quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Angola | Estado Feudal Vende Bens Alheios – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Poder Judicial no bolso, Poder Legislativo reduzido a um emblema na lapela, os Media amarrados pela trela, jornalistas enfeitados com coleiras e aí está a Liberdade de Imprensa do Presidente João Lourenço. Um país onde o Procurador-Geral da República trata arguidos como criminosos, defende a inversão do ónus da prova e espezinha a presunção de inocência está em morte cívica, jurídica, ética e moral. Milhares de servidores da Justiça não merecem este vexame. 

Nunca podemos esquecer que este foi o sector que mais cresceu em Angola, desde a Independência Nacional. Feito notável, se tivermos em conta que os agentes da Justiça são quadros altamente qualificados. Muito estudo, muito trabalho, muita dedicação.

Hoje estamos no 16º dia do ano e o Presidente João Lourenço já publicou o despacho Presidencial Número 19/2024. Pelo meio cortou fitas, reuniu com os membros do seu gabinete, deu a sua abalizada opinião sobre Liberdade de Imprensa. Lembrou que o patrão Estado fez grandes investimentos na TPA “e agora todos beneficiamos com isso”. Discordo. 

As novas tecnologias instaladas no canal público resultaram num grande buraco técnico. Das duas uma, ou compraram material com defeito ou não aprenderam a usá-lo. Em qualquer caso é péssimo. No audiovisual, quando som ou imagem não estão em perfeitas condições, o material vai para o lixo. Estamos todos a consumir esse material impróprio para consumo.

Afinal aquela viagem às Seychelles foi uma manobra de diversão. O Presidente da República levou a família e os colaboradores para produzir despachos e mais despachos. Só assim se compreende que vá no 19º desde o início do ano.

O problema é que o despacho está a ser contestado. Já lá vamos. Primeiro vou reproduzir na integra o documento produzido pelo Presidente da República (Despacho 19/24):

“Autoriza a privatização através de procedimento de Concurso Público, na modalidade de alienação de activos, de 39 hotéis da rede IU, IKA e BINA e delega competência à Ministra das Finanças, com a faculdade de subdelegar, para a prática dos actos decisórios e de aprovação tutelar, bem como para a certificação da validade e legalidade de todos os actos praticados no âmbito do referido Procedimento, designadamente a abertura do Procedimento, constituição da Comissão de Negociação, aprovação das peças de procedimento, adjudicação das propostas, incluindo a celebração e assinatura dos Contratos”.

Alguém enganou o Presidente da República. Desta vez não foi aquela decisão tenebrosa de comprar magistrados judiciais e agentes do Ministério Público com dez por cento dos “activos recuperados”. Agora ée ainda mais grave. O Presidente da República no seu despacho fala da “certificação da validade e legalidade de todos os actos” da privatização. Mas antes, muito antes, tinham de verificar se é legal vender ou privatizar os hotéis das redes IU, IKA e BINA. 

Antes do mais, vou felicitar o empresário angolano que em poucos anos dotou Angola dos seguintes hotéis e torres de apartamentos turísticos:

Os hotéis “IKA” foram construídos, equipados, mobilados e dotados de equipas profissionais nas cidades de Caxito, Lubango, Luena, Malanje, Banza Congo, Dala Tando, Ondjiva, Soyo (também tem um hotel BINA), Talatona e Uíje. 

Hotéis IU: Caxito (Torre A),Cacuaco (Torre A), Cuito (Torre A), Dundo (Torre A), Huambo (Torre A), Lobito (Torres A e B), Lubango (Torre A), Luena (Torre A), Luena Torre A, Malanje (Torre A), Banza Congo (Torre A), Moçâmedes (Torre A), Dala Tando (Torre A), Fronteira de Santa Clara (Torres A, B, C), Saurimo (Torre A), Soyo (Torres A, B, C), Sumbe (Torre A), Talatona (Torre A), Tombua (Torre A), Uíje (Torre A), Viana (Torres A, B e C),

Os advogados da empresa proprietária dos hotéis que o Presidente João Lourenço autorizou a vender ainda que use a palavra “privatizar”, emitiu este comunicado que vou também publicar na íntegra porque mais ninguém vai publicar uma vírgula, no paraíso da Liberdade de Imprensa criado pelo titular do Poder Executivo. 

“Título: A Privatização dos Hotéis da AA Activos Lda.

“1 - Tomamos conhecimento do Despacho Presidencial Número 19/24 que autoriza a “venda” dos hotéis da AAA  Activos Lda.

2 - Informamos a opinião pública angolana e internacional que os hotéis são propriedade legítima da AAA Activos Lda. A referida sociedade é um terceiro não arguido nem parte do processo número 821 - 21 - B. Nunca foi convocada para ser ouvida nem para contraditar nem foi notificada da sentença. Logo a sentença do citado processo não tem eficácia nem validade para a AAA Activos Lda.

3 - A “venda” ou “privatização” dos hotéis da AAA Activos Lda. é um acto ilegal, nulo e inconstitucional.

4 - Alertamos as autoridades e aos eventuais interessados a não prosseguirem com esta transacção por ser manifestamente ilegal e inconstitucional.

5 – Apelamos ao respeito da propriedade privada legítima e adquirida com trabalho.

Angola não pode criar incerteza jurídica e insegurança patrimonial com actos desta índole”.

Sua excelência o Presidente João Lourenço autorizou a “privatização” de bens que não são do Estado. Deu ordens para vender coisa alheia. Isto acontecia na Idade Media quando os senhores  feudais eram donos de tudo, desde a vida dos suseranos até ao  direito de pernada. O ditador Mobutu procedia assim. Mas em Angola não é possível dar um passo muito maior que a perna. Nem com as costas quentes pelo estado terrorista mais perigoso do mundo.

* Jornalista

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