"Sensação de sequestro" e ameaças na manifestação de polícias no Capitólio
Jornalistas, políticos e comentadores contam como foram insultados e ameaçados por elementos das forças de segurança que protestavam à porta do Teatro Capitólio, momentos antes de começar o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro.
Quando Pedro Marques Lopes saiu do Capitólio, a manifestação de polícias já tinha tomado conta do espaço em torno do teatro onde ia começar o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. O comentador da SIC teve de atravessar a multidão de manifestantes, enquanto ouvia insultos. “És uma vergonha, filho da puta”. A certa altura, alguém encostou uma vuvuzela ao seu ouvido. O som deixou-o atordoado. “Toda a cena foi absolutamente inqualificável”, diz ao DN.
“Filha da puta, hás-de pousar, cabrão”. Foi este tipo de insultos que José Eduardo Martins, outro comentador SIC, ouviu “entredentes” enquanto avançava pela multidão. “A sensação era a de que estava no meio de uma manifestação de motards, de Hell’s Angels. Se não me tivessem dito que eram polícias, eu confesso que não adivinhava”, comenta ao DN, explicando que não sentiu medo, mas a situação “foi desconfortável”.
Os relatos de Marques Lopes e José Eduardo Martins são idênticos a vários outros ouvidos pelo DN, nos quais outros jornalistas e comentadores, que não quiseram ser identificados, contam como foram alvo de insultos, provocações e tentativas de intimidação, enquanto tentavam sair do Parque Mayer, onde tinham estado nas emissões especiais que antecederam o debate televisivo entre os líderes da AD e do PS.
“É intimidante ter uma multidão aos gritos”, conta ao DN a deputada socialista Isabel Moreira, explicando que os manifestantes “estiveram muito perto dos plateaus” onde as televisões faziam os diretos e que isso gerou ansiedade. “Havia várias pessoas a perguntar como iam sair dali”. Apesar de uma situação que descreve como tendo provocado “uma sensação de sequestro”, Isabel Moreira decidiu sair pelo meio do protesto. “Não me passa pela cabeça, num Estado de Direito, que seja um problema passar por um muro de polícias”. O momento deixou-a perturbada. “Não é normal estar num debate e ter uma sensação de cerco”.
Eurico Brilhante Dias, que também tinha ido ao Capitólio participar na emissão especial da RTP, tomou uma decisão diferente. “Fiquei retido”, conta ao DN, o líder parlamentar do PS, que começou por tentar sair de carro, sem sucesso, perante a massa compacta que impedia a única saída possível para viaturas. “Peguei na mochila e tentei passar pelo lado direito. Estavam todas as câmaras ali. Fui reconhecido e começaram alguns comentários em tom mais alto. Decidi que não ia furar. Voltei para trás. Vi o debate no camarim”.
Nuno Santos, diretor da TVI, chegou a preocupar-se com a saída dos comentadores que lá estavam e precisavam de ir para os estúdios de Queluz, mas ressalva que o protesto nunca chegou a escalar. “Achei que os ânimos estavam exaltados, mas nunca houve momentos de violência”, relata ao DN.
“Fiquei impressionado com a facilidade com que este grupo de manifestantes cortou a única saída daquele espaço. Mas nunca senti receio nenhum nem por mim nem pelas nossas equipas. Sei que são portugueses que querem lutar pelos seus direitos e aproveitaram a visibilidade da presença da comunicação social”, comenta o diretor-adjunto de informação da SIC, José Gomes Ferreira.
PSP abriu inquérito
Ainda antes do final do debate, foi possível abrir um corredor no meio do protesto, que permitiu a saída de viaturas, sem qualquer incidente.
No entanto, a forma como a manifestação se deslocou para um local que não tinha sido previamente comunicado à PSP e à Câmara de Lisboa, levou o diretor nacional da PSP a decretar a abertura de um inquérito interno e a enviar um auto de notícia ao Ministério Público, “tendo em conta o eventual envolvimento de polícias da PSP nesta ação não comunicada” – como explica uma nota enviada às redações.
Marcelo e Costa em silêncio
A tensão vivida à porta do teatro onde decorreu o frente a frente entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro não mereceu, até à data de fecho desta edição, nenhum comentário do gabinete do primeiro-ministro.
