terça-feira, 17 de maio de 2011

MÉDICO INTENSIVISTA ENTREVISTA JOSÉ RAMOS HORTA





Médico Repórter

Intensivista entrevista Prêmio Nobel da Paz

O médico intensivista e professor da Faculdade de Medicina de Teresópolis, Dr. Álvaro Madeira Neto, é o único intensivista do Timor Leste. Em outubro do ano passado, recebeu um convide oficial do presidente do país, José Ramos-Horta, e também Prêmio Nobel da Paz de 1996, para atuar por lá. "Não havia qualquer Centro de Cuidados Intensivos e com o sonho de ajudar mudar esta realidade Timorense aceitei prontamente o convite", conta o médico.

Em 11 de fevereiro de 2008, o presidente José Ramos-Horta sofreu um atentado, tendo sido atingido por tiros de fuzil e, segundo ele próprio, só foi salvo graças aos Intensivistas do exército australiano que estavam no país. "Segundo ele me relatou, passou, então, a reconhecer na nossa especialidade e creditar a ela o salvamento de sua vida", explica Dr. Álvaro.

Na semana passada, o Dr. Álvaro esteve com o Prêmio Nobel da Paz e o entrevistou. Nessa conversa José Ramos-Horta como foi o seu atendimento pelos médicos intensivistas após o atentado. Confira.

Dr. Álvaro Madeira: Senhor Presidente, gostaria que o senhor falasse de como foram os primeiros momentos após o atentado antes de chegar o socorro. O que passou pela sua cabeça naquele momento crítico?

Presidente Ramos-Horta: Lembro de tudo! Lembro quando ouvi tiros a 500m da minha casa. Eram cerca de 6h50 da manhã do dia 11/02/2008. Depois veio uma segunda rajada. O militar que me acompanhava, mas que não fazia parte da minha segurança pessoal, dizia: "Os tiros vem de sua casa". E como vinham de minha casa, eu instintivamente achei que devesse ir para minha casa investigar o que se passava e mediar, caso houvesse um conflito em casa com os militares que lá estavam. Não imaginei em nada como uma conspiração. Pensei que fosse um caso interno entre elementos indisciplinados das forças armadas que lá estavam. Quando me aproximei da casa, um absoluto silêncio estranho. Quando cheguei perto do portão, eu vi o atirador a cerca de 20 metros. Ele levanta a arma. Vejo apontar para mim. Eu me viro e começo a correr. Foi quando ele me acertou pela primeira vez aqui (aponta para região escapular direita). Eu mergulhei no chão para tentar me proteger junto ao muro, mas ele continuou a disparar e fui atingido por mais um tiro na cintura perto da coluna. Gritei por ajuda, mas não havia ninguém. Tirei o telefone e liguei para meus assessores. A Dra. Nathália Carrascalão (hoje Embaixadora em Portugal) atendeu prontamente e eu, muito calmamente, disse para chamar a ambulância por que tinha sido ferido. E fiquei só (os militares fugiram) esperando o socorro chegar.

Dr. Álvaro Madeira: Passou pela sua cabeça, em algum momento, que era a hora de sua morte?

Eu nunca pensei em morte. Até chegar a ambulância passaram-se 20 ou 30 minutos. Chegaram alguns familiares nestes minutos até chegada da ambulância com um enfermeiro. Mas era uma ambulância velha. Puseram-me numa maca sem cinturão, então fui mexendo bastante e me segurando para não cair. Eu me lembro da corrida do motorista da ambulância. Eu dizia: "Vá devagar! Ainda vamos atropelar alguém!"

Disse isto várias vezes. Naquele momento, não me preocupava comigo. Eu me preocupava em ferir alguém naquela velocidade. Mas todos os médicos depois me falaram que se eu demorasse mais teria morrido, pois já havia sangrado muito.
Dr. Álvaro Madeira: Foi noticiado que o senhor foi então levado para as instalações de uma Unidade de Cuidados Intensivos do exército australiano. O senhor atribui sua vida ter sido salvo a este atendimento realizado pelos Intensivistas?

Presidente Ramos-Horta: Sem dúvida! Se não fosse esta unidade australiana super equipada e com elementos prontamente preparados para aquele atendimento não estaria vivo. Inclusive soube que cerca de 80 soldados do exército australiano doaram sangue para mim. Depois de uma primeira cirurgia aqui e estabilização, fui transportado por um helicóptero e fui levado para o aeroporto. O destino foi Darwin (Austrália) em um avião especial que voava muito baixo para evitar variações de pressão. Os médicos do Royal Darwin Hospital disseram que foram os médicos de Dili (Timor Leste) que me salvaram. Em Darwin ainda fiz muitas cirurgias.

Dr. Álvaro Madeira: Lá o senhor permaneceu algum tempo em uma Unidade de Terapia Intensiva. O senhor se recorda deste período?

Presidente Ramos-Horta: Sim, fiquei dez dias em coma induzido. Recobrei minha consciência no dia 22 de fevereiro de 2008. O engraçado é que antes do atentado, eu tinha programado uma visita de estado para Austrália, começando por Adelaide. Eu deveria chegar a Adelaide para um evento grande ali e quando sai do coma, a enfermeira me leu algumas informações, inclusive a data em que estávamos. "Hoje é 22 de fevereiro de 2008", disse. Então, respondi: "Você está enganada, em 22 de fevereiro de 2008, eu tenho que estar em Adelaide". Ela olhou para mim não entendendo bem e eu falava: "Não, eu tenho um compromisso.". Porque o que eu me lembrava era de 11/02/2008. Achei que ela tivesse lido mal o dia. Naquele momento chegou também um militar australiano que trabalhava comigo e a primeira coisa que eu disse a ele: "Posso ainda ir a Adelaide?" Ele me olhou meio surpreendido. "Não senhor presidente, não pode ir, mas eles já sabem e compreendem". Fiquei mais aliviado sim.

Dr. Álvaro Madeira: Senhor Presidente, gostaria que o senhor deixasse uma mensagem para os médicos intensivistas membros da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a AMIB.

Presidente Ramos-Horta: Por meio do Dr. Álvaro Madeira queria transmitir a todos os médicos intensivistas e todo o pessoal que trabalha com estes médicos, que sei que vocês estão na linha de frente para salvar vidas. Sem vocês haveria muito mais mortes. Por isto registro aqui minha mensagem de reconhecimento e muito agradecimento e de coragem para intensificar e melhorar cada vez mais esta unidade da classe Médica.

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