segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

WW3 | A OTAN terá de rasgar a fantasia ucraniana e assumir que é parte da guerra

WW3 - Terceira Guerra Mundial

Wellington Calasans*

Quando eu afirmava – nos comentários que faço para a imprensa e canais independentes das redes sociais – que estamos diante de uma guerra entre a OTAN X Rússia em solo ucraniano, alguns resmungavam em sinal de reprovação. Foram necessários mais de dez meses, milhares de mortos, milhões de refugiados, quebra de economias, quedas de governos e alerta de levante popular na Europa para que o Ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov, revelasse – como a criança que gritava “O Rei está nu!” – que “A Ucrânia já é um membro de fato da OTAN.” 

Esta revelação só não era vista ainda pelos hipnotizados por uma assessoria de imprensa da OTAN, esta mesma assessoria que é apresentada como “imprensa livre ocidental”. No entanto, ao contrário da narrativa complacente promovida por jornalistas que trocam a assinatura de notas de propaganda da OTAN por um salário, aquilo que chamam de “invasão da Rússia” não está em colapso e a Ucrânia não está “vencendo a guerra”, como propagam todos os dias.

Há relatórios que apontam para a chegada em solo ucraniano de modernos sistemas de armas ocidentais. Entre eles os últimos tanques norte-americanos e alemães, sistemas de mísseis Patriot e outros armamentos atuais. Isto consolida a presença da OTAN como parte do conflito e ratifica as palavras do ministro Reznikov como verdadeiras.

Com o exército destruído, a Ucrânia sequer possui soldados suficientes para usar esses propalados sistemas de armas. Ainda que tivesse, levaria meses para preparar a Ucrânia para o uso dessas mesmas armas. A situação é agravada pela inexistência de um sistema logístico que é fundamental para a entrega, manutenção e proteção do armamento contra ataques aéreos e de mísseis russos.

As não menos propaladas sanções, que na narrativa romantizada pela imprensa prejudicariam a capacidade da Rússia de travar a guerra, foram reveladas como ineficientes. Ao contrário disso, a maior parte do que a Rússia usa contra a Ucrânia é, na verdade, de baixa tecnologia, já que é predominantemente uma batalha de artilharia. O que deita por terra a absurda propaganda ocidental sobre a produção russa de armas ser “paralisada” pela falta de importações de alta tecnologia. 

Não é mais possível à OTAN o uso de uma fantasia ucraniana. Todos já sabem que esta é uma guerra de proporção mundial, travada num campo de batalha limitado. E que os países ocidentais contam com apenas duas armas para reverter esta derrota prenunciada por muitos: a propaganda (que tem prazo de validade cada vez mais curto) e a arma nuclear (que se usada representaria o fim do planeta).

Grã-Bretanha | OS DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA SOB ATAQUE DO PM SUNAK

A polícia na Inglaterra e no País de Gales obterá novos poderes para encerrar os protestos antes que a interrupção comece

Planos destinados a prevenir táticas como 'marcha lenta' fazem parte da repressão à ordem pública de Rishi Sunak

Rowena Mason Aamna Mohdin Emine Sinmaz | The Guardian | # Traduzido em português do Brasil

A polícia na Inglaterra e no País de Gales receberá poderes para encerrar os protestos antes que qualquer interrupção comece, de acordo com os planos de Rishi Sunak para uma repressão à ordem pública, que visa impedir táticas como “marcha lenta”.

Gerando indignação de ativistas pelas liberdades civis, o governo disse que apresentaria uma emenda ao projeto de lei de ordem pública para endurecer sua repressão às táticas de “guerrilha” usadas principalmente por manifestantes ambientais.

Destina-se a lidar com as mudanças de tática dos grupos de protesto, como diminuir o tráfego para um ritmo rastejante, realizando protestos a pé pelas grandes cidades.

Os manifestantes do Just Stop Oil usaram protestos a pé para chamar a atenção para a emergência climática depois que o governo introduziu leis para impedir outras formas de manifestações pop-up.

Sunak disse que as propostas seriam apresentadas por meio de uma emenda ao projeto de lei de ordem pública, que será debatido na Câmara dos Lordes esta semana. A mudança ampliaria e esclareceria a definição legal de “perturbação grave” e permitiria que a polícia considerasse protestos do mesmo grupo em dias ou lugares diferentes como parte de uma mesma ação mais ampla.

O nº 10 disse que isso significaria que a polícia “não precisaria esperar que a interrupção ocorresse e pudesse encerrar os protestos antes que o caos estourasse”. A emenda agora será debatida na Câmara dos Lordes, onde provavelmente enfrentará uma batalha, e sua aprovação dependerá de atrair ou não o apoio dos trabalhistas e dos crossbenchers.

