sexta-feira, 24 de março de 2023

CNRT rejeita declaração da mesa do parlamento timorense de perda de mandato

O maior partido da oposição timorense, o CNRT, rejeitou argumentos da mesa do Parlamento que justifiquem a perda de mandato de 16 dos seus deputados, e afirmou ter atuado no quadro dos direitos constitucionais

Numa carta de resposta à ameaça de perda de mandato, a que a Lusa teve acesso, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) invoca a Constituição, em particular onde é “reconhecido aos partidos políticos o direito à oposição democrática”.

“O direito de se manter ausente para não viabilizar a eleição de alguém que não cumpre os requisitos legais, é o exercício do direito de oposição. Porventura, mais do que o exercício do direito de oposição, é um dever constitucional”, considera-se na carta.

“Nunca a Bancada do CNRT abandonou o Parlamento Nacional. A ausência às sessões plenárias foi devidamente justificada. A ausência trata-se do exercício pleno, do direito da oposição consagrada constitucionalmente”, sustenta-se.

A carta é assinada pelo presidente da bancada do CNRT e pelos 16 deputados que dizem que a mesa “deseja expulsar”.

“Ninguém pode obrigar um partido político, nem os seus deputados, a participar numa eleição que consideram ilegal. Trata-se do exercício do direito de ‘walk out’, isto é, do direito de não participar”, consideram.

Em causa está a decisão de deputados do CNRT não participarem em várias sessões plenárias — a primeira a 13 de fevereiro – durante as quais a mesa agendou a eleição do novo comissário da Comissão Anticorrupção (CAC), contestando o nome proposto.

Para a eleição do responsável da CAC a lei exige a presença de pelo menos 49 dos 65 deputados, total que é impossível de alcançar sem a presença dos deputados do CNRT. O regimento do Parlamento determina a perda do mandato, entre outras circunstâncias, para quem “deixe de comparecer a cinco sessões consecutivas do plenário ou das comissões”.

Invocando essa regra e ainda as regras definidas no estatuto dos deputados e na lei eleitoral, a mesa anunciou ter iniciado um processo de perda de mandato para 16 deputados, que passa por uma audição aos deputados.

Perante uma eventual decisão da mesa que confirme a perda de mandato, os deputados podem ainda recorrer ao plenário e, se este a confirmar, ao Tribunal de Recurso.

Aniceto Guterres Lopes confirmou à Lusa a audição aos deputados não seria presidida por si mas sim pela vice-presidente, Angelina Sarmento, deputada do Partido Libertação Popular (PLP), estando presentes os restantes três membros da mesa.

Em vez dos deputados se apresentarem para ser ouvidos, o CNRT optou por apresentar uma resposta escrita conjunta.

“Nunca a Bancada do CNRT ameaçou ou tentou expulsar do Parlamento Nacional qualquer deputado de outro partido político, sempre respeitou o direito à oposição. Só numa ditadura é que se expulsam deputados livremente eleitos pelo povo soberano”, vincou.

Dirigindo-se ao povo de Timor-Leste, a bancada do CNRT assegura que vai continuar “a trabalhar e a lutar, dia-a-dia, para que a democracia prevaleça” em Timor-Leste.

“Deve a ausência dos 21 deputados da bancada do CNRT às sessões plenárias do Parlamento Nacional ser considerada justificada”, refere-se na carta à mesa do Parlamento.

“Mais apelam para que os partidos políticos que compõem a maioria parlamentar trabalhem no sentido de assegurar a eleição de um comissário para a CAC que seja independente e imparcial, conforme determina a lei”, sublinha-se.

Ao longo de 40 pontos, o CNRT responde à notificação da “intenção da Mesa de expulsar 16 Deputados do Parlamento Nacional”, reiterando a justificação pela ausência das sessões plenárias em causa, a partir de 13 de fevereiro, onde estava agendada a eleição do novo comissário da Comissão Anticorrupção (CAC), em concreto o ex-procurador-geral da República, José Ximenes, nome proposto pelo Governo.

E nota que as exigências da própria lei da CAC, sobre um quórum mínimo de deputados, traduz vontade de “obrigar os partidos políticos a um consenso alargado quanto à pessoa que vai desempenhar a importante função de investigar” possível corrupção.

A lei, recorda, defende que o comissário “deve ser reconhecido pelo seu elevado nível de independência e de imparcialidade” e considera que o nome proposto pelo Governo “viola os requisitos estabelecidos”, porque José Ximenes é atual “assessor político do primeiro-ministro” e, como tal, não é independente ou imparcial.

“Caso viesse a ser eleito, e se no futuro, tivesse de investigar atos praticados pelo atual Governo ou pelo seu atual patrão, o primeiro-ministro, poderia o senhor José da Costa Ximenes considerar-se independente e imparcial? Não”, consideraram os deputados.

O CNRT notou mesmo que o próprio parlamento nacional, através de uma resolução de maio de 2017, “já se pronunciou sobre a falta de independência e imparcialidade do senhor José Ximenes”, que foi procurador-geral da República.

“Além de ser alvo de três processos-crime em curso, que, naturalmente, arrasam completamente a sua credibilidade e impedem a assunção de um cargo com as exigências de imparcialidade e honestidade que se impõem a um Comissário da CAC”, refere-se no texto.

Nesse contexto, o CNRT diz que a bancada escreveu ao presidente do Parlamento Nacional a dizer que o partido “não iria viabilizar a eleição e que os seus deputados manter-se-iam ausentes do plenário enquanto continuasse a ser agendada a eleição” de José Ximenes, tendo dado conhecimento da carta ao presidente do Tribunal de Recurso e ao atual PGR.

O partido explicou ainda ter dado conta desta posição no plenário de 14 de fevereiro, referindo que a ausência dos deputados do partido “se devia unicamente à decisão de não viabilização da eleição do Comissário CAC, impedindo o quórum deliberativo”.

A eleição voltou a ser agendada mais cinco vezes pelo presidente do parlamento, com o CNRT a manter a postura, ainda que durante esse período os deputados tenham continuado “a participar ativamente nas reuniões das comissões especializadas permanentes, contribuindo na discussão das leis e outras atividades parlamentares”.

O CNRT diz que o presidente da bancada apresentou a justificação da ausência dos deputados, antecipadamente, vincando a posição do partido numa reunião de líderes das bancadas a 02 de março.

“Nessa reunião a mesa não informou que considerava tal ausência como faltas injustificadas. Pelo contrário, acedeu à posição do CNRT e deixou de agendar a eleição do Comissário da CAC, suspendendo o processo de eleição, e em consequência, os deputados da bancada do CNRT voltaram a estar presentes e a participar nas sessões plenárias”, referiu.

“Na mesma reunião, o presidente do parlamento solicitou que as bancadas parlamentares e o Governo procurassem um candidato consensual. Esse consenso ainda não foi alcançado. Mas, caso tivesse sido, a mesa já consideraria a ausência como justificada? Porventura”, sublinha-se.

Finalmente o CNRT recordou ainda o que está definido na lei eleitoral, em que se considera que a perda de mandato é declarada pela mesa do parlamento “sob proposta do partido político” a que o deputado pertence, algo que não ocorreu, pelo que a mesa “está impedida legalmente de declarar a perda de mandato” dos deputados.

Visão | Lusa | Imagem: Lusa

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