Rosália Amorim* | Diário de Notícias | opinião
Os portugueses quiseram saber da moção de censura do Chega ao governo? Ontem à tarde ficaram de olhos colados à televisão, aos sites dos jornais ou de ouvidos atentos às rádios? Duvido. As métricas que nos dão, ao segundo, a tráfego online confirmam a minha convicção. O povo é sereno e sábio. Sabe bem que a moção de censura de nada servirá neste momento. Sabe também que o partido que tomou a iniciativa, ao colocar este instrumento em cima da mesa do parlamento por dá cá esta palha, está a desbaratar uma arma democrática. Trata-se de um dos instrumentos de controlo político do governo à disposição da Assembleia da República, que incide sobre a execução do programa do Governo ou sobre assunto de relevante interesse nacional e que, sim, pode deitar um governo abaixo, mas não neste momento, neste contexto político e socioeconómico.
A tempestade perfeita está instalada: alta da inflação, subida das taxas de juro, combustíveis a disparar de novo e alimentos básicos ao preço de pratos gourmet. Os portugueses fazem contas à vida e não sabem mais como fazer esticar o dinheiro lá em casa e, nesta altura, o que menos desejam é juntar a esta tempestade uma nova crise política.
O Executivo tem governado bem e resolvido os problemas das populações? Não. A crise da habitação é um dos maiores dramas que o país enfrenta e o descontentamento, as manifestações e as greves estão à vista. Mas uma moção de censura, nesta fase da legislatura, não é mais do que desbaratar uma arma democrática. Costa foi, ontem e como sempre, um malabarista implacável que soube voltar a iniciativa contra a oposição de Direita e puxou a si os louros do debate. Acusou a Direita (com foco no PSD) de não conseguir construir alternativa. Ainda aproveitou para confirmar as medidas para baixar a prestação da casa durante dois anos e avançou ainda que tem "fixado o calendário de atualização do salário mínimo até ao final da legislatura e com grande probabilidade vamos atualizar o mínimo de existência [no IRS] em conformidade com esse aumento." Em causa, está a isenção de IRS ao salário mínimo.
Esta é a terceira moção de censura desta legislatura: duas do partido de Ventura e uma da Iniciativa Liberal. A banalização deste instrumento é perigosa e alimenta populismos. No final do dia, o Chega acabou por dar mais ao palco ao PS, desbaratou uma oportunidade e ficou tudo exatamente na mesma. Como era de esperar, a moção de censura foi chumbada. Hoje, sim, talvez o povo fique de olhos postos no parlamento, afinal o debate vai ser sobre o IRS, matéria que toca mais nos bolsos dos eleitores do que as politiquices.
*Rosália Amorim. Diretora do Diário de Notícias
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