Ativistas pela liberdade civil e grupos de protesto na noite passada disseram temer a abordagem excessivamente draconiana do governo.

Shami Chakrabarti, colega trabalhista e ex-diretor do Liberty, que está contestando alguns elementos do projeto de lei na Câmara dos Lordes, disse que a tentativa do governo de obter ainda mais poderes é "muito preocupante".

“A definição do que é considerado uma perturbação grave é fundamental para este projeto de lei porque é usada como justificativa para toda uma série de novas ofensas, poderes de parada e busca e ordens de interdição. Se você colocar a barra muito baixa, você está realmente dando à polícia um cheque em branco para acabar com a dissidência antes mesmo de acontecer”, disse ela.

Patsy Stevenson, que foi presa na vigília em Clapham Common pelo assassinato da londrina Sarah Everard, disse que o projeto era "ultrajante".

Ela acrescentou: “Acho que esse projeto de lei vai causar muitos danos. Este projeto de lei é basicamente como o governo dizendo: 'Faremos o que quisermos, independentemente de como o público se sinta sobre isso', porque uma vez que você proíbe o protesto, isso proíbe completamente a liberdade de expressão”.

A IMINENTE RECESSÃO MUNDIAL

Prabhat Patnaik [*]

A diretora executiva do FMI, Kristalina Georgieva, admitiu agora abertamente que o ano 2023 testemunhará o abrandamento da economia mundial a um ponto em que até um terço da mesma verá uma contração real do produto interno bruto. Isto porque todas as três maiores potências económicas do mundo, os EUA, a União Europeia e a China, testemunharão a um abrandamento, a última devido ao recrudescimento do Covid. Das três, acredita Georgieva, os EUA terão um desempenho relativamente melhor do que as outras duas devido à resiliência do seu mercado de trabalho. Na verdade, a maior resiliência do mercado de trabalho dos EUA proporciona alguma esperança para a economia mundial como um todo.

Há dois elementos irónicos nas observações de Georgieva. O primeiro é que as melhores perspectivas para a economia mundial de hoje, mesmo que o FMI o admita só implicitamente, residem no facto de os rendimentos dos trabalhadores nos EUA não caírem muito. Para uma instituição que tem defendido sistematicamente cortes nos salários, quer sob a forma de remunerações quer de salários sociais, como parte essencial das suas políticas de estabilização e ajustamento estrutural, esta é uma admissão surpreendente, embora bem-vinda. É claro que Georgieva, muitos argumentariam, encara a resiliência do mercado de trabalho dos EUA apenas como o resultado do desempenho económico dos EUA e não como a sua causa. Mas ao considerá-la uma "bênção" (embora não uma bênção não pura por razões que veremos em breve) não deixa dúvidas de que o papel de sustentação da procura dos rendimentos dos trabalhadores também está a ser reconhecido por ela.

Alguns podem argumentar que as políticas de estabilização com ajustamento estrutural do FMI são tipicamente destinadas a economias em crise, como um meio de ultrapassar tal crise, e não como uma panaceia para o crescimento, de modo que ver uma mudança no entendimento do FMI a este respeito pode ser injustificado. Mas o que o FMI está agora a dizer certamente está em desacordo com o que costuma dizer; está de facto a admitir que um mercado de trabalho resiliente nos EUA é benéfico para o seu crescimento, o que levanta a questão: porque é que outras economias também não deveriam tentar ter mercados de trabalho resilientes, mesmo quando estão em crise, e enfrentar as suas crises através de outros meios, mais diretos, como o controlo das importações e o controlo dos preços? Admitindo que a resiliência do mercado de trabalho dos EUA pode ser benéfica para a sua economia, e por conseguinte para a economia mundial como um todo, vai assim fundamentalmente contra o que o FMI geralmente apresenta, pelo menos nos atuais tempos neoliberais.

O segundo elemento irónico nas suas observações é o seu reconhecimento de que um tal mercado de trabalho resiliente, embora benéfico para o crescimento dos EUA, irá simultaneamente manter a taxa de inflação nos EUA, forçando o Federal Reserve Board a aumentar ainda mais as taxas de juro. Isto tem duas implicações claras. Em primeiro lugar, significa que a taxa de crescimento dos EUA, embora seja por enquanto menos afetada, será inevitavelmente restringida nos próximos meses à medida que a Reserva Federal aumentar a taxa de juro. O desempenho relativamente melhor dos EUA em 2023 não é, portanto, um fenómeno que irá perdurar muito tempo. Uma vez que qualquer mau desempenho dos EUA terá um efeito adverso sobre a economia mundial como um todo, isto equivale a dizer que a recessão mundial se agravará nos próximos meses, a menos que a situação do Covid na China melhore substancialmente. Por outras palavras, equivale a dizer que, mesmo que em 2023 apenas um terço da economia mundial enfrente recessão, uma parte muito maior da mesma cairá mais tarde vítima da recessão. Esta é certamente a mais terrível previsão feita sobre as perspectivas do capitalismo mundial na atual conjuntura por qualquer porta-voz importante do mesmo.

