< Artur Queiroz*, Luanda >
O conclave dos cardeais para eleger o novo Papa começou. Os eleitores vão falar com os santos e o Espírito Santo. As santas estão fora. Nem conta Santa Ifigénia, padroeira dos que nunca tiveram ninho. Muito menos Nossa Senhora da Muxima que me salvou de morrer mordido por uma cobra surukuku. Espero que a conversa dos senhores cardeais resulte noutro Papa Francisco. Já despachei sete Papas que nem me aqueceram nem arrefeceram. No que acreditam é lá com eles. O que adoram igualmente. Salvo Francisco. Com ele senti que tinha um companheiro de luta. Quando se metia nas coisas lá dos céus, esperava que regressasse à Terra e à Humanidade vítima deste capitalismo que nos mata.
Ossanda Líber João Filipe Cruz dos Santos é uma senhora luandense, onde nasceu em 1977. Lidera o partido português Nova Direita. Sua excelência fala, em conversas ao pé da orelha, com os próceres da União Nacional e da Legião Portuguesa. Ouve conselhos avisados da Mocidade Portuguesa e da PIDE/DGS. É ungida com a sabedoria de Salazar. Concorre a primeira-ministra de Portugal e promete aos eleitores “controlar” os emigrantes. Quando a ouvi discursar lembrei-me do mafuka Panzo, que cortava cabeças nas sanzalas para olear a máquina de descascar café, do seu patrão João Ferreira. Um dia disse-lhe que as cabeças dos brancos oleiam melhor. Ele chamou-me canhoto e filho do Diabo.
O empregado do Riquinho, Manuel Homem, fala com o chefe e recebe dele, ordens radicais: Mete na cadeia todos os estudantes que se manifestem! Ele obedece. Criado obediente vale por dois ou mais.
O Grupo Parlamentar da UNITA convocou uma “vigília” para a portaria da Rádio Nacional de Angola (RNA) em homenagem ao defunto deputado do Galo Negro Raul Danda, patrono dos deputados savimbistas. Esta é verdadeiramente um luta de bandidos para bandidos por bandidos. O padroeiro fugiu da Jamba e foi para a Rádio Nacional de Angola. Na época o director-geral era Agostinho Vieira Lopes e eu tinha acabado de criar o Gabinete de Formação Permanente. Fiz um teste ao fugitivo e concluí que sabia menos de Rádio do que eu de otorrinolaringologia. Um mero papagaio da Vorgan, a Voz do Galo Negro nascida e criada no ventre putrefacto do regime racista de Pretória.
Raul Danda teve direito a formação individual. Aprendeu a gramática da linguagem radiofónica. Quando passou para a área do Horácio da Fonseca a fim de apender realização e produção, compreender a dimensão estética e plástica da notícia em Rádio, ele anunciou que ia trabalhar na petrolífera ELF/TOTAL. Não precisava de apreender mais nada. Boa viagem e muita sorte. Por fim passava pela Rádio para o Rui Vieira Lopes, director financeiro, lhe pagar os salários e as mordomias. Trabalhar, nada!
As deputadas e os deputados da UNITA não conseguem falar com Raul Danada à porta da RNA. Onde ele fala e grosso é na sede da ELF/TOTAL, nas instalações da UNITA em Viana, na sede da FLEC/FAC em sítio nenhum ou no cemitério. Aí ele fala com o mesmo à vontade com que papagueava ordens dos karkamanos e do Savimbi na Vorgan, enquanto amigos levavam pauladas na cabeça e amigas eram queimadas vivas nas fogueiras.
Quando Raul Danda chegou a Luanda contou-nos coisas arrepiantes no gabinete de Agostinho Vieira Lopes. Acreditei com reservas. Mas depois li o livro de Jorge Valentim e percebi que não havia exagero. Quando li o livro de Florbela Malaquias compreendi que ele se tinha esquecido das piores partes...
Anos mais tarde publiquei no Jornal de Angola uma reportagem intitulada “Jamba Era Supermercado de Traficantes”. O texto foi elaborado com base em documentos dos serviços secretos do regime racista de Pretória. No acampamento da UNITA prosperavam negócios de droga, diamantes e marfim.
Raul Danda tinha regressado ao Galo Negro e foi eleito deputado. Passou a receber da RNA, da ELF/TOTAL e da Assembleia Nacional. Era de novo savimbista. Telefonou-me muito indignado porque a minha reportagem era uma “invenção”. Disse-lhe que tinha 12 documentos dos serviços secretos de Pretória onde eram revelados todos os pormenores do tráfico e dos “turistas” da Jamba. Prontifiquei-me a fornecer-lhe cópias dessa documentação. Nunca foi levantar os documentos ao Jornal de Angola.
