quarta-feira, 18 de maio de 2011

OITO PROPOSTAS URGENTES PARA OUTRA EUROPA




ERIC TOUSSAIN - CADTM

A crise abalou a União Europeia nos seus alicerces. O laço da dívidafechou-se sobre vários países que estão agora presos pelo pescoço pelosmercados financeiros. Com a cumplicidade activa dos governos no poder, aComissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, as instituições financeiraspor detrás da crise enriquecem, especulando sobre as dívidas dos Estados. Osempregadores aproveitam-se da situação para lançar uma ofensiva brutal contrauma série de direitos sociais e económicos da maioria da população.

A redução do défice público não deve ser conseguida pela redução dos gastossociais públicos, mas sim pelo aumento das receitas fiscais, e a luta contra agrande evasão fiscal, maior tributação do capital, das operações financeiras,dos bens e rendimentos dos agregados familiares ricos. Para reduzir o défice, étambém necessário reduzir drasticamente os gastos de armamento e outrasdespesas socialmente inúteis e perigosas para o ambiente. Pelo contrário, évital aumentar os gastos sociais, em especial para compensar os efeitos dadepressão económica. Para além disso, é preciso considerar esta crise como umaoportunidade de romper com a lógica capitalista e levar a cabo uma mudançaradical na sociedade. A nova lógica a criar deve romper com o produtivismo,integrar a questão ecológica, erradicar as diversas formas de opressão (racial,patriarcal, etc.) e promover o bem comum.

Para isso, devemos construir uma frente anticrise, tanto a nível europeucomo local, para reunir energias de forma a criar uma relação de forças favorávelà prática de soluções radicais centradas na justiça social e climática. Emagosto de 2010, o CADTM formulou oito propostas com respeito à actual crise naEuropa |1|.O elemento central é a necessidade de proceder à anulação da parte ilegítima dadívida pública. Para isso, o CADTM recomenda uma auditoria da dívida públicafeita sob controlo dos cidadãos. Esta auditoria deve, em certas circunstâncias,ser combinada com uma suspensão unilateral e soberana do reembolso da dívidapública. O objectivo da auditoria é conseguir o cancelamento/repúdio da parteilegítima da dívida pública e reduzir drasticamente a dívida remanescente.

A redução radical da dívida pública é uma condição necessária mas nãosuficiente para tirar da crise os países da União Europeia. Deve sercomplementada por uma série de medidas de grande alcance em vários domínios.

1. Realizar uma auditoria da dívida pública a fim de anular a parteilegítima.

Uma parte importante da dívida pública dos Estados da União Europeia éilegítima porque resulta de uma política deliberada dos governos que decidiramprivilegiar sistematicamente uma classe social, a classe capitalista, e outrascamadas favorecidas em detrimento do resto da sociedade. A baixa dos impostossobre os altos rendimentos das pessoas físicas, sobre o seu património, sobreos lucros das empresas privadas têm levado as autoridades a aumentar a dívidapública para preencher o vácuo deixado por esta baixa.Têm também aumentadofortemente a carga fiscal sobre as famílias de baixo rendimento que constituema maioria da população. A isso tem-se adicionado desde 2007-2008, o resgate deinstituições financeiras privadas, responsáveis pela crise, que custou muitocaro às finanças públicas e fez explodir a dívida pública. A diminuição dareceita provocada pela crise causada pelas instituições financeiras privadasteve de ser novamente preenchida por meio de empréstimos maciços. Este quadrogeral confere claramente ilegitimidade a uma parte importante da dívidapública. A isso acrescentam-se, num certo número de países sujeitos à chantagemdos mercados financeiros, outras fontes evidentes de ilegitimidade. As novasdívidas contraídas a partir de 2008 foram-no num contexto onde os banqueiros (eoutras instituições financeiras privadas) utilizam o dinheiro fornecido abaixas taxas de juros pelos bancos centrais para especular e forçar os poderespúblicos a aumentar as taxas que lhes pagam. Além disso, em países como aGrécia, Hungria, Letónia, Roménia e Irlanda, a condições dos empréstimos do FMIconstituem uma violação dos direitos sociais e económicos das populações. Parapiorar a situação, estas condições favorecem mais uma vez os banqueiros eoutras instituições financeiras. Por estas razões, eles também são marcadospela ilegitimidade. Finalmente, em alguns casos, a vontade das pessoas tem sidoviolada: por exemplo, enquanto em Fevereiro de 2011, os irlandeses votaram porlarga maioria contra os partidos que fizeram doações aos banqueiros e aceitaramas condições impostas pela Comissão Europeia e o FMI, o novo governo decoligação prossegue aproximadamente a mesma política dos seus predecessores. Deforma mais geral, assiste-se em alguns países a uma marginalização do poderlegislativo em favor de uma política do facto consumado imposta pelosexecutivos que fazem acordos à parte com a Comissão Europeia e o FMI. O poderexecutivo apresentaem seguida este acordo ao Parlamento em termos de pegar oulargar. Por vezes temas de importância primordial são até mesmo aprovados comdebates sem votação. A tendência dos executivos para transformar oslegislativos num serviço de registos vai aumentando.

