quinta-feira, 9 de março de 2023

Angola | SEPARAÇÃO DE PODERES É TRUQUE DE MARIMBONDO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Uma jovem que ambicionava fazer carreira no mundo do espectáculo ousou exibir na televisão (Big Brother África) o que muitas mulheres preferem mostrar no quarto e na cama. Na verdade era uma menina inocente, mais casta do que a minha saudosa amiga Helena de Troia, profissional do despir em público. Frederico Batalha aproveitou para publicar um artigo de opinião intitulado “Queremos fazer de Angola uma terra de sexo?” onde mostrou a sua faceta de misógino. No texto o autor chama a ele próprio o que Maomé não disse do toucinho. Portanto ele sabe o que é, o que vale e quanto deve cobrar.

O mesmo Frederico Batalha apareceu mais tarde como jurista e membro da massa falida do Banco Angolano de Negócios (BANCV). Despejou lugares comuns à feição dos interesses de quem lhe pendurou o tacho ao pescoço. E eu segui a pegada do polivalente. Aí tropecei com os palpites que ele deu ao Jornal de Angola sobre a extinção dos partidos que tiveram menos de 0.50 por cento dos votos e a impossibilidade de recurso da decisão. 

Frederico Batalha passou a ser mais visível. Vejo uma foto dele a ser entrevistado, tendo atrás o retrato oficial do Presidente João Lourenço. O homem que escreveu cobras e lagartos contra meninas desinibidas mostrando seus encantos físicos na televisão, já era consultor e depois director de gabinete na Provedoria de Justiça. 

A FNLA foi despejada de um apartamento que alugou, por não pagar a renda. Aquilo deu maka. Leiam a notícia da época: “Na ausência dos advogados de ambas as partes, assistiu ao acto Frederico Batalha, o consultor jurídico da provedora adjunta de Justiça, na presença de agentes da Polícia Nacional. Frederico Batalha disse que estamos a testemunhar hoje o consumar da decisão judicial, numa clara demonstração à sociedade que em Angola os direitos e as leis devem ser observados”.

A Rádio Nacional de Angola noticiou que Abel António Cosme, o antigo-presidente do conselho de administração da TCUL, foi detido pelas autoridades portuguesas. O jurista Frederico Batalha foi logo ouvido: “O próximo passo é a extradição. Há um acordo de cooperação judicial entre os Estados angolano e português, pelo que vislumbramos que o processo de extradição se consumará”. E deu ordens às autoridades de Lisboa: “Enquanto Abel António Cosme não for extraditado, deve ficar em prisão preventiva em Portugal.”

Abel António Cosme tem nacionalidade portuguesa, como é? Frederico Batalha sem travão na língua falou: “Angola vai tratar o ex-gestor da TCUL sempre como cidadão nacional porque quando se evadiu do país estava no exercício de funções públicas”. Os portugueses ficaram tão assustados que puseram o senhor Cosme nas masmorras da PIDE.

O jurista multifacetado, sempre com o retrato oficial do Presidente João Lourenço em fundo, publicou hoje um texto de opinião no Novo Jornal que deve ser lido, treslido e estudado em todas as escolas de Direito públicas, privadas e malparadas. O tema é a demissão da ex-presidente do Tribunal de Contas, Dra. Exalgina Gamboa. O insigne jurista escreveu: 

A ideia da existência de biombos hermeticamente fechados a separar os três poderes de Estado, há muito foi superada, tendo dado lugar à ideia de interdependência de funções. Donde os pontos de influência mútuos entre os referidos Poderes, inclusive, nos casos em que claudica é aquele que exerce o Poder Executivo, normalmente, também Chefe de Estado.”

A coisa é um nadinha embrulhada para não se perceber bem. A Separação de Poderes para Frederico Batalha “é uma ideia” Mas que está fora de moda porque agora deu lugar “à ideia de interdependência de funções”. Independência dos Tribunais? Quem pensa assim é burro insanável. Quem sabe disto é o Batalha. Esqueçam isso da independência porque a “interdependência de funções” é que está a dar. Estudem a democracia do Mobutu e esqueçam as ideias erradas.

Separação de Poderes, a pedra de toque do regime democrático, é truque dos inimigos do mobutismo reinante e picada de marimbondo. 

Querem mais do jurista Frederico Batalha? Tomem lá: 

“Dizer que o juiz convidado a renunciar (Exalgina Gamboa) tem a faculdade de aceitar ou não o convite, faz incorrer num nefasto erro de perspectiva, colocando o Presidente da República numa espécie de redoma incapacitante do exercício das suas funções de máximo representante do Estado. Sendo ele, afinal, quem fica com os êxitos e os inêxitos no fim dos ciclos de governação, relativamente ao funcionamento de todos os poderes exercidos no Estado”. 

Perceberam? Abaixo a matumbice. Estou cansado de aturar matumbas e matumbos. No final dos mandatos o Presidente da República é que paga, “relativamente ao funcionamento de todos os poderes exercidos no Estado”. Não é a sua criadagem. Até porque o Batalha nunca admitiria que apresentassem a conta ao chefe. Respeitinho.

No tempo do colonial fascismo tive tremendos desgostos. Pessoas que considerava, de um dia para o outro, estavam ao lado dos colonialistas e fascistas. Aprendi nesse tempo que a ditadura tinha sempre alguém disponível para os fretes mais abjectos. Havia sempre alguém que vendia a honra e preferia viver de cócoras. O Frederico Batalha fez-me lembrar esses tempos sombrios. O mobutismo reinante tem sempre alguém disponível para transformar a Separação de Poderes em “interdependência de funções”. Os magistrados judiciais em criados às ordens. Meros auxiliares do Titular do Poder Executivo e Presidente da República. 

Quem não aceitar o assassinato do regime democrático é traidor e fica debaixo de olho. E que nenhuma jornalista, nenhum jornalista ousem entrevistar a Dra. Exalgina Gamboa. Sim, é verdade, existe um tremendo vazio de informação sobre a ex-Presidente do Tribunal de Contas que só pode ser preenchido com esse género jornalístico. Mas não ousem ser profissionais. Podem perder o emprego na hora.

E agora que estamos na vigência da “interdependência de funções”, qualquer deputada, qualquer deputado, qualquer magistrada, qualquer magistrado, podem ir para a rua se não obedecerem ao Presidente da República. Carolina Cerqueira pode ser aconselhada pelo chefe supremo a demitir-se, enquanto o diabo esfrega um olho. É o triunfo das ordens superiores!

*Jornalista

Imagem: Frederico Batalha,  © Fotografia por: Edições Novembro

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