Marco Fernandes* | Infobrics | # Traduzido em português do Brasil
Nos últimos dois anos, os BRICS
experimentaram uma popularidade até então nunca vista em sua existência. Além
da expansão realizada em
Ao lidar e resolver algumas das demandas exigentes do Sul Global, acredito que há um potencial inexplorado no Contingent Reserve Arrangement (CRA) criado pelos BRICS. Com o apoio dos chefes de estado dos países-membros, decisões políticas poderiam ser tomadas sobre o CRA que podem fornecer uma resolução de curto prazo para uma questão econômica atualmente urgente em muitos países.
Importância e contradições da CRA
Em
É um fundo de US$ 100 bilhões, cuja contribuição é dividida da seguinte forma: 41% da China, 18% da Rússia, Brasil e Índia, e 5% da África do Sul. O poder de voto de cada país corresponde ao peso de sua contribuição financeira, então nenhum país sozinho tem poder de veto – como é o caso dos EUA no FMI. Pelo acordo, o dinheiro permanece nos respectivos bancos centrais e é retirado mediante solicitação por meio de swaps cambiais entre os dólares nas reservas dos países provedores e a moeda local do país solicitante.
É um acordo fundamental porque a escassez de reservas internacionais tem sido a base material para as ações perversas do FMI nas economias do Sul Global nas últimas décadas. Mas ele carrega uma contradição: os cinco países BRICS que o criaram têm reservas internacionais substanciais, e é duvidoso que precisem acessar o fundo no curto ou médio prazo. Assim, o fundo existe há nove anos e nunca foi usado.
Por outro lado – e como sempre – vários países do Sul Global estão atualmente dependentes de empréstimos do FMI, incluindo Gana, Sri Lanka, Paquistão, Argentina e Quênia, cuja população tem protestado massivamente por semanas contra um aumento de impostos exigido pelo fundo. As condicionalidades desses empréstimos seguem a mesma cantilena neoliberal de austeridade fiscal das últimas décadas: cortar gastos sociais e abrir ainda mais seus mercados ao capital privado internacional (do Norte Global), uma receita que já devastou inúmeras economias nacionais.
Há até dois novos membros do BRICS nessa situação: Etiópia e Egito, este último, além de membro do BRICS, também é membro do NDB, que tem outro membro, Bangladesh, na mesma situação.
A Etiópia declarou inadimplência em seus serviços de dívida em dezembro de 2023 (US$ 31 milhões) e está sendo pressionada pelo Clube de Paris a garantir um empréstimo de US$ 3,5 bilhões com o FMI como condição para suspender os pagamentos do serviço da dívida para 2025. Analistas dizem que o FMI deve impor uma desvalorização da moeda ao país e a privatização de parte dos setores bancário e de telecomunicações. Em outras palavras, a Etiópia desvalorizará seus ativos e depois os venderá a estrangeiros. Um exemplo clássico de uma “armadilha da dívida”.
O Egito se encontra em uma situação semelhante. Ele solicitou uma extensão de US$ 5 bilhões ao FMI (após solicitar US$ 3 bilhões em dezembro de 2022), que foi confirmada em março de 2024. As condições do Fundo são a desvalorização da libra egípcia, o cancelamento de qualquer mecanismo de controle de câmbio, rigidez monetária e fiscal, corte de gastos sociais para os mais pobres e o fim dos incentivos estatais para empresas estatais.
Uma aposta ousada dos BRICS precisa de uma decisão política
Agora, imaginemos: em vez de pedir recursos ao FMI e serem obrigados a se submeter às condicionalidades do fundo de Washington, esses países – que já são membros do BRICS e/ou do NDB – poderiam acessar o Contingent Reserve Arrangement. Em vez de ligar para Kristalina Georgieva, eles ligam para Dilma Rousseff. Em vez de se submeterem à armadilha da dívida do FMI, eles buscam soluções de ajuste econômico dentro do arcabouço do BRICS, cujo objetivo seria priorizar os interesses das economias e povos etíopes, egípcios e de Bangladesh e não os interesses de Wall Street ou da City de Londres.
Esta é uma proposta muito idealista para um fundo monetário que atualmente tem US$ 100 bilhões e poderia crescer com contribuições de novos membros com liquidez de reserva internacional robusta, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos? Não creio. Cerca de 10% dos recursos do fundo resolveriam a emergência da Etiópia e do Egito. No entanto, para que isso aconteça, outro obstáculo no estatuto do CRA ainda precisa ser revisado. Atualmente, se um país membro do CRA solicitar recursos do fundo, apenas 30% podem ser autorizados soberanamente pelos países do BRICS. Os outros 70% devem ser autorizados pelo… FMI!
Em outras palavras, um fundo monetário “alternativo” ao FMI foi criado, mas ele precisa da bênção do FMI para ser usado. É irônico, mas demonstra o que Sergei Glazyev disse recentemente ao se referir ao NDB, o que também se aplica ao CRA: “O problema é que o NDB funciona de acordo com o status do dólar.
Eles precisam reorganizar essa instituição para torná-la viável”. É compreensível, pois ambos foram criados em um contexto diferente do atual, no qual ainda não tínhamos experimentado tal agudização das contradições entre as potências imperialistas e a maioria global. Mas a história exige uma mudança.
Em última análise, esta é uma decisão política dos chefes de estado do BRICS. Salvar alguns de seus membros das clássicas “armadilhas da dívida” impostas pelo FMI seria uma vitória política histórica para o Sul Global, o que poderia demonstrar, na prática, o potencial da cooperação no BRICS. Quem sabe, talvez no futuro, o CRA seja estendido a mais países do Sul.
O resgate para países que enfrentam problemas de liquidez de reservas internacionais é apenas uma medida de emergência, que não resolve os problemas estruturais das relações desiguais entre os países do Norte e do Sul Global dentro do sistema capitalista global. Nem resolve o problema sério da dívida dos países do Sul Global com instituições financeiras multilaterais e bancos privados nos EUA e na Europa. Para que isso aconteça, será necessário avançar com diferentes estratégias que enfrentem os gargalos ao desenvolvimento na América Latina, África e Ásia. Também pode envolver um debate global significativo sobre o cancelamento de parte da dívida do Sul Global. No entanto, o BRICS precisa de conquistas concretas, e o Acordo de Reserva Contingente pode ser nossa fruta mais fácil de colher.
Marco Fernandes - editor do Wenhua Zongheng International.
Clube de Discussão Valdai
Fonte: Clube de Discussão Valdai
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