Artur Queiroz*, Luanda
Marcolino Moco deu uma entrevista à Rádio Essencial. Disse que nas últimas eleições votou na UNITA e explicou porque razões suspendeu a sua militância no MPLA. Também Falou do que sabe muito, a Constituição da República. Antes de prosseguir vou recuar a 1992 e à campanha dos partidos para as primeiras eleições, na vigência do regime da democracia representativa.
Manuel Pedro Pacavira, meu amigo desde os tempos do Golungo Alto e do Colégio das Beiras, mobilizou-me nestes termos: “Ou a grande família do MPLA se une ou vamos perder as eleições. Vem ajudar a ganhar”. E eu fui. Depois de várias peripécias a campanha eleitoral do MPLA ficou entregue a Marcolino Moco (secretário-geral), Kundi Paiama e Lopo do Nascimento (acções púbicas) e João Lourenço (organização interna).
João Lourenço é que traçava a estratégia do tralho mediático. Um dia disse-me que era urgente entrevistar Marcolino Moco porque ele seria o primeiro-ministro caso o MPLA ganhasse as eleições. E eu respondi-lhe: Vou entrevistar o primeiro-ministro de Angola! Outro dia disse-me que tinha de entrevistar Salomão Xirimbimbi porque ele seria o homem forte do governo para a área económica, caso o MPLA ganhasse as eleições. E eu respondi: Vou entrevistar o futuro ministro! Kundi Paiama vai ao Huambo fazer campanha. Tens de fazer a cobertura. E eu fiz. Lopo do Nascimento vai ao Lubango fazer campanha. Tens de fazer uma boa cobertura desse acontecimento, Temos de esmagar na Huíla! E lá fui eu.
A meio da campanha fui chamado para uma reunião com o guru das eleições. Um senhor brasileiro que sabia tudo. Foi contratado e apresentou um fato pronto-a-vestir que tanto podia ser usado por partidos angolanos, colombianos ou vietnamitas. Na mesa com o sábio estavam os magníficos dirigentes do MPLA. O guru das eleições fez uma intervenção de alto nível. Só os doutores do voto falam assim. Estragou tudo quando fez esta afirmação: O MPLA está com sérias dificuldades. Ao longo destes anos todos nem conseguiu meter água e luz na casa das pessoas. Não vai ser fácil mobilizar o voto no partido…
Face ao silêncio que se seguiu, pedi humildemente as palavra e disse mais ou menos isto: O MPLA ganhou a guerra contra a coligação mais agressiva e reaccionária que alguma vez se formou no planeta. Enquanto os invasores estrangeiros e seus aliados internos matavam, raptavam e destruíam, o MPLA lutava pela Liberdade do Povo e a Soberania Nacional. As populações não fugiram para a Jamba, Namíbia ou África do Sul. Fugiram para Luanda e outras cidades do litoral. Basta o MPLA ficar em silêncio para esmagar nas eleições. Não se mexam! Fiquem só à espera da contagem dos votos. E façam de cada comício a festa da vitória.
Rui de Carvalho piscou-me o olho e os outros magníficos olharam para mim com pena. Tipo coitado do rapaz está mesmo maluco. Alguns dirigentes e notáveis do MPLA estavam a mandar as famílias para longe, antevendo uma derrota eleitoral. Quem sempre viveu à custa do partido, devendo-lhe tudo, até o carro, a casa, a boa vida salarial e as mordomias, ficou sentado em cima do muro. Nós continuámos a trabalhar para não perdermos por falta de comparência.
Marcolino Moco, tantos anos depois, fala de João Lourenço em termos muito duros. Mesmo que tenha razão, penso que lhe ficava bem alguma contensão. Afinal chegou onde chegou graças ao apoio que teve dos seus camaradas do MPLA e particularmente de João Lourenço. Eu posso criticar abertamente. Sem papas na língua. Porque é esse o meu papel na sociedade. Sou jornalista. Sou obrigado ao rigor mas também a exercer a profissão na lógica do contrapoder. A liberdade de expressão é sempre muito relativa.
Marcolino Moco atribui à Constituição da República o “bloqueio” do regime democrático. Aqui não há relatividade. O meu amigo está mesmo muito equivocado. Antes de 2010 também existiam magistrados judiciais que recebiam ordens. Vendiam sentenças. Aceitavam graves violações ao princípio da separação de poderes.
Não sei o que se passa hoje no Poder Judicial. Salvo o que é público e notório. Os desmandos, os abusos, as faltas de carácter nada têm a ver com a Constituição da República em vigor desde 2010. As pessoas é que aceitam ordens superiores. As pessoas é que condenam sem provas. As pessoas é que aceitam um decreto presidencial que as compra por dez por cento dos milhões “recuperados”. As pessoas é que alugam a terceiros casas de função. As magistradas e os magistrados é que se comportam correcta ou incorrectamente, seja qual for a Lei Fundamental.
O meu amigo Jaime Azulay brindou-nos com mais uma excelente crónica sobre a colheita do café na Ganda. Deambulou por todas as teclas do piano e chegou ao golpe de estado militar do 27 de Maio, 1977. Escreveu ele: “Durante o levantamento, a Rádio Nacional chegou a estar momentaneamente nas mãos dos revoltosos mas esta seria de imediato retomada, com a intervenção dos militares cubanos que se encontravam em Angola”.
Na vida tudo é relativo, juro mesmo. Um golpe de estado com os tanques nas ruas e a maior base militar de Luanda tomada de assalto pelos golpistas foi para o cronista um “levantamento”. A RNA esteve ocupada “momentaneamente”. Verdade indesmentível, se o termo de comparação for o tempo que levamos a percorrer a Terra no seu diâmetro. Os golpistas chegaram ao estúdio e puseram no ar o indicativo do programa Kudibangela. O locutor disse Ku de forma audível. Di já mal se ouviu. E Bangela ficou no silêncio. A ocupação durou um instantinho.
Para os guardas presos ou mortos, os funcionários sequestrados e agredidos pelos golpistas a ocupação durou uma eternidade, Aquelas longas horas pesaram como séculos. Na vida é tudo mesmo muito relativo. A RNA “foi de imediato retomada”. Se tivermos em conta o tempo que leva viajar da Terra à Lua, é verdade. Aquilo foi tiro e queda.
O meu amigo Jaime Azulay só fugiu ao rigor num aspecto. Diz que houve intervenção “dos militares cubanos” o que não foi bem assim. Entre os libertadores da RNA só estava o cubano General Moracén (Kita Fuzil) que é também angolano da Chibia. Os outros todos eram angolanos. Alguns já faleceram mas outros estão vivos. Não revelo os nomes porque podem ser atropelados pela senhora da recuperação de activos e cangados pelo chefe Miala.
A vida é mesmo muito bela porque existe em tudo uma dose generosa de relatividade.
* Jornalista
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