Neste contexto extremamente preocupante, sabendo que um punhado de Estadosenfrentará mais cedo ou mais tarde um verdadeiro risco de incumprimento porfalta de liquidez e que o reembolso de uma dívida ilegítima é por princípioinaceitável, convém pronunciar-se claramente pela anulação das dívidasilegítimas. Anulação cujos custos devem ser suportados pelos autores da crise,a saber as instituições financeiras privadas.

Países como a Grécia, Irlanda, Portugal e países da Europa do Leste (e forada UE, países como a Islândia), isto é, países que são chantageados porespeculadores, pelo FMI e outros organismos como a Comissão Europeia, devemrecorrer a uma moratória unilateral sobre o pagamento da dívida pública. Estaproposta torna-se popular nos países mais afectados pela crise. Em Dublin nofinal de Novembro de 2010, numa pesquisa de opinião conduzida por telefonejunto a 500 pessoas, 57% dos irlandeses estavam a favor de uma suspensão depagamentos da dívida (“default”, em Inglês), ao invés de uma ajuda deemergência do FMI e de Bruxelas. "Default! Say the people” (Suspensão dopagamento! diz o povo), era título do Sunday Independent, o principaldiário da ilha. Segundo o CADTM, uma tal moratória unilateral deve sercombinada com a realização de uma auditoria dos empréstimos públicos (com aparticipação do cidadão). A auditoria deverá permitir trazer ao governo e aopúblico as provas e argumentos necessários para o cancelamento ou o repúdio daparte da dívida identificada como ilegítima. O direito internacional e odireito interno dos países proporcionam uma base legal para essa decisãosoberana unilateral de cancelamento/repúdio.

Para os países que recorrem à suspensão do pagamento, e tendo em conta a suaexperiência sobre a questão da dívida dos países do Sul, o CADTM adverte contrauma medida incompleta, como uma mera suspensão de pagamentos, que pode sercontraproducente. É preciso uma moratória sem adição de juros sobre osmontantes da dívida em atraso.

Em outros países como França, Reino Unido ou a Alemanha, não énecessariamente imperativo declarar uma moratória unilateral durante arealização da auditoria. Ela deve ser realizadacom o fim de determinar aextensão do cancelamento/repúdio ao qual se deve proceder. Em caso dedeterioração da conjuntura internacional, uma suspensão do pagamento podetornar-se necessária mesmo para países que se pensavam ao abrigo da chantagemdos credores privados.

A participação dos cidadãos é um requisito essencial para assegurar aobjectividade e transparência da auditoria. A comissão de auditoria deverá sercomposta principalmente por diversos órgãos do Estado interessado, bem como porperitos de auditoria das finanças públicas, economistas, juristas,especialistas constitucionalistas, representantes de movimentos sociais... Talpermitiria identificar as diferentes responsabilidades no processo da dívida eexigir que os responsáveis nacionais e internacionais prestem contas à justiça.Em caso de atitude hostil do governo em relação à auditoria, é necessárioestabelecer uma comissão de auditoria cidadã sem a participação do governo. Emqualquer caso, é legítimo que as instituições privadas e pessoas físicas comaltos rendimentos que detêm os títulos dessas dívidas suportem o ónus docancelamento da dívida soberana ilegítima, porque eles são em grande parteresponsáveis pela crise da qual além do mais se beneficiaram imenso. O facto deque eles devem arcar com o peso da anulação não é mais que uma justa reposiçãoda justiça social. É importante criar um registo de detentores de títulos paracompensar os cidadãos no seu seio com rendimentos baixos e médios.

