João Pedro Barros, Editor Online | Expresso (curto)
Bom dia,
A notícia vem desta manhã: tanques e infantaria israelitas
terão atingido infraestruturas e locais de lançamento de mísseis antitanque de
várias células do Hamas, numa espécie de ataque terrestre relâmpago. Após
atingir os objetivos, as forças israelitas abandonaram Gaza, naquele que terá
sido um ataque preparatório. Não se trata ainda da ‘grande invasão’ anunciada e
não desmente a notícia de ontem do “Wall Street Journal” e outras pistas já deixadas
nos últimos dias: a anunciada entrada em Gaza do exército de Israel deve
demorar ainda alguns dias, a não ser que haja bluff do lado de
Telavive e alguma carta na manga, ao estilo do que ocorreu na Guerra dos Seis
Dias, em 1967.
Tal não parece, porém, muito provável, porque desta vez foram os israelitas a
ser apanhados desprevenidos, tal como em 1973, na Guerra do Yom Kippur – a
História parece mesmo destinada a repetir-se.
De acordo com o “Wall Street Journal”, Israel aceitou adiar a ofensiva na
Faixa de Gaza para que os EUA possam instalar defesas antimísseis para proteger
as suas tropas estacionadas no Médio Oriente – um trabalho que deve ficar
concluído até ao final da semana e que previne possíveis retaliações por parte
de grupos árabes, após a intervenção começar. Os americanos já têm vários meios
posicionados na região, inclusive dois porta-aviões.
A declaração opaca de Netanyahu ao país, também na tarde de ontem, parece
confirmar a estratégia de espera. "Estabelecemos dois objetivos: eliminar
o Hamas e fazer todos os possíveis para devolver as pessoas sequestradas a
casa. Estamos a preparar-nos para uma entrada por terra. Não especificarei
quando ou as razões que serão levadas em conta", afirmou. Joe Biden já
veio dizer que não pediu nada a Israel, mas confirmou a notícia: “A decisão foi
deles, eu não a exigi”. Na mesma ocasião, Netanyahu assumiu que também terá de ser responsabilizado, após a
prometida operação, pelas falhas de segurança que permitiram o ataque de 7 de
outubro.
No entanto, foram as reações às declarações de António Guterres que ocuparam a
maior parte da agenda noticiosa de ontem e que continuam a provocar ondas de
choque. Após ter dito que era "importante reconhecer" que os ataques
do Hamas "não aconteceram do nada" e que o povo palestiniano
"foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante", o secretário-geral da
ONU foi obrigado a explicar-se. Numa curta declaração, disse-se “chocado” pelas interpretações que foram feitas das suas
palavras e negou que tivesse justificado atos de terror pelo
Hamas: “É falso, foi o oposto, [porque] nada pode justificar a morte e o
rapto de pessoas, seja em que tipo de ato for”.
Quem analisar com alguma atenção as declarações – e nem é preciso ouvir a
intervenção integral, basta ler este artigo, onde está um vídeo com pouco mais de
um minuto do discurso na reunião do Conselho de Segurança da ONU – dificilmente
encontra algo de ofensivo e radical. Guterres, tal como explicou ontem, quis
focar “todos os aspetos da crise no Médio Oriente” e, como antigo Alto
Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, dificilmente poderia evitar a
referência às miseráveis condições em que se encontram os palestinianos em
Gaza.
Isolada do contexto, a frase de Guterres parece violar a regra de que a
condenação de um ato bárbaro não pode conter qualquer “mas”. E, nesse
sentido, acredito que esteja arrependido de não ter moderado um pouco mais a
forma do discurso, sobretudo porque ele enfraquece ainda mais a sua possível
influência no conflito – e as expectativas em relação ao papel das Nações
Unidas já partem de uma fasquia muito baixa. Quando se fala do papel da ONU nas
guerras, geralmente a notícia é a incapacidade de atuação no terreno.
A propósito deste assunto, e se só tiver ter tempo para ler um artigo hoje, recomendo esta análise do jornalista Hélder Gomes às
consequências do caso para Guterres e para a organização que lidera: a reação
de Telavive é, segundo os analistas ouvidos, bastante desproporcional e as
hipóteses de o pedido de demissão feito por Israel ter cabimento são pouco mais
do que académicas. Francis Martin O’Donnell, antigo funcionário da ONU citado
no artigo, recorda que nem a Rússia pediu a demissão de Guterres, após
várias declarações muito duras sobre a invasão da Ucrânia.
O problema é que, agora, “Israel já não aceita o que quer que Guterres
diga”, considera Liliana Reis, professora universitária e investigadora do
Instituto Português de Relações Internacionais. O embaixador de Israel nas
Nações Unidas, Gilad Erdan, já fez saber que a emissão de vistos a
representantes da organização será recusada.
Claro que a discussão sobre as palavras de um português sobre o tema do ano já
provocou as mais variadas reações em solo luso, polarizando mais uma vez os discursos. Marcelo e António Costa colocaram-se prontamente do
lado de Guterres e a esquerda também aplaudiu as suas palavras. O PSD
ratificou o discurso, mas deixou uma nota de desagrado pela frase “menos
feliz”. E, bem mais à direita, a Iniciativa Liberal condena o discurso e o
Chega pede mesmo a demissão do secretário-geral da ONU.
Deixo só mais dois ótimos textos sobre o tema Guterres: como os jornais israelitas olharam para o caso, pela mão de
Manuela Goucha Soares; a Liliana Coelho falou com diplomatas, antigos ministros
e embaixadores, que viram no discurso de Guterres uma posição “equilibrada” e de
“bom senso” (mas há também quem recomende “contenção”).
