terça-feira, 10 de outubro de 2023

Angola | Mesmas Moscas Mas Sem Gasosa -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Presidente João Lourenço assinou o Decreto Presidencial número 69/21 de 16 de Março daquele ano. O diploma atribui uma percentagem de dez por cento à Procuradoria-Geral da República e aos Tribunais pelos activos financeiros e não financeiros recuperados. Trocando por miúdos, a Presidência da República dá gasosa a quem aliviar os ricos dos seus bens imóveis e das suas contas bancárias. Novos ricaços nasceram no lugar dos velhos e Pita Grós começou a vestir fatos mais caros e de marcas mais cotadas. São os altos e baixos da vida.

A Ordem dos Advogados de Angola considerou o Decreto Presidencial ferido de várias inconstitucionalidades e requereu ao Tribunal Constitucional que se pronunciasse sobre a matéria. Dois anos e meio depois temos o Acórdão. Já não há mais nenhum activo “financeiro e não financeiro” para recuperar. Os ricos de João Lourenço estão todos recheados de fortunas.  

As Venerandas Conselheiras Laurinda Cardoso, Victória Izata, Maria da Conceição Sango, Maria de Fátima da Silva e os Venerandos Conselheiros , Carlos Burity da Silva e Carlos Teixeira, do Tribunal Constitucional, decidiram:

A) Declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade orgânica e formal das normas constantes do Decreto Presidencial nº 69/21 de 16 de Março, que estabelece o Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos Financeiros e Não Financeiros, por si Recuperados, na medida em que ao definir a atribuição de uma Comparticipação aos órgãos de administração da justiça, resulta dos bens revertidos a favor do Estado, no âmbito do regime da perda alargada de bens, prevista na Lei nº 15/18 de 26 de Dezembro, viola a regra de reserva absoluta de lei parlamentar, ínsita no artigo 164º da Constituição da República de Angola;

B) Declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 72º, 175º e nº 1 do artigo 179º da Constituição, das normas dos artigos 3º a 5º do supracitado Decreto Presidencial, que determinam a atribuição de uma comparticipação financeira à Procuradoria-Geral da República de dos Tribunais, na medida em que não se afigura adequada ao preenchimento das garantias de independência e imparcialidade;

C) Ressalvar, por razão de equidade e de segurança jurídica, os efeitos entretanto produzidos pelas referidas normas, de harmonia com o preceituado no nº 4 do artigo 231º da Constituição da República de Angola.

O Artigo 231.º (Efeitos da fiscalização abstracta) diz isto:

1. A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação da norma que haja revogado. 

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade por infracção de norma constitucional posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última. 

3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.

 4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deve ser fundamentado, o exigirem, pode o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.ºs 1 e 2 do presente artigo.

O Decreto Presidencial que dá gasosa à turma do Pita Grós é um aborto jurídico. Causou mais dano ao Poder Judicial do que a guerra imposta a Angola pelo estado terrorista mais perigoso do mundo e seus capangas. Dar gasosa aos magistrados judiciais e aos titulares da acção penal é o mesmo que colocá-los ao nível dos agentes reguladores de trânsito e dos roboteiros.

A alínea c) do Acórdão do Tribunal Constitucional garante que a lixeira vai continuar e com as mesmas moscas, mas sem gasosa. Quando em 2027 os actuais ricaços saírem do poder, podem estar descansados. A senhora da “recuperação de activos” não mexe um dedo para os despojar das suas fortunas porque não há gasosa. As sentenças favoráveis à transferência de fortunas vão rarear porque acabou a gasosa. Quem parte, reparte e não fica com a maior parte ou é burro ou não tem arte.

E como ficam os espoliados até hoje?