Se a auditoria demonstrar a existência de delitos relacionados com a dívidailegítima, os autores deverão ser severamente condenados a pagar indemnizaçõese não devem escapar a penas de prisão, dependendo da gravidade de suas acções.Temos que pedir contas na Justiça às autoridades que tenham lançado empréstimosilegítimos.

No que diz respeito às dívidas que não são marcadas pela ilegitimidade,convirá impor um esforço aos credores em termos de redução dos valores, dastaxas de juros e para o alongamento do período de reembolso. Convirá realizaruma discriminação positiva em favor dos pequenos detentores de títulos dadívida que convirá reembolsar normalmente. Além disso, o montante do orçamentodo Estado destinado ao pagamento da dívida deverá ser limitado em função doestado da economia, a capacidade de pagar dos governos e a natureza nãoredutível dos gastos sociais. Temos de aprender com o que foi feito para aAlemanha após a Segunda Guerra Mundial. O Acordo de Londres de 1953 sobre adívida alemã que consistia na redução de 62% do valor da dívida estipulava quea relação entre o serviço da dívida e as receitas de exportação não deviaexceder 5% |2|.Pode definir-se uma relação deste tipo: a soma atribuída à amortização dadívida não pode ultrapassar 5% da receita do Estado. É preciso também adoptarum quadro jurídico com vista a impedir a repetição da crise que começou em2007-2008 : a interdição de socialização de dívidas privadas, a obrigação derealizar uma auditoria permanente da política da dívida pública com aparticipação dos cidadãos, a não prescrição dos crimes relacionados com oendividamento ilegítimo, a nulidade das dívidas ilegítimas...

2. Parar os planos de austeridade, pois são injustos e aprofundam acrise

De acordo com as exigências do FMI, os governos europeus optaram por impor àsua população uma rígida política de austeridade, com cortes nos gastospúblicos : despedimentos da função pública, congelando ou baixando os saláriosdos funcionários, reduzindo o acesso a alguns serviços públicos essenciais e àprotecção social, atrasando a idade de acesso à reforma. Em contrapartida, asempresas públicas reclamam – e obtêm – um aumento das tarifas, enquanto o custodo acesso à saúde e educação também é revisto para cima. O recurso ao aumentode impostos indirectos particularmente injustos, especialmente o IVA, estácrescendo. As empresas públicas no sector competitivo são privatizadasem massa.As políticas de austeridade implementadas são elevadas a um nível nunca vistodesde a Segunda Guerra Mundial. Os efeitos da crise são assim ampliados pelochamados remédios, que visam principalmente proteger os interesses dos donos docapital. Em suma, os banqueiros bebem, os povos brindam!

Mas as pessoas suportam cada vez menos a injustiça dessas reformas marcadaspor uma regressão social de grande amplitude. Em termos relativos, são osassalariados, os desempregados e as famílias de baixo rendimento que são osmais solicitados para que os Estados continuem a engordar os credores. E entreos mais afectados, as mulheres ocupam o primeiro lugar porque a organizaçãoactual da economia e da sociedade patriarcal lhes impõem os efeitos desastrososda precariedade, do trabalho parcial e mal pago. Directamente afectados peladeterioração dos serviços públicos sociais, elas pagam um preço alto. A lutapara impor uma outra lógica é inseparável da luta pelo respeito absoluto dosdireitos das mulheres.

3. Estabelecer uma verdadeira justiça fiscal europeia e umaredistribuição justa da riqueza. Proibir as transacções com paraísos fiscais elegais. Lutar contra a fraude fiscal em massa das grandes empresas e dos maisricos.

Desde 1980 os impostos directos sobre os rendimentos mais altos e as grandesempresastêm vindo a baixar. Assim, na União Europeia, de 2000 a 2008 as taxas maiselevadas do imposto sobre o rendimento e do imposto sobre as sociedades caíram7 e 8,5 pontos respectivamente. Essas centenas de bilhões de euros emincentivos fiscais têm sido largamente orientados para a especulação e aacumulação de riqueza por parte dos mais ricos.