Portugal | Greve de professores por distritos com adesão superior a 90% em Lisboa

Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, acusa as autoridades de enviarem inspetores aos estabelecimentos.

O secretário-geral da Fenprof disse esta segunda-feira que a adesão à greve de professores no distrito de Lisboa é "superior a 90%", com muitas escolas fechadas, e acusou as autoridades de enviarem inspetores aos estabelecimentos durante a manhã.

Em declarações aos jornalistas numa concentração que está a decorrer hoje no Rossio, em Lisboa, Mário Nogueira fez um balanço do primeiro dia da greve promovida pela Federação Nacional de Professores (Fenprof) e outras sete organizações sindicais, pedindo para que, nos próximos dias, a adesão continue a aumentar.

Centenas de professores de escolas do distrito de Lisboa estavam concentradas pelas 11h00 no Rossio, munidos de cartazes onde a palavra respeito era a mais lida.

A greve de professores por distritos, convocada por uma plataforma de oito organizações sindicais, começou esta segunda-feira e prolonga-se por 18 dias.

Depois do primeiro dia em Lisboa, a paralisação prossegue em Aveiro, Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu, terminando no Porto no dia 08 de fevereiro.

Esta greve realiza-se ao mesmo tempo em que decorrem outras duas paralisações: uma greve por tempo indeterminado, convocada pelo Sindicato de Todos os Professores (STOP), que se iniciou em 09 de dezembro e vai manter-se, pelo menos, até ao final do mês, e uma greve parcial ao primeiro tempo de aulas convocada pelo Sindicato Independente de Professores e Educação (SIPE), que deverá prolongar-se até fevereiro.

Os professores contestam algumas das propostas apresentadas pelo Ministério da Educação no âmbito da negociação da revisão do regime de mobilidade e recrutamento de pessoal docente, mas reivindicam também soluções para problemas mais antigos, relacionados com a carreira docente, condições de trabalho e salariais.

TSF | Lusa | Imagem: O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira - © Paulo Novais/Lusa

Ler em TSF:

Durante 18 dias e por distritos. Greve dos professores arranca esta segunda-feira em Lisboa

"Queremos professores felizes." Docentes e alunos fazem cordão humano em Lisboa por melhores condições

Fenprof diz que mexer na colocação de professores por graduação é "linha vermelha"

PCP defende que Governo está obrigado a resolver problemas dos professores

Portugal | VIDA DE PROFESSOR

Paula Ferreira | Jornal de Notícias | opinião

Os professores saem à rua, só nos resta expressar a nossa solidariedade. Uma das profissões mais determinantes para o futuro do país, ano após ano, tem sido desvalorizada. De quem é a culpa? Não haverá, como é natural, um único culpado, um único fator. Múltiplas razões conduziram à situação a que chegamos. A consequência é dramática. A profissão deixou de interessar aos que atualmente estudam e se preparam para entrar no mercado de trabalho. Não é novidade, vários trabalhos foram feitos: os jovens não se mostram atraídos pelo ensino. Imaginar como futuro de vida um transitório posto de trabalho a centenas de quilómetros de casa e da família, gastar parte do magro ordenado na despesa do alojamento, desconhecer o dia da efetivação numa escola (e poder, enfim, ter estabilidade), não se afigura, como é fácil de compreender, um projeto de vida aliciante. O problema apresenta-se demasiado grave, por essa razão, deve ser tratado com seriedade. Dados divulgados pelo Conselho Nacional da Educação dizem-nos: "uma percentagem ligeiramente superior a 15 por cento dos docentes, da educação pré-escolar e dos ensinos Básico e Secundário, tinha 60 e mais anos de idade" em 2020. Não se manterão ativos, como é evidente, durante muito mais tempo. Mas se recuarmos um pouco, o cenário surge ainda menos animador. Ainda de acordo com dados da CNE, temos "uma percentagem superior a 50 por cento de docentes com 50 e mais anos de idade. Professores com menos de 30 anos não ultrapassam os 1,6 por cento".

