João Rodrigues | Ladrões de Bicicletas | Setenta e Quatro
Chega e IL são faces da mesma moeda emitida pelas frações mais reacionárias do capital e a estratégia é sempre a mesma: comprimir o salário e destruir o Estado social. Os vendilhões da pátria não querem saber do interesse público, do bem comum, da comunidade. Combatê-los implica começar pela base, pela defesa da valorização da força que trabalha.
Num dos seus discursos no último congresso do PS, Pedro Nuno Santos criticou o Chega por já ter defendido a destruição da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde ou da segurança social. São propostas que agora o Chega esconde, mas mal. O manifesto do partido de extrema-direita, citado no mesmo discurso, não podia ser mais claro: “o Chega irá reduzir drasticamente o Estado, colocando-o dentro dos estreitos limites que o liberalismo clássico desde sempre lhe traçou”.
A conclusão é óbvia: o Chega é um partido liberal autoritário no caminho para o fascismo. Em coerência, quer atrofiar o Estado social para dar músculo ao Estado penal, programa de resto partilhado com os liberais até dizer chega da IL. Na realidade, nunca se trata de “reduzir” o Estado, trata-se antes de mudar os interesses e os valores que o Estado protege.
Este programa de regressão, que no fundo pretende retomar e levar mais longe o trabalho sujo da troika, tem interesses, como o PCP não se cansa de sublinhar: de facto, Chega e IL são duas faces da mesma moeda, emitida pelas frações mais reacionárias do capital. É uma má moeda que entrou em circulação política, graças a Passos Coelho e ao PSD. A estratégia é sempre a mesma: trata-se de comprimir o salário direto e indireto, também por via da destruição do Estado social.Combater estas forças brutas implica começar pela base, ou seja, pela defesa da valorização da força que trabalha, num quadro de pleno emprego. A desorganização das classes trabalhadoras, de que se aproveitam, não ajuda. Daí que Paulo Raimundo tenha sido claro: se o PS aprovar as propostas laborais comunistas, há acordo no próprio dia.
Entretanto, tem-se falado muito da presença maciça do Chega nas redes sociais. Sem descurar esta dimensão da reação, é mesmo preciso atentar na rede social mais importante e que está a montante, a do capital que é grande, a dos financiadores cada vez mais numerosos do Chega. Mariana Mortágua e o BE têm revelado os nomes, em linha com a tradição intelectual de Os Donos de Portugal: por exemplo, o Champalimaud dos CTT é um dos financiadores do Chega e daí que Ventura já tenha saído em sua defesa, mesmo que estejamos em presença de uma privatização ruinosa.
Naturalmente, os vendilhões da pátria não querem saber do interesse público, do bem comum, da comunidade. Como não querem saber de imigração regulada e de trabalho com direitos para todos. Pelo contrário, transformar os imigrantes em bodes expiatórios políticos permite tê-los disponíveis de forma mais vulnerável e logo mais barata. Aliás, é sabido que pelo menos um dos parlamentares do Chega usa e abusa desta força de trabalho nas suas plantações.
O diagnóstico acerca do Chega está feito, mas como combatê-lo para lá da substância programática há muito identificada – a autoridade do Estado de Direito Democrático e Social, capaz de gerar pleno emprego com diretos laborais e obrigações patronais?
Creio que precisamos de aprender com Lula. Afinal de contas, ele derrotou o bolsonarismo, no qual o Chega se inspira. Combater de forma intransigente o elitismo, promovido pelo liberalismo, faz parte deste processo de aprendizagem. Quando se diz, sem quaisquer dados e de forma claramente preconceituosa, que “os pobres apoiam a extrema-direita”, porque, já se sabe, os pobres são mais facilmente “enganados”, ignora-se precisamente o Brasil. Aí, um operário resgatou a democracia brasileira, apoiado maciça e racionalmente por milhões de mulheres, negras e pobres, do Nordeste. Pelo contrário, “a elite do atraso”, de que fala o sociólogo brasileiro Jessé Souza, apoiou Bolsonaro em massa.
E, inspirados por Lula, ganhamos a próxima batalha eleitoral se afirmarmos mais e melhor, com a cabeça fria e o coração quente: nobre povo, nação valente.
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