quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Portugal | O ORÇAMENTO INTERESSA AOS TRABALHADORES?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

A discussão política dos últimos tempos em torno do Orçamento do Estado é uma ilustração exemplar da desproporção de forças que existe na sociedade portuguesa. A discórdia entre PS e PSD que pode vir a inviabilizar a aprovação (desconfio que chegarão a acordo, mas já não aposto nisso...) no Parlamento do documento para 2025 centra-se numa única questão: redução de impostos.

Redução de impostos para as empresas através do IRC e uma mudança no chamado IRS Jovem que, na prática, feitas as contas, dá uma redução de impostos para quem, com menos de 35 anos, trabalhe e ganhe mais de 1500 euros mensais.

Claro que a discussão sobre o mérito ou demérito destas ideias de Luís Montenegro é pertinente e tem contornos de separação ideológica: por um lado, os efeitos na vida real e nas contas do Estado devem ser detalhadamente escrutinados (e esse debate não tem faltado), por outro lado, basear uma política económica quase exclusivamente em medidas de redução fiscal é uma velha receita da direita economicamente liberal, cujo escrutínio a história tem comprovado que pode, se tudo correr bem, dar crescimento económico mas não dá, efetivamente, distribuição da riqueza criada  (e esse debate não está a ser feito).

O escrutínio aos efeitos concretos da proposta para o IRS Jovem mostra uma grande maioria de comentadores, consultoras, empresários, académicos, jornalistas e políticos que a acham, simplesmente, errada. 

A medida de redução do IRC põe o patronato todo contente e todos os ideólogos do liberalismo económico a aplaudir, mas o PS e a esquerda apontam-lhe a provável ineficácia (beneficiaria essencialmente grandes empresas, que não precisam destas ajudas) e a degradação perigosa da receita do Estado, sem benefício social que justifique o risco.

É aqui que se revela a tal desproporção de forças de que falava no início deste artigo: quer os temas em discussão quer a forma de os debater focam-se nos efeitos da luta partidária pelo poder, no perigo de abertura de uma crise política, no que pode ganhar a economia (leia-se, no que podem beneficiar as empresas), no proveito fiscal que pequenas partes da população podem obter e em alegadas “profundas” diferenças ideológicas. Nesse debate estão interessados os políticos, empresários, os gestores, os jovens que ganham salários acima de 1500 euros, mas nada disso, na verdade, diz respeito à generalidade dos trabalhadores, pois quase nada ganham com o que está em causa - na verdade, nem sequer estão representados com força suficiente em todo este debate.

O acordo de concertação social entretanto ontem assinado demonstra, novamente, a fraqueza do lado do trabalho em colocar em cima da mesa da agenda política a defesa dos seus interesses: prever um aumento condicionado no salário médio de apenas 4,5 a 4,7% nos próximos anos, depois de mais de uma década de degradação acentuada do poder de compra, é obviamente muito curto... Como é que a UGT assina isto, meu Deus!?

Enquanto o lado do trabalho não recuperar influência no debate palaciano e mediático, a esmagadora maioria dos que recebem um salário estarão presentes no discurso da propaganda política porque, apesar de tudo, votam, mas não terão uma palavra consequente a dizer na definição das medidas concretas da governação. Porquê? Porque não têm ninguém na mesa das negociações que verdadeiramente interessam. 

* Jornalista

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