sábado, 29 de junho de 2024

Angola | Abraços e Apagões de Memória – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O espaço mediático angolano está perigoso. Nove de cada dez notícias são falsas, inventadas, manipuladas. Até se servem da “inteligência artificial” para nos enganarem. Muito cuidado porque neste massacre não há inocentes. O senhor Begin morreu com diabetes quando andava entretido a matar angolanos às ordens de Jonas Savimbi. Os outros membros da quadrilha enterraram-no e continuaram a destruir e matar. Um dia destes foram buscar o que restava dos seus ossos e fizeram uma cerimónia luzidia em Luanda, que até meteu o chefe Miala com uma criancinha ao colo! Tive de recorrer a testemunhas oculares, para confirmar a veracidade daquele ataque à honra do Povo Angolano.

Os abraços por conta do defunto Begin apagaram a memória dos milhares de combatentes da liberdade, que ficaram insepultos ou foram sepultados lá onde tombaram em defesa da Nação Angolana. Falo dos combatentes na Luta Armada de Libertação Nacional, na Guerra da Transição (1974-1975), na Guerra pela Soberania Nacional e Integridade Territorial e no esmagamento da rebelião armada de Jonas Savimbi, iniciada quando a UNITA perdeu as primeiras eleições multipartidárias.

O General Eusébio de Brito Teixeira é uma fonte de máxima confiança. Pôs a circular esta mensagem: “Se estivesse em vida, Herculano Kassanje Delfino, comemoraria em 26 de Junho o seu 74º aniversário. Contudo, mais uma vez a família e os amigos ficam sem saber onde depositar uma coroa de flores, para recordar a data. A família continua a aguardar por uma certidão de óbito, bem como o atendimento de outras reivindicações compatíveis com o grau militar do seu ente querido”.

Comandante Kassanje! Tombou perto do Sumbe quando as tropas invasoras sul-africanas marchavam sobre Luanda para impedirem a proclamação da Independência Nacional em 11 de Novembro de 1975. Os invasores percorreram mil quilómetros dentro de Angola. Foram derrotados na Grande Batalha do Ebo, quando Angola já era um Estado Soberano. Na época poucos jornalistas andavam pela região. Que me lembre, apenas andaram por lá Luís Alberto Ferreira, Ryszard Kapuściński (Mais Um Dia de Vida), o grande repórter fotográfico Bernardo e este vosso criado. Mas entre os combatentes das FAPLA ainda estão vivos os oficiais do Comando: Generais Mbeto Traça, Luís e António Faceira.

O General Mbeto Traça descreveu mais tarde, quando contei pormenores da Grande Batalha do Ebo, como e onde tombaram o Comandante Kassanje e seus camaradas. Eles existiram mesmo! Sacrificaram as suas vidas pela Nação Angolana. Os karkamanos entraram com tudo, desde artilharia de longo alcance a meios aéreos, sobretudo helicópteros. Já ninguém vai encontrar as ossadas desses heroicos combatentes. Mas é possível erguer no local um memorial. Como eram do MPLA e combatentes das FAPLA são ignorados. Esquecidos. Abandalhados. Se fossem da UNITA, o Presidente João Lourenço envolvia todos os dias seus familiares em comovidos abraços.

O demitido chefe do exército da Bolívia desencadeou um golpe militar para derrubar o Presidente eleito. O chefe golpista atirou com um tanque contra a porta do palácio do governo e ocupou o salão nobre. Puxem pela memória. Os golpistas do 27 de Maio 1977 investiram com um tanque contra a porta da cadeia de São Paulo e invadiram a penitenciária. Mataram quem se lhes opôs. Entre as vítimas está Hélder Neto, alto quadro do Ministério da Defesa e um dos nacionalistas julgados e condenados no “Processo dos 50”. Um combatente da primeira hora.

Na Bolívia os golpistas atacaram a pé. Mas no 27 de Maio eles tinham os blindados da IX Brigada, que tomaram de assalto. Na Bolívia as tropas amotinadas mataram oito polícias. No 27 de Maio os golpistas mataram centenas e decapitaram o Estado-Maior Geral das FAPLA. Mataram o homem que estava a transformar o exército guerrilheiro em forças armadas nacionais, Comandante Eurico Gonçalves. Mataram o responsável da Inteligência Militar, Comandante Nzaji. Mataram o Comandante Bula Matadi, número dois do chefe supremo das FAPLA, Comandante Xyetu. Mataram o chefe das operações num país em guerra, Comandante Dangereux. E Mataram o ministro das Finanças, Saidy Mingas, porque criou o Kwanza.

Nito Alves depôs por escrito ante o tribunal marcial no Ministério da Defesa. Já depois de assinar e entregar o depoimento, pediu mais uma folha de papel porque se tinha esquecido de responder sobre quem mandou matar os Comandantes das FAPLA. E escreveu: “José Van-Dúnem e Sita Vales mandaram matar os comandantes”.

João Lourenço está permanentemente a abraçar e perdoar os assassinos golpistas. A turma do chefe Miala nos Media, todos os dias promove os golpistas assassinos. Todos os anos, no 27 de Maio, os golpistas fazem propaganda mentirosa sobre o golpe. Idolatram os seus chefes. Aplaudem o golpe. A direcção do MPLA não homenageia os Comandantes assassinados pelos golpistas. E alguns eram dirigentes. O Presidente da República não promove cerimónias de homenagem aos Comandantes assassinados. Ao ministro das Finanças assassinado. Desprezo total.

A direcção do MPLA, a Presidência da República e outras instituições do Estado Democrático não homenageiam as vítimas dos golpistas. Pelo contrário, permitem que Agostinho Neto e outros dirigentes da época sejam vilipendiados na praça pública pelos golpistas. Para os assassinos abraços. Para os assassinados apagões de memória. Os golpistas estão no poder. Se tivessem triunfado em 1977 Angola já não existia como Estado Soberano. Fazem tudo para denegrir os ainda vivos que enfrentaram vitoriosamente o golpe militar, hoje apresentado como uma manifestação pacífica.

Se o Comandante Kassanje fosse o defunto Begin da UNITA já estava tudo resolvido. Mas como se bateu heroicamente em defesa da Nação Angolana contra os invasores estrangeiros, é um grande buraco na memória dos actuais detentores do poder. A Presidência da República e o MPLA têm em sua posse todas as provas sobre o golpe de estado do 27 de Maio de 1977. Espero que não tenham destruído tudo em nome dos abraços e perdões aos seus amigos e camaradas de golpada. 

Oficiais Generais das Forças Armadas Angolanas sabem como, onde e quando tombou o Comandante Kassanje. O actual poder só não honra a sua memória porque odeia o MPLA e os combatentes da liberdade. É bom que coloquem este tema no congresso extraordinário do MPLA anunciado para Dezembro.

* Jornalista

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