sábado, 8 de outubro de 2022

BONS VENTOS E BONS CASAMENTOS

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Enquanto por cá se discutem descidas do IRC e alguns setores empresariais procuram garantir - e parece que vão conseguir - ampliar o generoso sistema de isenções e benefícios fiscais de que beneficiam, em Espanha é esperado um aumento da coleta fiscal de 7,7% obtido à custa de "novas figuras tributárias", isto é, de novos impostos sobre lucros extraordinários da banca, das energéticas e, ainda, sobre patrimónios de mais de três milhões de euros e de rendimentos de mais de 200 000 euros por ano. É assim que o Estado espanhol obtém recursos adicionais para financiar políticas sociais.

Enquanto em Portugal se muda a lei sobre a atualização das pensões, porque do ponto vista da política orçamental não convém que elas conservem o seu valor real, em Espanha, cumprindo a lei, o Governo já se comprometeu a atualizar as pensões para 2023 de acordo com a taxa de inflação verificada, ou seja, em cerca de 8,5%.

Portugal e Espanha são igualmente membros da União Europeia e da Zona Euro, estão os dois na Península Ibérica e têm outras semelhanças, designadamente, na cor política base dos seus atuais governos. Em Portugal temos um governo do Partido Socialista (PS), em Espanha é do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), o "partido irmão" do PS. O problema é que a cor ganha ou perde vivacidade em função dos contextos. Em Espanha o PSOE não tem maioria e governa em aliança com um partido de Esquerda, com quem partilha pastas ministeriais. É um casamento que o PS jamais quis assumir em Portugal. Provavelmente estas são razões pelas quais as políticas sociais que estão a ser possíveis em Espanha se apresentam impossíveis em Portugal.

O PS gosta é de ser solteiro próximo de ricos, ter maioria absoluta que lhe permita ser dono da bola, pôr e dispor do poder, por vezes exercido por elementos de baixa qualidade. E quando, para ter vitalidade, precisa de namorar, prefere a Direita, a sua agenda, os seus cozinhados. Marcelo Rebelo de Sousa, mestre de culinárias e "arranjos" para a Direita, lá vai justificando a ausência de respostas aos graves problemas sociais e laborais de hoje em nome de um futuro negro, lá vai afiando o bisturi para uns golpes no Serviço Nacional da Saúde; lá se vai pronunciando sobre todos os assuntos como líder máximo, não só do poder executivo como também de todas as representações sociais e económicas, anulando análises e ação crítica na sociedade.

Outro promotor dos perniciosos namoros do PS com a Direita é o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, mestre na utilização do argumento da média como prova de que, se a um frango foi cortada uma asa, logo esse frango foi partido em dois. Entretanto, na passada quinta-feira, disse que em Portugal "cerca de 80% dos salários são definidos no âmbito de instrumentos de regulamentação coletiva,...o que pode introduzir um elemento de rigidez na transmissão da inflação aos salários". Ora, a inflação está a comer o valor real dos salários e Centeno ainda está preocupado com o impacto que os diminutos aumentos nominais dos salários poderão ter na inflação e com a "rigidez" das instituições da regulação laboral, quando estas tanto precisam de ser reequilibradas nos seus poderes e incentivadas a fazerem negociação coletiva. 

Talvez seja de pôr de lado o velho ditado sobre os "maus ventos" que podem vir de Espanha.

*Professor universitário

Muitos casos? | IGREJA PEDÓFILA EM PORTUGAL PARECE UM POÇO SEM FUNDO

Inquérito aos bispos sobre abusos sexuais: “Até agora todas as dioceses reportaram-nos casos”

Francisco Azevedo Mendes, que lidera a equipa de historiadores da comissão dos abusos sexuais na Igreja, e que vai analisar os arquivos secretos, falou à CNN Portugal sobre o processo. Revelou que recebeu informação das dioceses sobre alegados abusadores e adiantou que já teve acesso a documentos guardados nos cofres da Igreja

A equipa de historiadores e arquivistas que está a colaborar com a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI) já está a ter acesso a documentos dos arquivos secretos da Igreja, revelou à CNN Portugal Francisco Azevedo Mendes, professor da Universidade do Minho, que lidera o grupo.