OUTRAS NOTÍCIAS
Uma história de conversão – Filho do fundador do Hamas tornou-se espião de Israel e defende uso de gás nos túneis de
Gaza.
Conselho Europeu – Arranca esta tarde, em Bruxelas, e terá obviamente a
situação no Médio Oriente como tema principal. À boa maneira europeia, tenta-se um equilibrismo nas palavras
que agrade a todos: em vez de pedir uma pausa humanitária em Gaza, podem
ser pedidas “pausas” ou “corredores”. Ainda há sítios onde as palavras
realmente importam.
Vai uma pausa? – O Conselho de Governadores do BCE reúne-se hoje em Atenas
e, por volta da hora do almoço, deve saber-se se há finalmente uma pausa no
ciclo do aumento de juros. É pelo menos essa a expectativa dos analistas.
Web Summit – PSD, CDS e PS aprovam sete milhões de ajuda, Moedas pede separação entre
evento e opiniões do fundador Paddy Cosgrave.
Saúde – Luís Montenegro quer um pacto para o sector: “Já percebemos que, por este andar, o SNS nunca terá os médicos
que precisa”.
Ratos 1-0 Exército – Não há pessoal para proceder a desinfestações preventivas de
pragas de insetos e ratos: a secção de sanitarismo está temporariamente
suspensa.
Museu MAC/CCB – Inauguração é amanhã, obras que constituem a Coleção
Berardo ainda estão pendentes de uma batalha judicial. De acordo com o “Público” de hoje, Berardo comprou 214
obras adquiridas a meias com o Estado, nos primeiros anos do museu com o seu
nome, accionando uma opção de compra garantida em 2006. É um conjunto
maioritariamente constituído por obras de artistas portugueses – Pedro Cabrita
Reis, Rui Chafes ou Jorge Molder são alguns exemplos dados pelo diário –, mas
que também inclui artistas estrangeiros.
E tudo Eva mudou – Em pouco mais de 45 minutos em campo, Evanilson fez um hat-trick no terreno do Antuérpia e
colocou o FC Porto (que venceu por 4-1) no bom caminho para chegar aos oitavos
de final da Liga dos Campeões.
Sporting na Polónia – Jogo com o Raków Częstochowa é para a Liga Europa,
começa às 17h45 e passa na SIC. Pote e Edwards jogam de início.
FRASES
Os jornalistas em Gaza são melhores do que a maioria dos ocidentais, que estão
a distorcer a verdade.
Afaf Ahmed, jornalista palestiniana, em entrevista ao Expresso
No tempo de radicalização é muito difícil que não sejam os radicais a conduzir
o discurso dos moderados, sobretudo quando não estão no poder.
Marcelo Rebelo de Sousa, ontem, no congresso da Ordem dos Economistas
Não me venham falar de música moderna. As gravações digitais são uma sanita.
Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, em entrevista ao “Independent”
PODCASTS A NÃO PERDER
As sugestões da equipa multimédia do Expresso:
Uma piada é uma espécie de
delito ao qual se pode e deve reagir com uma agressão física? Desta vez,
Ricardo Araújo Pereira discorre sobre uma lei medieval que dava a cidadãos
ofendidos o direito de espancar e matar um determinado tipo de criminoso. No
fim, fala com a perigosa cartunista e ilustradora Cristina Sampaio, cujos
bonecos fazem dói-dói a pessoas sensíveis. Ouça Coisa Que Não Edifica Nem Destrói;
Henrique Monteiro e Lourenço
Pereira Coutinho convidaram a escritora Maria João Lopo de Carvalho para
conversar sobre o papel da mulher durante a I República. Quais as conquistas e
desilusões das mulheres com este período? A conversa foi do direito de voto ao
ensino, da vida familiar à profissional. Ouça a história das "revolucionárias" no novo
episódio do podcast A História Repete-se;
É “vice” de Mário Centeno no Banco de
Portugal, mãe de duas filhas universitárias e já considerada “uma das
portuguesas mais poderosas nos negócios”. Diz que nunca programou nada para
chegar onde chegou: a vida foi acontecendo. Ouça esta entrevista de Bernardo Ferrão a Clara Raposo no novo
episódio do podcast Geração 70.
O QUE EU ANDO A LER
Não sei se qualifica como livro de autoajuda, mas guiado por várias
recomendações tenho estado a ler “Pais à maneira dinamarquesa” (de
Jessica Alexander e Iben Sandahl, Arena, 2016). Para quem já leu alguma coisa
sobre o hygge (palavra dinamarquesa e norueguesa que remete para
sensações de conforto, familiaridade, segurança e simplicidade, como ler um bom
livro junto à lareira num dia chuvoso), os conceitos transmitidos não são
propriamente surpreendentes.
Aliás, algumas ideias parecem bastante óbvias, o problema é como as
concretizar. Exemplo: “Acima de tudo, acho que temos de permanecer calmos como
pais e tentar não perder o controlo. Pois como podemos esperar que os nossos
filhos se controlem se nós não o conseguimos fazer?”. Pois, a dificuldade está
precisamente em manter esta calma. Deixar as crianças explorar a natureza ou
ser honesto nas respostas que lhes damos também se enquadram nesta categoria.
Como pai de uma menina de 15 meses, grande parte destes conceitos ainda não se
aplicam, mas vão ao encontro do que uma ideia que espero cumprir: dar a máxima
liberdade para dar a máxima responsabilidade. Impor regras claras, não deixar
os ecrãs tomar conta da nossa vida, interagir ao máximo com a criança e
proporcionar boas experiências são outros pontos sublinhados. Talvez a
vantagem deste livro seja dar coragem aos pais e fazer com que estas ideias
pareçam mais fáceis do que realmente são.
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