É preciso combinar uma profunda reforma da fiscalidade num sentido dejustiça social (reduzir o rendimento e o património dos mais ricos paraaumentar os da maioria da população) com a sua harmonização a nível europeupara evitar o dumping fiscal |3|.O objectivo é aumentar as receitas públicas principalmente através do impostoprogressivo sobre o rendimento das pessoas físicas mais ricas (a taxa marginalsobre a maior fatia de rendimento deve ser aumentada para 90% |4|),do imposto sobre o património a partir de determinado valor e do imposto sobreas sociedades. Este aumento da receita deve ser acompanhado por um rápidodeclínio do preço dos bens e serviços de primeira necessidade (alimentosbásicos, água, electricidade, aquecimento, transportes públicos, materialescolar...), principalmente pela redução drástica e direccionada do IVA sobreesses bens e serviços essenciais. Trata-se também de adoptar uma políticafiscal que promova a protecção do ambiente tributando de maneira dissuasiva asindústrias poluentes.

A UE deve adoptar um imposto sobre transacções financeiras, principalmentesobre os mercados de câmbio com vista a aumentar as receitas públicas.

Os vários G20, apesar das suas declarações de intenções, recusaram lutareficazmente contra os paraísos judiciários e fiscais. Uma medida simples paralutar contra os paraísos fiscais (que fazem perder cada ano aos países do Nortemas também aos do Sul recursos vitais para o desenvolvimento das populações)consiste em o Parlamento proibir a todos os indivíduos e todas as empresaspresentes no seu território realizar transacções, quaisquer que sejam, por meiode paraísos fiscais, sob pena de multa de valor equivalente. Além disso, épreciso erradicar esses buracos negros das finanças, o tráfico criminoso, acorrupção e a delinquência dos colarinhos brancos.

A fraude fiscal priva a comunidade de meios consideráveis e joga contra oemprego. Devem ser atribuídos meios públicos consequentes aos serviços dasfinanças para lutar eficazmente contra essa fraude. Os resultados devem sertornados públicos e os culpados fortemente sancionados.

4. Regular os mercados financeiros, nomeadamente através da criaçãode um cadastro de detentores de títulos, da proibição de vendas a descoberto eda especulação numa série de áreas. Criar uma agência pública europeia deavaliação.

A especulação à escala mundial representa várias vezes a riqueza produzidano planeta. A montagem sofisticada da mecânica financeira torna-a totalmenteincontrolável. As engrenagens que ela suscita desestruturaram a economia real.A opacidade das operações financeiras é a regra. Para tributar os credores nafonte eles devem ser identificados. A ditadura dos mercados financeiros devecessar. A especulação deve ser proibida em várias áreas. A especulação emtítulos da dívida pública, sobre as moedas, sobre os alimentos deve serproibida |5|.As vendas a descoberto |6|também devem ser totalmente proibidas e os “Credit Default Swaps” (CDS) devemser estritamente regulamentados. É preciso fechar os mercados de derivados quesão verdadeiras fossas negras que escapam a toda a regulamentação e supervisão.

O sector das agências de classificação (rating) também deve ser reformado eenquadrado de forma rigorosa. Longe de serem instrumento de avaliaçãocientífica objectiva, elas são estruturalmente partes interessadas daglobalização neoliberal e têm provocado repetidamente catástrofes sociais. Comefeito, a degradação da pontuação do país implica uma subida da taxa de jurosobre os empréstimos concedidos. Como resultado, a situação económicadeteriora-se ainda mais. O comportamento de rebanho dos especuladoresmultiplica as dificuldades que vão pesar ainda mais fortemente sobre aspessoas. A forte submissão das agências de avaliação financeiranorte-americanas faz destas agências de avaliação um actor chave a nívelinternacional, cuja responsabilidade na iniciação e evolução da crise não ésuficientemente destacada pelos média. A estabilidade económica dos paíseseuropeus foi colocada nas mãos das agências de classificação, sem garantias nemmeios de controlo sérios por parte dos poderes públicos. A criação de umaagência pública de avaliação é essencial para sair deste impasse.