A ida aos arquivos, autorizada pelo próprio Vaticano, surge depois de os bispos terem respondido a um inquérito enviado por este grupo de historiadores a cada diocese sobre a existência de casos relacionados com abusos sexuais. “Até agora todas as dioceses do país reportaram-nos casos de abusos de menores”, revela o historiador, frisando que o cenário vem confirmar a realidade divulgada por Pedro Strecht, coordenador daquela comissão independente, que deu conta de que os 400 testemunhos validados sobre os abusos cobrem Portugal de Norte a Sul, envolvendo alguns acusados no ativo.

Além das dioceses, também as congregações estão a ser alvo de escrutínio sobre o abuso de crianças no seio da Igreja. Mas aí o cenário é um pouco diferente, por muitas delas serem mais recentes e mais pequenas. “Algumas congregações informaram-nos que não tinham casos”, adianta o historiador.

No entanto, ainda nem todas as dioceses e congregações responderam ao inquérito enviado há já algum tempo. “Acho que é normal que ainda não o tenham feito. Acredito que vão responder. Se em novembro não o fizerem então aí é diferente”, afirma o historiador, sublinhando que este é um “processo muito complexo, mas que tem de ser vivido com normalidade”.

Portugal | PAI NOSSO


Henrique Monteiro | Hanricartoon

“FRANÇAFRIQUE” EM AGONIA -- Martinho Júnior

Martinho Júnior, Luanda

A MEMÓRIA DE KADAFI ILUMINA O CAMINHO DOS “DESERDADOS DA TERRA”

A “OPERAÇÃO BARKANE”, UM PROLONGAMENTO DA NATO SOB OS AUSPÍCIOS DO AFRICOM, PODE ESTAR EM VIAS DE EXTINÇÃO

… É ALTURA DE ANUNCIAR A SUA FINITUDE!

Mesmo na ultra periferia económica global, conforme se apresenta África, o momento não é só disjuntivo, é acima de tudo dialético!

Em África o Sul Global demonstra pender cada vez mais para a multilateralidade, cooperação e solidariedade, atirando para o caixote de lixo da história arcaicas velharias neocoloniais como a “FrançAfrique”, com seus músculos conforme a expressão da “Operação Barkane”, com todo seu cortejo de “democracias representativas” formatadas pelo capitalismo neoliberal, nutridas dos fantoches de ocasião que respondem à exclusividade clientelar da hegemonia unipolar.

Da Líbia os povos africanos (re)apreenderam as imensas afrontas contemporâneas próprias de quem se recusa a fazer a descolonização mental, económica e financeira, a ponto de destruir a Jamairia e assassinar um Kadafi que em vida pugnou pelo renascimento pan-africanista, como antes haviam feito alguns dos mais dignos filhos do continente-berço, entre eles alguns do próprio Sahel, desafiando a saga contemporânea do neocolonialismo derivado do passado e sustentado pelo crónico subdesenvolvimento imposto aos povos africanos.

Todo o Magrebe, de Marrocos ao Egipto (incluindo vastos sectores da actual Líbia), assim como todo o Sahel, da Mauritânia ao Sudão e à Somália, tem a noção não só das perdas provocadas pelo engenho e a arte dos demónios “straussianos” da hegemonia unipolar contra a Jamairia em 2011, como também tem a noção do caos, do terrorismo e da desagregação que foram disseminados desde então, servindo de justificação para o pasto neocolonial, transposto da economia para as armas, garantindo a continuidade da submissão dos povos africanos!