Os docentes exigem soluções. E quando olhamos para a multidão que, no sábado, desfilou em Lisboa, devemos pensar que a luta deles deve ser a nossa - mesmo se discordamos dos métodos, muito discutíveis, usados para pressionar o Governo. O problema não é novo, arrasta-se há décadas. É tempo, por isso, de dar conteúdo aos discursos e olhar seriamente, com medidas concretas, estruturais e não paliativas, para a Educação.

Editora-executiva-adjunta

Portugal | GERAÇÃO SCHH!

Henrique Monteiro | Henricartoon

OS RIOS DE COCAÍNA QUE AMEAÇAM A EUROPA

Joana Petiz | Diário de Notícias | opinião

Um quilo de cocaína valerá, à saída da Colômbia, no máximo 5 mil euros. Mas uma vez desembarcado, cortado e posto a circular na Europa, o seu valor potencial é imediatamente multiplicado por dez, com variações que podem inflacionar mais o lucro consoante o nível de vida do país europeu em causa. Para o narcotráfico, a oportunidade de negócio é clara, o que tem incentivado uma crescente aposta das redes de crime organizado nesta parte do mundo - uma evidência revelada pelos mais recentes números relativos a apreensões nos principais portos comerciais do continente.

Disfarçado no meio da carga oficial dos milhões de contentores que aportam todas as semanas na Europa, há um mar de cocaína a desaguar nesta região. E que vem acompanhada de uma escalada sem precedentes de crimes violentos, atos organizados por estruturas tentaculares que vão espalhando ativos dissuasores pelo território - ataques com granadas, pequenas engenhos colocados em prédios comerciais ou de habitação, assassinatos de pessoas mais ou menos proeminentes, que tenham oferecido algum tipo de resistência ou ameacem as operações criminosas, têm explodido pela Europa, reforçando os argumentos contra a denúncia dos crimes e espalhando o medo pela população, dificultando ainda mais o trabalho das autoridades.

Nesta escalada de violência, o ministro da Justiça belga foi obrigado a mudar-se para morada desconhecida e vigiada pela polícia; nos Países Baixos são vítimas de ameaças e agressão advogados, jornalistas e até a princesa herdeira foi forçada a deixar os estudos em Amesterdão e regressar a casa por razões de segurança.

Em Antuérpia, foram encontradas 110 toneladas de cocaína no ano passado, em Roterdão as autoridades apanharam 50 toneladas. Fazendo as contas à carga detetada, imagine quantas toneladas terão passado... Longe desses valores, Portugal é ainda um dos países mais seguros do mundo, mas não é imune a esta narcoinundação - tão pouco aos riscos que acarreta. As apreensões feitas nos nossos portos no ano passado chegaram a um recorde de 18 toneladas, cocaína suficiente para, se tivesse chegado às ruas, render uns estimados 600 milhões de euros.

Se o volume de entrada não é dos maiores, o nosso país está, ainda assim, desde 2018 no top 5 dos países europeus com mais cocaína apreendida. Com o risco e a insegurança a crescer, é fundamental garantir meios para as autoridades nacionais conseguirem lutar esta guerra numa posição de igualdade. Sob pena de Portugal cair num caminho de não retorno.

A crescente divergência territorial e de classe na União Europeia -- União?

Mario Del Rosal, Javier Murillo

Toda a evolução da UE desmente os mitos com que se justifica: não é garante da paz e dos direitos humanos, mas parte integrante de sucessivas agressões imperialistas; não garante os estados sociais europeus face à tempestade do capitalismo global neoliberal, mas promove a privatização e mercantilização das instituições públicas que os garantiriam; não promove a convergência entre os diferentes estados membros, mas sim a divergência e o agravamento da desigualdade e da dependência. No fundo, é para isso que foram criados a UE e o euro. E é contra eles que se encontrará a solução.

 A União Europeia sempre esteve imbuída de uma série de mitos e dogmas que a converteram num dos projectos políticos e económicos menos questionados das nossas sociedades "democráticas". Em primeiro lugar, o conhecido refrão sobre o seu papel histórico como garante da paz e dos direitos humanos. Em segundo lugar, a célebre milonga sobre a sua perseverança em manter os estados sociais europeus face à tempestade do capitalismo global neoliberal e graças à qual temos sido capazes de manter a Europa como uma espécie de jardim civilizacional humanista que todos invejam (Borrell dixit). E, em terceiro lugar, a insistente história de que a UE tem promovido a convergência entre os diferentes estados membros.

