas. Ampliando
para fora da Europa a sua articulação, Salvini cultivou estreitas relações com
os também neofascistas Jair Bolsonaro do Brasil e o primeiro ministro da Índia,
Narenda Modri. Nessas articulações contou com o suporte do sinistro Steve
Bannon, sua influência e seus contatos internacionais.
Uma dificuldade que surgiu nessa
ensaiada aliança reside nas diferentes posições desses movimentos em relação à
Rússia. O polonês Lei e Justiça posiciona-se firmemente contrário à Rússia e
seu governo enquanto cultiva relações estreitas com os países ocidentais,
especialmente com os Estados Unidos. O italiano Liga, o francês Rassemblement
National e o alemão AfD por sua vez opuseram-se às sanções americanas contra a
Rússia e seus representantes já visitaram várias vezes a Crimeia anexada por
Moscou. Delegações do AfD tiveram algumas reuniões com representantes do
governo russo. Marine Le Pen encontrou-se pessoalmente com Vladimir Putin. Tudo
isso aconteceu antes da guerra da Ucrânia.
Militares e política
Um pronunciamento militar de
feições subdesenvolvidas surpreendeu a França no ano passado. Como se copiassem
um modelo das confusas repúblicas centro-americanas, mil e duzentos militares
aposentados e muitos da ativa, entre eles 24 generais, ameaçaram o governo com
uma intervenção se o presidente Emmanuel Macron não desenvolvesse ações para
erradicar os perigos de desintegração e declínio do país. O manifesto militar,
publicado na revista de extrema direita Valleurs Actuelles, culpou a imigração
e as “hordas do subúrbio”, além da islamização da Europa, pelas ameaças à
integridade da França.
Marine Le Pen proclamou apoio à manifestação militar e falou dos perigos de uma guerra civil. A Ministra das Forças Armadas, Florence Parly, defendeu a punição dos militares que teriam desrespeitado o dever da reserva e qualificou o ato como uma irresponsabilidade. Sobre a declaração de Le Pen, disse que “querer politizar os militares é um insulto a sua missão”. O jornal liberal L’Opinion resumiu em sua manchete: Armée et extrême droite: militaires en retraite rêvent d’insurrection – Exército e extrema direita: militares da reserva sonham com uma insurreição.
A carta endereçada ao presidente
Macron, e que recebeu o apoio de Marine Le Pen, diz textualmente:
“Estamos prontos para apoiar
políticas que levem em consideração a salvaguarda da nação. Por outro lado, se
nada for feito, a frouxidão continuará a se espalhar inexoravelmente na
sociedade, acabando por causar uma explosão e a intervenção de nossos
companheiros ativos em uma missão perigosa para proteger nossos valores
civilizacionais. Contaremos milhares de mortos que estão sob sua responsabilidade.”
O governo Macron achou preferível fazer vista grossa.
*Celso Japiassu é um poeta, articulista, jornalista e publicitário brasileiro
Imagem: Acima lideranças da extrema-direita europeia: André Ventura do "Chega" português e Giorgia Meloni do "Fratelli d'Italia"
Sem comentários:
Enviar um comentário