O Mali serviu de epicentro, desde 2012 até aos nossos dias, ao caos, terrorismo e desagregação que conduziram a um encadeado de crises: insegurança (conflitos armados com raisez socioculturais), rápidas mudanças climáticas (no Sahel sempre com tendência para aquecimento e ausência de água), preços exacerbados de alimentos (uma grande parte deles importados) e um difuso covid-19… 

A coligação malparada que os Estados Unidos lideraram no Iraque e na Síria, já não mais se pode fazer sentir noutras paragens; no Sahel, quer jiadistas instigados por grupos da Arábia Saudita, Qatar e Emiratos Árabes Unidos, quer uma França alinhada desde o governo Sarkozy (a “FrançAfrique” de hoje tem todos esses condimentos), estão intimamente associados aos processos contraditórios tácitos que animam a expressão regional da hegemonia AFRICOM pelo Sahel, pelo que a mudança de paradigma está a tornar-se num virar de pagina contra o neocolonialismo.

Enquanto herdeiro de Sarkozy, fragilizado nas últimas eleições francesas, Emmanuel Macron e tudo o que está ligado à mentalidade colonial francesa cristalizada agora em função do enquadramento propiciado pelo Comando África do Pentágono, está em “sistémica” crise.

Bissau | Irmã de Kumba Ialá funda novo partido: "O futuro está nas mãos das mulheres"

A irmã do antigo Presidente Kumba Ialá desconsidera todas as anteriores tentativas de governação lideradas por homens e acaba de criar o Movimento Social Democrático para dar mais poder às mulheres da Guiné-Bissau.

Dar vez e voz às mulheres, educar e instruir os jovens e as crianças são algumas das motivações que levaram Joana Kobde Nhanca, irmã do falecido ex-Presidente Kumba Ialá, a criar o seu próprio projeto político. O Movimento Social Democrático (MDS) nasce como uma alternativa no meio de cinquenta partidos existentes na Guiné-Bissau, para resgatar o país das mãos dos homens e devolver a dignidade às mulheres.

A herdeira de Kumba Ialá desconsidera todas as anteriores tentativas de governação lideradas por homens e diz que nada mudou nesses cinquenta anos de vida política do país. E afirma estar cansada de acompanhar  "políticos negociantes" e aplaudir propostas infundadas.

O MSD, a voz da tabanca (comunidade), quer entrar no cenário político guineense já com uma fasquia alta: Joana Nhanca garante que o movimento está preparado para concorrer em todas as eleições, a começar pelas próximas legislativas de 18 de dezembro.

Angola | A Desminagem Ainda Cheira a Guerra – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A desminagem em Angola só fica concluída em 2028, informou a Agência Nacional de Acção contra Minas (ANAM). A guerra acabou em 2002 mas os engenhos explosivos continuam a guerrear contra as populações que habitam as áreas das províncias que foram campos de batalha. Por exemplo,  Cuando Cubango. 

No ano de 2014 fui ao Cuito Cuanavale com o repórter fotográfico Paulino Damião “50, um dos melhores do mundo. Fomos apanhados desprevenidos e partimos sem mala, sem roupa, sem nada. Chegados ao objectivo, fomos informados por um coronel das FAA que os técnicos de desminagem tinham encontrado um tanque “oliphant” abandonado pelos sul-africanos. Vamos lá! O General Nando Cuito não autorizou a nossa ida porque aquela colina tinha minas por todo o lado e era muito perigoso. Dei uma de repórter sedento de acontecimentos e disse-lhe que não tinha ido ao Cuando Cubango fazer turismo. O “50” segredou-me ao ouvido: Cala-te. Se morrermos numa  mina ninguém cuida da nossa família! Repeti: Vamos ver o tanque dos karkamanos.

O general voltou a negar mas eu fui convincente e ele aceitou. Mas pôs uma condição: Eu vou com os jornalistas. E lá fomos. O técnico de desminagem ensinou-nos a regra básica: Quem vem atrás de mim põe os pés onde eu ponho. Quem vem atrás faz o mesmo, até ao último homem da fila. Cumprimos. Parecíamos camaleões, andando pé ante pé. Mas chegámos à mata que se fechou à volta da máquina de guerra alemã, gentilmente fornecida pelo governo da Alemanha ao regime racista de Pretória. O “50”, como era seu hábito, andava por ali sem ninguém dar por ele. Fotografou o tanque de todos os ângulos, inclusive o emblema da unidade de elite de Pretória ao qual a máquina pertencia.

