terça-feira, 13 de maio de 2025

Angola | Crimes de Ódio à Solta -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda >

O sistema nunca foi tão agressivo nas acções contra o Jornalismo. Assaltaram os jornais quando ideias como o socialismo se impunham em textos de opinião. As Redacções deixaram de ser espaços de Liberdade. Tinham tudo controlado quando a comunicação à distância levou aos consumidores notícias em cima da hora. Compraram as mãos autorizadas a noticiar. Alguns indomáveis recusaram os 30 dinheiros e noticiavam os factos. Nada mais que os factos. O sistema renovou a criadagem exigindo mais e mais fidelidade aos donos. Estrangulou os descontrolados. Cortou a publicidade aos desobedientes. 

Os angolanos responderam com a Imprensa Livre. Tão libertária, que todos os jornais tinham oficinas gráficas próprias. Em Luanda ficou celebérrima a Oficina do Mukuarimi, o jornal emblemático de Alfredo Troni. Textos doutrinários em Kimbundu. O colonialismo (genocídio) estremeceu. A Cultura Angolana renasceu. Maldita Imprensa. 

Os jornalistas foram impiedosamente perseguidos pelos governadores de serviço. Lá na Cidade Alta, no terreno da feira e do luna parque, nascia a Imprensa Nacional. As pequenas tipografias morreram. Nasceu a grande tipografia Minerva. Os jornais da Imprensa Livre desapareceram.

O desenvolvimento da comunicação à distância permitiu o nascimento das agências noticiosas. Milhares de notícias entraram em circulação. Os jornais não aguentaram tanta carga. Assim nasceu a Rádio e a linguagem jornalística. Até então a Imprensa tomou de empréstimo a linguagem literária. O sistema reagiu e fez das emissões radiofónicas mero entretenimento. A Rádio estava a sair de controlo, mesmo que as estações fossem propriedades dos governos. O problema é que os governos estavam ao serviço do sistema. E ainda estão, cada vez mais caninamente.

Em Angola a Rádio tinha uma forte dimensão cooperativa (os Rádio Clubes). Com o triunfo do Estado Novo (regime fascista e colonialista), em 1926, nasceram as Comissões de Censura que visavam previamente as páginas dos jornais. Visavam os documentários e filmes. Peças de teatro. Mas não a Rádio. Paulo Cardoso avisava os donos: Se não quer que seja notícia, não deixe que aconteça. Acabaram as notícias. Os noticiários eram preparados na Emissora Nacional, em Lisboa. Depois transmitidos em cadeia nas estações angolanas. A censura funcionou, oficialmente, até ao 25 de Abril 1974. Depois acabou.

Os Media angolanos regressaram ao tempo da Imprensa Livre. Mas até 11 de Novembro 1975 dezenas de jornalistas abandonaram o país. Avançaram os simpatizantes de Jornalismo e os jornalistas não praticantes. Prosperou a incompetência. A mediocridade é o limite máximo. Quem ousar ir acima é trucidado. Forma mais terrível de censura não há. Por isso não culpem o governo. Não culpem os partidos políticos. A culpa é exclusivamente nossa. Dos jornalistas.

Para não ficar pedra sobre pedra, no nascimento do novo regime, em 1992, até criaram um “sindicato”. Na eventualidade das eleições ditarem novos donos, já estava tudo traficado. A censura imperando por obra e graça dos próprios jornalistas. 

A promiscuidade entre jornalismo, publicidade, comunicação e imagem destroçou o que restava de credibilidade do Jornalismo Angolano. Estamos neste ponto. Os jovens que começaram na profissão comigo em 1974, que me desculpem. Os que acreditaram nos meus ensinamentos, em 1992, que me perdoem. Aos que trabalharam comigo no Gabinete de Formação Permanente da Empresa Edições Novembro, imploro: Não deixem de acreditar no fabuloso Jornalismo Angolano. E nunca esqueçam. Jornalismo não é insultar. Jornalismo não é difamar. Jornalismo não é promover crimes de ódio. Jornalismo não é racismo. Jornalismo não é xenofobia. Jornalismo não é tribalismo.

Marcolino Moco perdeu algum do seu precioso tempo corrigindo um tribalista demente que disse coisas como esta: “Deus fala kikongo! Quem não fala kikongo não é angolano de primeira”. O antigo primeiro-ministro aproveitou para fazer alguma pedagogia e escreveu: “Angola e angolanidade são entidades em construção, voltadas para o futuro e não para passados que dividem”. Nos comentários publicados pelo Club K (órgão oficial dos restos do regime racista de Pretória e da direcção da UNITA) foi escrito isto:

“Senhor Moco desde 1975 Angola é dirigida pelos descendentes de portugueses, diga-se mulatos e brancos. (…)LÚCIO LARA filho de português , PAULO JORGE ministro de negócios estrangeiros,  português , IKO CARREIRA ex-piloto do exército português e então ministro de Defesa de Angola , COELHO DA CRUZ ministro da Saúde , DILOLWA ministro das Finanças , todos em pontos chaves ,na mão dos incógnitos que geraram os dupla nacionalidade que dominaram na época de José Eduardo dos Santos: (…) Não eram só descendentes de portugueses mas todos viram o domínio de cabo-verdianos, santolas, guineenses e os complexados angolanos bufos que reinaram neste período de JES”.  

Isto está escrito num meio da UNITA. Os crimes de ódio são crimes públicos. Se o senhor Pita Gró não estivesse filado nos bens alheios tinha dado ordens ao Ministério Público para instaurar um processo-crime contra o Club K, seus donos e mentores. Nada aconteceu. 

As organizações que representam os jornalistas também ficam em silêncio quando estes crimes gravíssimos são cometidos. Depois dizem que não há liberdade de imprensa em Angola. Pior é impossível. Pelos vistos são todos kambas da Ângela Quintal. Até o Pita Grós!

* Jornalista

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