domingo, 28 de janeiro de 2024

NAZISMO E RACISMO NAS FORÇAS DE SEGURANÇA EM PORTUGAL*

Discurso de ódio na PSP e GNR. Investigação criminal ainda sem arguidos     

Catorze meses depois da abertura de um inquérito relacionado com suspeitas de discriminação racial e incitamento ao ódio nas polícias, a investigação ainda não tem material probatório que permita ao MP sustentar uma acusação. A IGAI abriu processos disciplinares a 13 polícias.

Valentina Marcelino | Diário de Notícias

A investigação do consórcio de jornalistas que em novembro de 2022 denunciou 591 perfis de polícias (295 de militares da GNR e 296 de agentes da PSP) que propagavam mensagens “contrárias ao Estado de Direito, apelos à violência e à violação de mulheres, comentários racistas, xenófobos, misóginos e homofóbicos, simpatia pelo Chega e por outros movimentos de extrema-direita e saudosismo salazarista”, pode vir a resultar apenas em processos disciplinares.

O Expresso noticiou na terça-feira que 13 agentes da autoridade foram alvo de uma investigação interna e que a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) avançou com processos disciplinares por publicações xenófobas e homofóbicas, uma informação confirmada ao jornal pela inspetora-geral, Anabela Cabral Ferreira.

Quando a investigação jornalística foi publicada, recorde-se, no Expresso, na Visão, no Público, na SIC e no site Setenta e Quatro, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, ordenou à IGAI a abertura de um processo de inquérito com caráter prioritário. As “alegadas mensagens”, declarou, são de “extrema gravidade”, sublinhando que a “situação exige da nossa parte uma atitude de grande lucidez, firmeza, determinação e consequência”.

Paralelamente e porque estava também em causa o crime de discriminação e incitamento ao ódio, agravado por se tratarem de agentes da autoridade, a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou um inquérito criminal. A investigação foi entregue à secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, que investiga o crime especialmente violento e os relacionados com organizações extremistas, tendo delegado na Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ).

Catorze meses depois, apurou o DN, ainda não foi constituído nenhum arguido, sendo que os 13 polícias alvo da IGAI terão sido nomes partilhados pelo DIAP. Segundo fonte judicial, terão sido os únicos nomes que foi possível identificar e relacionar com mensagens que podem ter relevância do ponto de vista disciplinar.

No entanto, sublinha a mesma fonte, “o tipo de comentários em causa não preenche, só por si, todos os pressupostos para os crimes em causa na investigação, discriminação, incitamento ao ódio e racismo”. 

Quanto aos conteúdos, recolhidos pelo consórcio de jornalistas, que relacionavam quase 600 polícias com comportamentos discriminatórios e violentos, quando os investigadores entraram em campo a maior parte dos comentários já tinha sido apagado, não tendo sido possível recuperá-los através de meios legais.

Conforme o DN noticiou há seis meses, aquilo que seria a prova material destes crimes – todas as mensagens e listas de nomes associados, copiadas de grupos privados de redes sociais, que o consórcio de jornalistas disponibilizou às autoridades – é suscetível de enquadrar uma “ação encoberta não autorizada” e, por isso, nunca seria aceite em tribunal.

Foi esse o entendimento do DIAP, tendo fonte judicial admitido naquela altura que a investigação estava num “impasse” e que a decisão do MP podia ser pelo arquivamento do inquérito.

Este tipo de crime não prevê a ação encoberta tipificada na lei, que depende de “prévia autorização do competente magistrado do Ministério Público, sendo obrigatoriamente comunicada ao juiz de instrução”.

O impasse refletia-se também no facto de, garantiram as mesmas fontes, não terem sido decididas diligências, como interceção de comunicações (telefónicas e internet) ou algumas buscas.

Decorridos seis meses desde essa perceção, não terão chegado ao DIAP novos dados da UNCT que permitam ainda uma acusação. “Ainda não está concluído o processo e numa investigação há muitos detalhes que podem mudar o rumo da mesma. É preciso aguardar que a UNCT e o MP façam o seu trabalho até ao fim”, sublinha um inspetor da PJ, não descartando ainda outra proposta que não a do arquivamento.

Em 2018, Manuel Morais, agente da PSP e dirigente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, dizia ao DN: “Há elementos das várias forças de segurança que exteriorizam as suas ideias racistas e xenófobas, usam tatuagens e simbologias neonazis, pertencem a grupos assumidamente racistas. Isto é do conhecimento de todos e, infelizmente, as organizações nada fazem para expurgar estes ‘tumores’ do seio das forças de segurança”. Seis anos depois, a Justiça não conseguiu confirmar ou refutar estas denúncias.

* Título PG

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