Contactada pelo DN, fonte oficial de Belém justifica o silêncio de Marcelo Rebelo de Sousa com o facto de o Presidente não ter recebido “qualquer informação das entidades competentes para esta matéria, em particular o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa”.
Uma das dúvidas levantadas por quem esteve no Teatro Capitólio prende-se com a forma como a manifestação entrou no Parque Mayer sem ser travada. Uma fonte da direção nacional da PSP assegura que o inquérito aberto “inclui também verificar se o policiamento foi o adequado”. E nota que havia uma equipa no local quando os manifestantes lá chegaram. “Sendo previsível que pudesse acontecer aquela manifestação junto ao Capitólio, estava lá uma Equipa de Intervenção Rápida (6/7 elementos) que depois foi reforçada”, revela a mesma fonte.
No Ministério da Administração Interna, a “orientação política” do ministro José Luís Carneiro foi “no sentido da abertura do inquérito”.
O DN sabe que o governante, que já defendeu a investigação de todos os indícios de ligações extremistas aos protestos dos polícias, quer que este inquérito apure também todos os factos e que a partir deles, seja dado o seguimento processual adequado. No Governo nota-se que “valerá a pena ter em atenção que [protestos relacionados com forças de segurança] têm aparecido em vários locais sem prévia comunicação de manifestação”.
Sindicatos sublinham “desmotivação enorme”
O Comissário Bruno Pereira, porta -voz da plataforma dos sindicatos de polícias, garante ao DN que desconhecia a mobilização para a manifestação junto ao Capitólio. “Só me apercebi de que havia vontade de ir para lá, no momento em que se começaram a deslocar”.
Questionado sobre se tinha havido alguma tentativa de impedir a chegada ao Parque Mayer da manifestação, Bruno Pereira, que preside também ao Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia, diz que “ainda se tentou”, mas que se “revelou impossível” travar o protesto.
Apesar disso, Bruno Pereira, que tem sido o rosto dos protestos policiais organizados, desvaloriza a situação. “Não acho que tenha tido assim tanto impacto como estão a querer dar-lhe. Os polícias souberam comportar-se. Não vi nenhum comportamento censurável. E acho que a sociedade civil nos compreende”.
Paulo Jorge Santos, presidente da Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP) não condena situação, que justifica pela “gritante insalubridade” dos polícias”. O líder do maior sindicato de polícia diz que a Plataforma agendou uma iniciativa no Terreiro do Paço, para dar continuidade à luta dos polícias pela dignificação da carreira.
“Essa iniciativa correu bem, concentrámos milhares de colegas, dignificámos uma vez mais a nossa luta e passámos a mensagem de que coloca a necessidade de resolução dos problemas que assolam os profissionais”, frisa, notando que sente “a simpatia e identificação dos portugueses” com a causa.
“A interpretação que faço do que
sucedeu é que o grau de insatisfação dos profissionais é gritante, a
desmotivação é enorme e a ausência de respostas e de uma posição mais concreta
dos responsáveis políticos alimenta o exacerbar da luta”, afirma.
PS quer forçar Moedas a fazer queixa
Os vereadores do PS na Câmara de Lisboa querem obrigar Carlos Moedas a seguir o exemplo do diretor nacional da PSP e a enviar uma participação ao Ministério Público. Para isso, vão levar a votos uma moção nesse sentido, na reunião de Câmara desta quarta-feira.
“Perante o cerco ao Capitólio, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa capitulou. Como de resto já se tinha verificado num cerco à sede nacional do Partido Socialista, convocado pela extrema direita, e que decorreu a 13 de maio de 2023. O Estado Democrático de Direito respeita-se exercendo-se as competências cometidas e fazendo-se cumprir a lei”, lê-se numa nota enviada às redações, na qual os eleitos pelo PS em Lisboa frisam que a autarquia liderada por Moedas é “a única entidade administrativa com competência própria neste âmbito”, por ser aquela à qual as organizações de manifestações são obrigadas por lei a comunicar os trajetos. “O Estado Democrático de Direito respeita-se fazendo cumprir a lei”, frisam.
Margarida Davim, Valentina Marcelino | Diário de Notícias
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