No meio da mata, o técnico disse-nos que um quilómetro à frente tinham encontrado um amplo cemitério onde foram enterrados militares da UNITA e da África do Sul falecidos em combate. As fardas ainda estavam em condições de identificar a nacionalidade dos mortos. Vamos lá! Aí foi impossível. Ainda existiam muitas minas no terreno. Só um ano depois voltámos. As minas tinham sido retiradas às centenas ou milhares. 

Pequenos partidos da oposição disponíveis para apoiar Governo de Angola

O Presidente angolano recebeu hoje os responsáveis máximos de três forças políticas da oposição angolana com assento parlamentar, que manifestaram disponibilidade para trabalhar com o Governo.

O Presidente angolano João Lourenço recebeu hoje em audiências separadas os líderes do Partido de Renovação Social (PRS), Benedito Daniel, do Partido Humanista Angolano (PHA) Belas Malaquias, e da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Nimi a Simbi.

À saída do encontro, Benedito Daniel realçou que este é o primeiro encontro depois das eleições gerais de 24 de agosto, das quais foi vencedor o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

"O chefe de Estado felicitou-nos por termos conseguido eleger dois deputados e aproveitamos a oportunidade para felicitar sua Excelência Presidente da República por ter sido eleito e dissemos que estamos abertos para contribuir com as nossas ideias para a construção de uma nação que nós pretendemos construir, apesar das nossas adversidades ideológicas, mas nós podemos conviver como angolanos na construção de uma nação", referiu.

Reforçar a democracia

Por sua vez, Florbela Malaquias disse que foi um encontro de cortesia, no qual foi abordado a disponibilidade de o chefe de Estado reforçar a democracia na relação com os partidos políticos.

"Nós, Partido Humanista de Angola, manifestamos a nossa disponibilidade de estarmos sempre na consonância daqueles pontos que venham para humanizar Angola, para reforçar a democracia e tudo aquilo que seja bom para os angolanos. Ali nós estaremos presentes", disse a líder do Partido Humanista de Angola.

Florbela Malaquias salientou que observou no encontro a necessidade de maior facilidade e liberdade no acesso às terras para o partido trabalhar.

Líder da Fretilin propõe relação mais económica entre Portugal e Timor-Leste

O coordenador partidário que sustenta o governo timorense propôs hoje uma nova relação de cooperação entre Portugal e Timor-Leste baseada nas relações económicas, dando o exemplo do investimento nos estaleiros da Figueira da Foz.

Em entrevista à Lusa em Lisboa, Mari Alkatiri explicou que esse tem sido o tema das conversas com políticos portugueses, entre os quais o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, defendendo uma relação multilateral do quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

O objetivo é "ajudar a desenvolver uma diplomacia económica mais robusta entre Portugal e Timor-Leste" e "reforçar a CPLP", explicou Mari Alkatiri, comentando o encontro com o chefe de Estado português.

E foi nesse quadro que Timor-Leste investiu 12 milhões de euros na aquisição de 95% dos estaleiros da Figueira da Foz, infraestrutura que entrou em insolvência e que tinha como praticamente único cliente a construção do `ferry` Haksolok, que deveria ligar a capital timorense, a ilha de Ataúro e o enclave de Oecussi, no oeste do país.

O navio já é de Timor-Leste, só falta concluir 20 a 25% da obra", mas este projeto, financiado pela Região Administração Especial de Oecusse-Ambeno (que foi liderada por Alkatiri), insere-se naquilo que o secretário-geral da Fretilin considera ser uma prioridade de diversidade das receitas do país.

É um "compromisso com o futuro, um investimento em Portugal, na Europa e tendo como o mercado, prioritário e fundamental os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e a CPLP.

O orçamento inicial da embarcação, em 2014, era de 13,3 milhões de euros e este investimento global na Figueira da Foz terá agora que ser rentabilizado com outros projetos, que "recuperem os estaleiros e comecem a produzir receitas" adicionais, avisou Alkatiri.

Que "saibamos converter a solidariedade em cooperação mutuamente vantajosa", criando uma "nova etapa" na relação entre os dois Estados.

