domingo, 1 de outubro de 2023

Portugal carrega das maiores dívidas da UE por causa da banca. 15 anos depois da crise

Portugueses ainda têm por pagar quase 30 mil milhões de euros em dívida por causa da banca. Rácio podia já estar nos 100% ou menos não fosse este encargo gigantesco.

Luís Reis Ribeiro* | Diário de Notícias

Quinze anos depois da grande crise financeira (que começou em 2007/2008) e mais de dez anos após Portugal ter entrado em bancarrota e sido submetido a um programa de ajustamento e resgate (2011), o País ainda não se livrou do fardo das ajudas aos bancos (os casos mais salientes são BES e BPN, como se sabe).

Portugal continua a carregar uma das maiores faturas da Europa (UE - União Europeia) por conta dos chamados apoios ao setor financeiro concedidos por vários governos do PS e do PSD durante estes anos, aponta o Banco Central Europeu (BCE), num estudo divulgado no mais recente boletim económico.

De acordo com a autoridade presidida por Christine Lagarde e um levantamento de dados do Eurostat feito pelo Dinheiro Vivo, Portugal e os contribuintes residentes (a maioria) ainda têm para pagar a quarta herança mais pesada da Europa em termos de dívida pública (passivos financeiros).

Segundo os números oficiais vertidos no último reporte dos défices e da dívida enviados à Comissão Europeia, há uma semana, estamos a falar em 29,7 mil milhões de euros que continuam em dívida face aos credores (fundos oficiais europeus, bancos e fundos privados), o equivalente a mais de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) no final de 2022.

Pior estão três países apenas: Chipre, Grécia e Irlanda. Por esta ordem.

Pressão para mais consolidação orçamental

Dito de outra forma, sem estes passivos públicos - que serviram, em grande parte, para salvar bancos privados (o caso mais avultado é o do BES, o banco que foi liderado por Ricardo Salgado até ao seu colapso) - o rácio da dívida pública portuguesa estaria hoje nos 100% do PIB ou até abaixo disso.

Se Portugal tivesse menos dívida, isso aliviaria a pressão para entregar excedentes orçamentais sucessivos, a forma mais usada para tentar reduzir o indicador (hoje a trave mestra do Pacto de Estabilidade) até à meta de 60% do PIB.

Este desígnio, perfilhado pelo governo e pelo ministro das Finanças, implica que não haja uma "disponibilidade ilimitada para reduções fiscais e dar tudo a todos", como avisou recentemente Fernando Medina.

Mas uma coisa é certa: sem os mais de 12% do PIB que os portugueses devem só por causa dos bancos que foram salvos no passado recente (todos eles casos de polícia e justiça), o ajustamento do rácio do peso da dívida poderia estar quase três anos adiantado.

Assim é porque as últimas projeções (as do Conselho das Finanças Públicas) preveem que dívida caia abaixo dos 100% apenas em 2025. E isto num contexto de excedentes orçamentais anuais consecutivos.

No estudo "Impacto orçamental das medidas de apoio ao setor financeiro 15 anos após a grande crise financeira", o BCE afirma que o impacto orçamental das medidas avançadas "difere consideravelmente entre os países da zona euro".

"Alguns países não tomaram qualquer medida, ou quase nenhuma, tendo o impacto máximo no rácio da dívida face ao PIB sido próximo de 10% ou mais em dez países da zona euro".

Estamos a falar de "Alemanha, Países Baixos, Letónia, Áustria e Eslovénia", por exemplo, destaca a autoridade monetária liderada por Lagarde.

Ruínas

Mas depois há os outros que quase foram à ruína. "Os quatro países da área do euro que necessitaram de um programa de ajustamento da UE/Fundo Monetário Internacional (FMI), caso de Irlanda, Grécia, Chipre e Portugal, mais Espanha, pediram assistência financeira ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira/Mecanismo Europeu de Estabilidade".

Nestes, "o impacto da dívida era ainda superior a 10% do PIB no final de 2022 e nalguns casos muito superior".

O BCE explica que o impacto das medidas de apoio "diminuiu consideravelmente, mas estas ainda hoje deixam uma marca nas finanças públicas".

As medidas de apoio financeiro adotadas desde 2007 "aumentaram a dívida pública até 2012, ano em que o impacto atingiu um pico de mais de 6 pontos percentuais do PIB".

"Desde então, o impacto da dívida diminuiu, uma vez que os governos puderam vender as participações de capital que adquiriram nos bancos durante a crise e alienar ativos (principalmente créditos não produtivos, como malparado) detidos pelos bancos em dificuldades", explicam os peritos do BCE.

"No entanto, a dívida pública da área do euro ainda era mais de 3% do PIB mais elevada em 2022, em consequência do apoio ao setor financeiro".

"O financiamento dos apoios veio de emissões de títulos de dívida (pouco mais de metade), empréstimos (17,7%) e outros passivos de entidades das administrações públicas (28,8%).

Esta última categoria consiste principalmente na dívida dos bancos que foram nacionalizados e reclassificados nas administrações públicas e dos bancos de má qualidade (bad banks)". É o caso do BES, desde o início do resgate classificado como banco mau.

"Destruição de riqueza e mais desemprego"

Mas não é só o esforço orçamental pedido aos contribuintes. Salvar e apoiar bancos tem um "impacto direto e duradouro nas finanças públicas", mas isso "é apenas uma parte do custo económico global de uma crise financeira".

Além deste, o custo "também se materializou em perdas de riqueza produzida e num aumento do desemprego", observa o BCE.

Em cima disto, "em alguns países, a evolução adversa do setor financeiro e das finanças públicas reforçou-se mutuamente, aumentando os custos de financiamento soberano e exacerbando a crise financeira e económica".

Segundo o BCE, esta última situação "provocou um aumento do rácio da dívida face ao PIB que não está incluído nas estimativas deste estudo".

*Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo

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