A Constituição da República diz que os esbulhos efectuados até agora têm de ser devidamente justificados e fundamentados. Como foram necessários dois anos e meio para concluir que o Decreto Presidencial 69/21 é uma enormidade jurídica, podemos esperar pelo menos 25 anos para sair a fundamentação dos esbulhos. Se alguém quiser reclamar, João Lourenço chama o general assassino Lloyd Austin e os reclamantes metem o rabo entre as pernas. Não querem entrar na lista dos milhões que o novo amigo do chefe assassinou por esse mundo. Os julgamentos feitos ao cheiro da gasosa vão ser repetidos? Esperem sentados ou nas celas.

O chefe da casa civil do Presidente da República, Adão de Almeida, chamado a justificar a monstruosidade jurídica que é o Decreto Presidencial da gasosa, citou o Peru, país com grandes tradições democráticas e onde o Estado de Direito comanda. 

Há muitos anos entrevistei o líder do Grupo Tupak Amaru, rival do Sendero Luminoso, na prisão de alta segurança de Canto Grande. Uns amigos peruanos falsificaram um documento que me apresentava como membro da Comissão dos Direitos Humanos da ONU. Fui apanhado mas com a entrevista já na cabeça. Só não me mataram porque o Presidente Alan Garcia, que conheci em Paris nos meus tempos de estudante, disse aos polícias que eu sou bom rapaz. 

Afinal os marimbondos não são assim tão maus. Os mabecos mordem mais e gastam mais combustível da corrupção, latrocínio e exploração de quem trabalha.

O Hamas lançou a operação “Al Aqsa Flood”. O alarido no ocidente alargado mete nojo. Ainda não perceberam que na Faixa de Gaza vivem dois milhões de civis palestinos em 300 quilómetros quadrados. O município de Viana tem 1.344 km2. Não existem lá instalações militares. São todos civis. Alguns lutam pela liberdade com as armas ao seu alcance. 

Israel cercou há muitos anos a Faixa de Gaza por terra, ar e mar. Ninguém entra ou sai sem autorização dos ocupantes. Militares israelitas invadem a Palestina e atacam campos de refugiados. Matam quem lhes apetece. Construíram um muro imenso para enjaular os palestinos. Os “democratas” que eram contra o muro de Berlim aplaudem os novos muros erguidos a mando do estado terrorista mais perigoso do mundo.

Os descendentes dos esclavagistas e colonialistas deviam parar para pensar. Acreditam mesmo que o mundo pode continuar assim? Olhem para Angola. Os colonos acreditaram que os angolanos iam ser sempre escravizados, roubados, espoliados (à sombra de um decreto igual ao de João Lourenço) e humilhados até ao fim dos tempos. Mentira. Todos os Povos do Mundo vão ter o seu 4 de Fevereiro. Todos vão ter a bandeira de um MPLA sob a qual lutam pela Liberdade. Todos vão ter um Agostinho Neto a liderar as suas lutas de libertação. O vosso tempo chegou ao fim.

O ministro da Saúde da Faixa de Gaza declarou que até ao momento em que escrevo (16 horas de sábado) os bombardeamentos israelitas sobre Gaza já causaram 1.600 vítimas civis. Mas o ocidente condena os revoltosos! 

A TPA no seu noticiário das 13 horas de hoje nem uma palavra, nem uma imagem sobre o que se passa na Faixa de Gaza. Ainda não receberam ordens da embaixada dos EUA. 

Há 75 anos três padres capuchinhos, italianos, abriram a Missão de Camabatela, à saída da vila quem vai para o Quitexe, passando pelas quedas Kanakajungo, Katunda,  Bindo e Pumbassai. A capela era de pau a pique coberta com capim. Ao lado uma escola tipo jango! Eu estava na inauguração! Poucos anos depois era inaugurada a catedral, no topo da rua principal onde também morava o Grupo Desportivo de Ambaca. O nosso defesa-central era um mestiço do Golungo Alto, chamado Viriato. O melhor do mundo! O capitão, jogador e treinador era o Sacristão que tinha vindo de Luanda para chefiar a estação dos CTT. Dá-me a ideia que estou a ficar velho.

*Jornalista

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