Carlos Matos Gomes [*]
Os telejornais e os grandes
órgãos de comunicação portugueses e europeus em geral despejam sobre os seus
clientes vagas sucessivas de manifestações de organizações de trabalhadores e
patronais. São professores, enfermeiros, agricultores, ferroviários, aviadores,
médicos, polícias, uns em greve, outros em manifestações. Os
temas mais comuns são, além dos habituais aumentos salariais, as contagens de
tempo para a reforma (Portugal) e outros a contestação do aumento da idade da
reforma (França).
Esta agitação social é
apresentada pelos «simplícios» da comunicação social como reveladora de
mal-estar contra os governos. Na verdade, estas manifestações revelam um grande
otimismo (um inconsciente otimismo) e um generoso apoio às políticas dos
governos europeus. Estas manifestações querem dizer que os seus promotores e
figurantes acreditam que vivemos tempos de normalidade (da normalidade do
pós-segunda guerra), mas não, vivemos tempos de loucura e de suicídio! Esse
mundo está a morrer às mãos dos que dirigem a UE e dos que em vez de se
manifestarem contra a corrida para o abismo para saltar sem paraquedas andam a
manifestarem-se pelo que não haverá.
Erasmo de Roterdão (1469–1536) um
dos maiores intelectuais europeus do século dezasseis escreveu um livro a que
deu o título Elogio da Loucura, onde abordou a realidade europeia de
forma irónica, usando a loucura como instrumento constante na vida humana.
Descreveu-a num monólogo de Moria, a deusa da loucura. Ela dirige as cidades,
os governos, a religião e a vida. Sem a loucura nenhuma sociedade, nenhum
relacionamento feliz poderia durar. O povo cansar-se-ia do príncipe; o servo,
do amo; a serva, da patroa; o professor, do aluno; o amigo, do amigo; a mulher,
do marido; o hóspede, do anfitrião; Sei que estas vos parecem enormidades,
mas ainda ouvireis piores. Agora devo acrescentar que nada de grande se pode
empreender sem o meu impulso, pois é a mim que se deve a invenção de todas as
nobres artes.
Sabedoria, diz Erasmo, é não
querer ser mais sábio do que lhe cabe pela sorte, concordar com os costumes da
multidão e participar de bom grado das fraquezas humanas. Mas, dizem, é
justamente isso a Loucura!
Eu, por meu lado, valendo-me ora
da ignorância, ora da irreflexão, às vezes fazendo esquecer os males, às vezes
suscitando esperanças de coisas favoráveis, excitando os prazeres, sou tão
consoladora que ninguém quer deixar a vida. Pelo contrário, quanto menos
motivos têm para permanecerem vivos, mais amam a vida. Que a sua conduta
costume ser considerada vergonhosa é algo que pouco importa aos meus loucos.
Levar uma pedrada na cabeça, isso sim faz mal. A vergonha, a infâmia, a
desonra, as ofensas são nocivas na medida que fazem sofrer. Para quem não se
importa, não são sequer um mal. Que te importa se todos te vaiem, se tu te aplaudes?
Que isso te seja possível, é algo que deves só à Loucura.