Santa pedofilia | A rasca e pontifícia argumentação núncio-gregoriana de Timor-Leste

Nunciatura em Díli pede que católicos timorenses aceitem "castigos" impostos a Ximenes Belo

"Digo aos católicos timorenses, que são tão fiéis ao Papa, ao Vaticano, para seguirem as orientações do Vaticano, assim como o amo Belo seguiu as orientações do Vaticano. Ele aceitou", declarou o monsenhor Marco Sprizzi.

O representante do Vaticano em Díli apelou esta terça-feira aos católicos timorenses para aceitarem os "castigos" impostos pela Santa Sé ao bispo Ximenes Belo pelo que disse serem "crimes graves", pedindo que essa decisão seja respeitada.

"Esta é uma sentença. É uma declaração que não é a nível de acusação. As restrições que lhe foram postas foram declaradas pela autoridade. É uma decisão, não é uma acusação. Não estamos ao nível de acusação, estamos ao nível de decisão, que o bispo aceitou", afirmou o monsenhor Marco Sprizzi em declarações à RTTL, a televisão pública timorense.

"Não vamos ter mais nenhum processo. Nem do Estado, porque os crimes já prescreveram, foram há mais de 20 anos, e porque da parte da Santa Sé tudo já foi julgado e decidido. São decisões tomadas e aceites pelo bispo e que nós só temos que respeitar, respeitar o bispo e respeitar as decisões do Vaticano", sustentou.

Relacionado em PG: A SANTA PEDOFILIA EM TIMOR-LESTE E A MEMÓRIA DOS ELEFANTES

As declarações de Prizzi, transmitidas na íntegra no principal noticiário da noite da RTTL -num segmento de cerca de oito minutos- surgem numa altura em que se intensificou o debate em Timor-Leste depois da divulgação dos abusos por um jornal holandês.

A notícia levou a Sala de Imprensa da Santa Sé a anunciar ter imposto sanções disciplinares a Ximenes Belo nos últimos dois anos, após ter recebido alegações de que o Nobel da Paz teria abusado sexualmente de menores no seu país nos anos 1990.

Sprizzi disse que o gabinete que lida com casos de abuso sexual recebeu alegações "sobre o comportamento do bispo" em 2019 e, no prazo de um ano, tinha imposto sanções.

AI TIMOR… AS MÁFIAS QUE OS TENTAM CALAR

Paulo Barriga | Sábado | em 01 de Outubro de 2022

Nos últimos dois meses chegaram a Portugal milhares de timorenses iludidos com o eldorado europeu. Encontraram fome, habitações insalubres e precariedade. Muitos ficaram a viver na rua.

É em Timor Leste que as redes de tráfico humano e de trabalho ilegal, que operam nos campos do Alentejo, tanto em Alqueva como em Odemira, têm agora os seus interesses focados. O Alto Comissariado para as Migrações declara que só nos últimos dois meses identificou 650 cidadãos timorenses recém-chegados. Mas as organizações de solidariedade social que atuam no terreno acreditam que devem ser dois mil. Pobres, na esmagadora maioria, chantageados e ameaçados, ficam reféns dos “patrões” que se prontificaram a recebê-los em Portugal, quase sempre em condições deploráveis. Muitos acabam sem abrigo.

É no primeiro andar de um casinhoto que faz esquina entre o largo da Cruz Nova e a rua de Mértola, em Serpa, que estão Anjo e Ângela. São namorados. Ele tem 22, ela 23 anos. Ele fez o segundo ano de Economia, enquanto “ganhava umas coroas” como taxista, em Díli. Ela abdicou dos estudos no Secundário, em troca de um lugar de caixeira numa loja da capital timorense. “A vida lá é um inferno, há pouco dinheiro, não há condições, não há futuro”, dizem, sobrepondo-se um ao outro. Em julho último decidiram rumar a Portugal. “Foi um erro”, lamentam agora.

