Capicua | Jornal de Notícias, opinião
Enchi o peito de esperança ao ver as imagens de milhares de pessoas em manifestação na Avenida do Almirante Reis. Pessoas que acreditam no humanismo, na igualdade, no antirracismo, na liberdade e na democracia. Pessoas que, tal como eu, rejeitam este clima de intimidação das minorias, de securitarismo sensacionalista que legitima o aumento dos abusos policiais e que instrumentalizam as próprias forças, para fazer cumprir a agenda da extrema-direita. Pessoas que defendem o Estado de direito e quiseram fazer passar a mensagem de que não podemos normalizar os discursos xenófobos que teimam em agigantar-se para mudar o diapasão do aceitável.
Enchi o peito de esperança e estava a precisar. A angústia com o estado do Mundo tem-me atormentado. Sinto que o Mundo está a ser tomado de assalto por uma quadrilha de supervilões, mesmo como nos desenhos animados. Homens cabotinos, nefastos e, muitas vezes, até, ridículos, com um poder desmesurado e intenções malignas. Trump, Putin, Netanyahu, Musk, Zuckerberg, Bezos e tantos outros, como Milei na Argentina ou Orbán na Hungria, fazem crescer o medo pelo futuro, sobretudo se pensarmos que é altíssima a probabilidade da França e a Alemanha serem governadas pela extrema-direita.
Não que a manifestação “Não nos encostem à parede” possa mudar minimamente o rumo das coisas. Estamos num descarrilamento global, que envolve guerras, alterações climáticas e catástrofes naturais, a extinção das democracias, os perigos da inteligência artificial e todos os sinais do apocalipse. Mas saber que no meu país há milhares de pessoas que também se importam, que se preocupam com o próximo, que se solidarizam, que empatizam com a condição alheia e que querem demonstrar isso chega a ser um bálsamo para este clima de atomização, fragmentação e individualismo.
Só mesmo um primeiro ministro irresponsável, em permanente campanha eleitoral, mais preocupado em competir com a sua Direita do que em fazer o seu trabalho pode dizer que os extremos saíram à rua no passado dia dez. Quem saiu à rua foram milhares de humanistas, preocupados com os mais frágeis e com a nossa democracia, além de meia dúzia de fascistas que alimentam o ódio e pregam a desinformação e que quiseram roubar-lhes o protagonismo.
Que um primeiro-ministro escolha fazer equivaler as duas coisas, como se o racismo fosse o mesmo que o antirracismo, como se os que querem destruir a democracia pudessem equiparar-se aos democratas que desceram a avenida, e como se ele estivesse num ponto de neutralidade, é muito preocupante. Se ele fosse moderado, como se autointitulou, deveria estar do lado da democracia e da igualdade. Essa terceira posição é o quê, afinal? Ser eleito por um partido democrata e cumprir a agenda do Chega? A verdade é que, no fim de contas, ser neutro perante as injustiças é estar do lado errado da história, com a agravante da cobardia de não assumir a convicção.
* Título assinalado Redação PG
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