Quanto ao primeiro refrão, talvez devêssemos perguntar aos ex-jugoslavos ou aos migrantes africanos que enfrentam diariamente as hordas da Frontex e as muralhas de Melilla. Quanto à segunda milonga, basta recordar o significado e o funcionamento do Semestre Europeu e as exigências do Pacto de Estabilidade e Crescimento, por exemplo, para ver como a UE não só não garante a protecção social, os direitos laborais e os serviços públicos que custaram tanta luta e sacrifício à classe trabalhadora europeia, como actua sistematicamente para os destruir. E, sobre a terceira história, é melhor determo-nos e analisá-la com um pouco mais de detalhe.

Em primeiro lugar, vejamos o que aconteceu em termos de comércio. Recordar que a UE é essencialmente um mercado único em que as empresas não enfrentam barreiras à compra e venda de bens e serviços em qualquer outro estado-membro. E para vinte países é, além disso, uma união monetária, o que permite eliminar definitiva e totalmente qualquer distorção no tráfico de mercadorias e dinheiros. Em teoria, e de acordo com a abordagem ortodoxa sobre o comércio internacional que predomina no meio académico e no âmbito do projecto europeu, um mercado maior sem as incómodas restrições frequentemente impostas pelos Estados (tais como tarifas e outras barreiras) favorece a concorrência interna e assim estimula a produtividade e o crescimento. Tudo isto, além disso, permite uma convergência comercial cada vez maior entre os países mais desenvolvidos e os mais atrasados, uma vez que - ainda de acordo com estas teses neoclássicas - os países mais pobres têm uma vantagem comparativa em certos produtos em relação aos mais ricos graças aos seus salários mais baixos. Os países da periferia mediterrânica (Itália, Espanha, Portugal, Grécia) poderiam assim melhorar as suas respectivas balanças comerciais e, assim, impulsionar o seu PIB para cima, permitindo-lhes crescer mais rapidamente do que os seus vizinhos do norte. Isto conduziria a uma tendência para uma convergência económica crescente.

São verdadeiras estas previsões? Foram confirmadas pela evolução real da União Europeia? Não, de forma alguma.

Sem entrar em explicações teóricas mais complexas, que nos permitiriam refutar contundentemente as erradas conclusões das teorias convencionais sobre os efeitos do comércio livre entre países com diferentes graus de desenvolvimento económico, a verdade é que as provas empíricas mais simples são suficientes para demonstrar a falsidade dos argumentos sobre os quais a UE e a UEM foram construídas.

O gráfico seguinte compara a evolução das balanças comerciais da Alemanha - a principal potência comercial da UE e o terceiro maior exportador do mundo - e dos quatro países do sul - Itália, Espanha, Portugal e Grécia. Nele podemos ver como, nos últimos vinte anos, não só não tem havido convergência comercial dentro da UE, como a dinâmica tem sido exactamente o oposto. Se em 1992 o diferencial entre o excedente comercial da Alemanha e o da periferia sul era praticamente insignificante em termos relativos, e até se tornou favorável às economias mediterrânicas no início dos anos 90, desde 1996 até à Grande Recessão de 2008 o crescimento do excedente alemão e o colapso da balança meridional produziu um fosso sem precedentes. Esta lacuna moderou-se sobretudo em consequência da crise posterior, principalmente como resultado da queda das importações, embora tenha aumentado novamente nos últimos dois anos.

No total, de 1992 a 2021, a balança comercial alemã passou de um défice de 19 mil milhões de euros (equivalente a 1,2% do seu PIB) para um excedente de 265 mil milhões de euros (7,4%

). Enquanto as quatro economias do Sul, que tinham um défice comercial médio de 1,9% do PIB, têm agora um défice comercial de 0,9%. A conclusão é evidente: a União Europeia em geral, e o euro em particular, não têm servido para reduzir as diferenças comerciais entre países; pelo contrário, perpetuaram-nas e agravaram-nas.

No entanto, esta divergência crescente é insignificante em comparação com uma divergência muito mais chocante para a classe trabalhadora: a dos salários entre países. A tese ortodoxa diz-nos que, graças à suposta convergência comercial e aos benefícios do mercado único e do euro, os salários nos países mais atrasados crescerão mais rapidamente do que os dos países mais desenvolvidos, de modo a que a convergência salarial seja alcançada. Assim, nós espanhóis, por exemplo, tornar-nos-íamos finalmente verdadeiramente europeus em termos económicos, e não apenas um apêndice ensolarado e empobrecido do capitalismo continental.

Mais uma vez, fazemos a mesma pergunta que antes: são verdadeiras estas previsões? Foram confirmadas pela evolução real na União Europeia? E a resposta é, mais uma vez, retumbantemente negativa.

Constante parcial acima em O Diário que continua em PDF

Ler texto completo [PDF]

Mais lidas da semana