Um erro que começou logo em território timorense, quando o casal se viu obrigado a “procurar um amigo” que se dispusesse a financiar a viagem e a respetiva papelada: cerca de 4 mil dólares [4.147 euros], cada um. “É muito dinheiro”, reconhece Ângela, enquanto faz contas à vida, “temos de arranjar trabalho para lhe pagar depressa”. É que o suposto “amigo” é um dos muitos agiotas que operam em Timor Leste, praticando juros de 100% sobre os empréstimos. “Se tu pedes mil, tens de pagar 2 mil... é assim que as coisas funcionam.” Num país onde o ordenado mínimo ronda os 129 euros e onde o emprego fora da esfera do Estado é uma miragem.

Na maioria dos casos relatados à SÁBADO, que foram mais de 20, o dinheiro nem chega a sair dos bolsos dos “banqueiros do povo”. Os financiadores são igualmente proprietários ou associados de agências de viagens. Entidades às quais a lei timorense permite que se constituam também como “angariadoras de mão de obra”. É o cocktail perfeito para o tráfico humano. Segundo o Global Organized Crime Index, “Timor Leste é um país de origem, trânsito e destino do tráfico de seres humanos. A maioria dos casos é de natureza transnacional, sendo Timor Leste o país de origem.”

De acordo com o Serviço de Registo e Verificação Empresarial existem neste momento 170 agências de viagens ativas em Timor Leste. E foi uma delas, a Agência Justin, que tratou do voo que trouxe Anjo e Ângela até Lisboa. A passagem dele custou 2.865 dólares [€2.972]. O bilhete dela, 3.100 dólares [€3.216]. “Não sabemos porquê. Talvez seja da papelada.” Embora os cidadãos timorenses não careçam de visto de entrada em Portugal para estadas inferiores a 90 dias. E foi nessa condição que, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, chegaram a Portugal desde o dia 1 de julho 2.627 timorenses (1.001 permanecem em território português, fazendo crescer uma comunidade que, em 2021, rondava apenas as três centenas de cidadãos).

TRÁFICO DE PESSOAS AUMENTA NA ALEMANHA

Foram registrados 510 casos em 2021, o que representada 10% a mais do que no ano anterior, de acordo com Departamento Federal de Investigações.

#Publicado em português do Brasil

Autoridades policiais e alfandegárias da Alemanha atenderam a 510 casos de tráfico de pessoas em 2021, de acordo com um relatório divulgado nesta sexta-feira (07/10) pelo Departamento Federal de Investigações (BKA, na sigla em alemão). O número representa um aumento de 10% em relação ao ano anterior.

Quando se trata de abuso de crianças em casos de tráfico, o índice aumentou ainda mais. Pelo menos 237 crianças foram afetadas, 23% a mais do que em 2020. Os crimes incluem, entre outros, a produção de imagens de abuso sexual infantil e prostituição. De acordo com o relatório, a idade média das vítimas era de 15 anos e a idade média dos agressores, de 37.

Prostituição forçada

O BKA também alertou que a prostituição forçada está se tornando cada vez mais motivo de preocupação na Alemanha. As autoridades explicaram que um dos métodos mais comuns usados ​​pelos perpetradores é o seguinte: um homem mais velho atrai uma mulher mais jovem para o que ela pensa ser um relacionamento romântico antes de usar abuso emocional para coagi-la a trabalhar com sexo e explorá-la financeiramente.

Em termos de trabalho sexual forçado, segundo o relatório, 93% das 417 vítimas eram mulheres. A maioria das vítimas e agressores eram alemães, mas também havia imigrantes de países como Bulgária, Romênia e China. Uma em cada três vítimas tinha menos de 21 anos.

Número pode ser muito maior

A polícia também alerta que o número real de vítimas pode ser muito maior. Isso porque, mesmo após a realização de uma batida policial, as vítimas podem hesitar em dizer aos agentes que foram traficadas – entre os motivos estão o medo de represálias ou de acusações criminais.

O relatório do BKA também detalhou o tráfico de pessoas na Alemanha para fins de exploração laboral. O setor mais afetado pela escravidão moderna foi em trabalhos de assistência, como casas para idosos ou doentes crônicos. Houve também casos em obras, bares e restaurantes, além de limpeza de residências e escritórios.

Deutsche Welle - (dpa, epd)

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