5. Transferir sob controlo dos cidadãos os bancos para o sectorpúblico.

Depois de décadas de abusos financeiros e privatizações, é hora de colocar osector bancário no domínio público. Os Estados devem recuperar a sua capacidadede controlo e direcção da actividade económica e financeira. Eles devem tambémter instrumentos de investimento e de financiamento da despesa pública,minimizando os empréstimos de instituições privadas e/ou estrangeiras. Épreciso expropriar sem indemnizações os bancos para os transferir para o sectorpúblico sob o controlo dos cidadãos.

Em alguns casos, a expropriação dos bancos privados pode representar umcusto para o Estado por causa das dívidas que acumularam. O custo em causa deveser recuperado a partir do património dos grandes accionistas. Na verdade, asempresas privadas que são accionistas de bancos e que os levaram ao abismoenquanto faziam lucros substanciais detêm uma porção dos seus activos em outrossectores da economia. É preciso fazer uma punção geral sobre a riqueza dosaccionistas. Trata-se de evitar ao máximo socializar as perdas. O exemploirlandês é emblemático de como é inaceitável a forma como nacionalização do IrishAllied Bank foi efetuada. Temos de tirar lições.

6. Socializar as numerosas empresas e serviços privatizados desde1980

Uma característica dos últimos 30 anos tem sido a privatização de muitasempresas e serviços públicos. De bancos ao sector industrial, passando peloscorreios, as telecomunicações, energia e transporte, os governos têm entregadogrande parte da economia aos privados, perdendo de passagem qualquerpossibilidade o controlo da economia. Esses bens públicos resultantes dotrabalho colectivo devem voltar para o domínio público. Isto criará novasempresas e serviços públicos para se adaptar às necessidades da população,respondendo em particular ao problema das alterações climáticas, por exemplocom a criação de um serviço público de isolamento das habitações.

7. Reduzir drasticamente o tempo de trabalho para criar empregosaumentando salários e pensões em paralelo

Distribuir de outra forma a riqueza é a melhor resposta à crise. A porção dariqueza gerada destinada aos assalariados caiu significativamente ao longo devárias décadas, enquanto os credores e as empresas têm aumentado os seus lucrospara os consagrar à especulação. Aumentar os salários não só permite às pessoasviverem com dignidade, como também reforça os meios utilizados para financiar aprotecção social e os regimes de pensões.

Ao reduzir o tempo de trabalho sem redução de salários e ao criar empregosmelhora-se a qualidade de vida dos trabalhadores, dá-se emprego àqueles que oprocuram. A redução radical do tempo de trabalho também oferece a oportunidadede praticar um ritmo de vida diferente, uma maneira diferente de viver emsociedade, longe do consumismo. O tempo poupado para a recreação deve permitiruma maior participação do povo na vida política, reforçar a solidariedade, asactividades voluntárias e criatividade cultural.

8. Reedificar democraticamente uma outra União Europeia baseada nasolidariedade.

Muitas disposições dos tratados que regem a União Europeia, a Zona Euro e oBCE devem ser revogadas. Por exemplo, deve excluir-se as seções 63 e 125 doTratado de Lisboa que proíbem qualquer controlo sobre os movimentos de capitaise qualquer ajuda a um Estado em dificuldades. É também necessário abandonar oPacto de Estabilidade e Crescimento. Além disso, é preciso substituir ostratados atuais por novos, no âmbito de um processo constituinte democráticogenuíno com vista a alcançar um pacto de solidariedade dos povos para o empregoe a ecologia.

E preciso rever por completo a política monetária bem como o estatuto e aprática do Banco Central Europeu. A incapacidade do poder político para imporao BCE a criação de dinheiro é um obstáculo muito gravativo. Com a criaçãodeste BCE que está acima dos governos e portanto dos povos, a UE fez umaescolha desastrosa, uma escolha que submete o humano à finança e não o oposto.

Ao passo que muitos dos movimentos sociais denunciavam os artigos demasiadorígidos e profundamente inadequados, o BCE foi obrigado a mudar de mira no augeda crise, alterando de emergência o papel que lhe foi atribuído. Infelizmenteconcordou em fazê-lo pelas razões erradas: não de modo a que os interesses daspessoas fossem tidos em conta, mas com vista a proteger os interesses doscredores. Isto é a prova que as cartas devem ser baralhadas e redistribuídas: oBCE deve ser capaz de financiar directamente os Estados em causa para atingiros objectivos sociais e ambientais que integram perfeitamente a necessidadesbásicas das populações.