O deputado Raul Danda pouco depois exibiu na Assembleia Nacional o meu contrato de trabalho com a Empresa Edições Novembro. Ladrão de contratos. Violador da vida privada. Da esfera pessoal. Da esfera do segredo. Atropelou o Direito à Inviolabilidade Pessoal de um jornalista e de uma instituição, o Jornal de Angola. Alguns deputados do MPLA aplaudiram. Verdade ou mentira, Presidente João Lourenço?
O Grupo Parlamentar da UNITA desceu ao nível do independentista branco Pompílio da Cruz, na arte da provocação e na crença de falar com os mortos. Estão à espera de quê para ilegalizar aquela porcaria? A FRA do Pompílio também foi ilegalizada.
O Executivo suspendeu a importação de uniformes e outros produtos destinados às Forças Armadas Angolanas. Mas que não faltem toaletes de marca e óculos a condizer para Vera Daves, Esperança da Costa ou Ana Dias Lourenço.
Esta medida cega e carregada de idiotice neoliberal (João Lourenço tem muitas motosserras) originou um texto anónimo que anda por aí a circular. Vou reproduzi-lo coma devida vénia. E assino por baixo:
“É importante refletir com veemência sobre este acto, que considero não apenas uma medida profundamente imprudente, mas também reveladora de um preocupante desconhecimento do lugar que as Forças Armadas ocupam na estrutura do Estado angolano. As FAA não são uma instituição administrativa qualquer. Nos termos da Constituição da República de Angola, subordinam-se exclusivamente ao Presidente da República na qualidade de Comandante-em-Chefe (Artigo 207.º), e desempenham a nobre e insubstituível missão de garantir a defesa da Pátria, da independência e da integridade do território nacional.
Uniformes e equipamentos militares não podem, em circunstância alguma, ser tratados como simples mercadorias, sujeitas às flutuações das políticas comerciais ou às orientações administrativas sectoriais. Eles são, por definição, símbolos da soberania nacional e instrumentos indumentários essenciais que conferem identidade, disciplina e prontidão às tropas.
Permitir que decisões administrativas descoordenadas prejudiquem a logística e o aprestamento das Forças Armadas é rebaixar esta instituição vital do Estado ao nível da função pública comum, o que é inadmissível e constitui um erro estratégico grave.
As Forças Armadas Angolanas, pelo seu papel histórico na conquista e defesa da independência e pelo seu mandato constitucional actual, não podem ficar impávidas e serenas diante de tamanha imprudência. O Ministro do Comércio e outros titulares de cargos públicos precisam compreender que as FAA não são subordinadas ao seu ministério nem podem ser atingidas por decisões que, directa ou indirectamente, comprometam a defesa nacional.
Decisões que tocam na logística militar, na prontidão combativa ou na dignidade institucional das FAA devem ser tratadas pelas instituições próprias do sector da Defesa e Segurança ou, na pior das hipóteses, com a devida consulta e respeito pelas hierarquias constitucionais. É imperativo que os órgãos civis do Estado, por mais relevantes que sejam nas suas áreas, reconheçam a especificidade das Forças Armadas como pilar da soberania e como a última linha de defesa da Nação.
Em nome da dignidade histórica e da missão constitucional das FAA, é urgente corrigir este tipo de atitude que fere gravemente o respeito e a deferência que esta instituição merece no seio do Estado e da sociedade angolana.
A dignidade das Forças Armadas é inegociável. Cabe a cada um de nós, militares de todas as patentes, que envergamos esta farda com honra, defender esta dignidade com firmeza, determinação e sentido de missão.
As FAA são e devem continuar a ser o pilar firme da soberania e da segurança da Nação Angolana. O respeito que lhes é devido começa com a compreensão clara do seu lugar constitucional e da sua função única.
Importa aqui reafirmar, para quem ainda confunde subordinação com subserviência: As Forças Armadas estão subordinadas ao poder político legítimo, mas essa subordinação não implica submissão cega a actos que comprometam a sua missão, a sua prontidão ou a sua dignidade institucional.
As FAA não são um corpo administrativo. São o garante da independência nacional. É dever de todas as instituições públicas e do Povo Angolano em geral preservar o seu estatuto, a sua honra e a sua capacidade operacional intactas.
Que este episódio sirva de alerta e de chamada à consciência de todos aqueles que ocupam funções públicas: A defesa da Nação não se fragiliza com decisões administrativas. Ela exige respeito, coordenação e visão de Estado”.
* Jornalista
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