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Lisboa, 31 mai (Lusa) -- O período de transição previsto nos Acordos de Bicesse, assinados faz hoje 20 anos, deveria ter sido superior aos 15 meses estabelecidos e que foram impostos pela UNITA, disse à Lusa o embaixador António Monteiro.
Representante de Portugal na Comissão Conjunta Político-Militar, órgão que supervisionou a aplicação dos acordos, António Monteiro salientou não ser "possível" prolongar o período de transição.
"O prazo que foi feito para as eleições foi exigido pela UNITA. Nós tentamos durante muito tempo que houvesse um período de transição, de melhor preparação de Angola para o exercício democrático das eleições", salientou.
"A UNITA considerou que era suficiente para a realização das eleições. Havia pressa em democratizar Angola e toda a gente estava atada em relação ao próprio compromisso, ao próprio acordo que impunha prazos que foram depois aceites pela outra parte", acrescentou.
O papel de Portugal é naturalmente evidenciado por António Monteiro, que considera que a participação da antiga potência colonial permitiu, disse, "varrer tudo aquilo de negativo que havia em relação ao nosso passado e mais problemático, sobretudo o derivado do trauma da descolonização".
O que se seguiu depois de Bicesse foi um novo adiamento da paz, porque a UNITA recusou aceitar a vitória do MPLA, nas legislativas, e do líder deste partido, José Eduardo dos Santos, na primeira volta das presidenciais, realizadas nos dias 29 e 30 de setembro de 1992.
Apesar do retorno da guerra, António Monteiro é da opinião que a razão do falhanço não deve ser imputada aos Acordos de Bicesse.
"Não foram os acordos que falharam. Os acordos eram o acordo possível, havia uma troca clara de paz e democracia. O que falhou foi que, depois das eleições, que foram certificadas pelas Nações Unidas, houve uma parte que rejeitou esses resultados", considerou.
Mas houve também "influências negativas muito fortes", em que as próprias Nações Unidas foram de uma "extrema fraqueza" no apoio à sua representante especial.
"Margaret Anstee não beneficiou do apoio que devia vir do Conselho de Segurança", órgão que Monteiro considera ter sido "titubeante".
Ademais, a vizinha África do Sul protagonizou "interferências muito negativas", lamentou.
Quanto à Angola atual, que apresenta índices de desenvolvimento não acompanhados por uma melhor redistribuição da riqueza criada, fator que tem motivado setores da sociedade civil a expressarem desagrado público, António Monteiro classifica como "inevitáveis" aquele tipo de manifestações.
"Eu creio que são passos inevitáveis na vida dos países. É evidente que há uma crise de crescimento. Que muitas vezes é necessário adaptar a evolução política àquilo que são as exigências novas deste mundo, que entrou em enorme aceleração, até tecnológica, mas acho que o caso de Angola não difere de muitos outros países emergentes", acentuou.
Todavia, alertou, o "enormíssimo salto demográfico" que Angola vai dar deverá ter uma resposta das autoridades angolanas.
"É evidente que a paz e o atual clima de relativa prosperidade que o país vive, vão fazer crescer de maneira exponencial a população e Angola deverá estar preparada para lidar com isso e com aquelas que são as grandes obrigações do Estado ao nível da educação e ao nível da saúde", concluiu.
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