Actualmente, actividades económicas muito diferentes, tais como oinvestimento na construção de um hospital ou um projecto especulativo sãofinanciados de forma semelhante. O poder político deve, pelo menos, reflectirsobre a imposição de custos muito diferenciados: as taxas baixas devem serreservadas para os investimentos socialmente justos e ambientalmentesustentáveis, e taxas muito elevadas, até mesmo proibitivas quando a situação opedir, para operações de tipo especulativo, que também é desejável proibir purae simplesmente em certas áreas (ver acima).

Uma Europa baseada na solidariedade e cooperação deve permitir virar ascostas à competição e à concorrência, que empurram "para baixo". Alógica neoliberal levou à crise e revelou o fracasso. Ela fez descer osindicadores sociais: menos bem-estar, menos empregos, menos serviços públicos.Os poucos que têm lucrado com esta crise têm-no feito por desrespeito dosdireitos da maioria. Os culpados ganham, as vítimas pagam! Essa lógica quesubjaz a todos os textos fundadores do Pacto de Estabilidade e Crescimento daUE na liderança deve ser posta em causa: ela não é mais sustentável. Uma outraEuropa baseada na cooperação entre os Estados e na solidariedade entre os povosdeve tornar-se a prioridade. Para tal, a política orçamental e fiscal não deveser uniforme porque as economias europeias têm grandes diferenças, mascoordenada, para que finalmente surja uma solução "para cima".Políticas abrangentes a nível europeu, incluindo investimento público maciçopara a criação de empregos públicos em áreas essenciais (dos serviços comunitáriosàs energias renováveis, da luta contra as alterações climáticas aos sectoressociais básicos) devem ser impostas.

Esta outra Europa democratizada deve segundo o CADTM trabalhar para imporprincípios não negociáveis: o reforço da justiça social e fiscal, escolhasviradas para a elevação do nível e da qualidade de vida dos seus habitantes,desarmamento e redução radical das despesas militares (incluindo a retirada dastropas europeias do Afeganistão e saída da OTAN), as opções de energiasustentável sem o recurso à energia nuclear, a rejeição dos organismosgeneticamente modificados (OGM). Deve também, resolutamente, pôr termo à suapolítica de fortaleza sitiada contra os candidatos à imigração para se tornar oparceiro de uma justa e verdadeira solidariedade para com os povos do Sul doplaneta.

Tradução de Guilherme Coelho, revisão de Noémie Josse

Notas
|1| Ver http://www.cadtm.org/Juntos-para-im.... Retomamos aqui estas oito propostas actualizando-as e desenvolvendo-as.
|2| Ver Eric Toussaint, Banque mondiale: Coup d’Etatpermanent, CADTM-Syllepse-Cetim, Paris-Liège-Genève, 2006, Capítulo 4.
|3| Referimo-nos à Irlanda que pratica uma taxa de apenas12,5% sobre os lucros corporativos.
|4| Note-se que a taxa de 90% foi imposta aos ricos dapresidência de Franklin Roosevelt nos Estados Unidos na década de 1930.
|5| Ver DamienMillet e Eric Toussaint, A Crise, quecrise?,Aden-CADTM-Cetim, 2010, capítulo 6.
|6| As vendas a descoberto permitem especular sobre aqueda de um título vendendo a prazo esse título mesmo sem o ter. As autoridadesalemãs proibiram a venda a descoberto ao passo que as autoridades francesas ede outros países se opõem a esta medida.

P.S.
Eric Toussaint, Doutorem ciencias Políticas pelas Universidades de Liège eParis VIII, Presidente da CADTM Bélgica, membro do Conselho Internacional doFórum Social Mundial e da Comissão presidencial de auditoria da dívida (CAIC)do Equador, membro do Conselho Científico da ATTAC França, autor do livro: ABolsa ou a Vida – As finanças contra os povos, Perseu Abramo, Sao Paulo, 2002;coautor do livro: 50 perguntas 50 respostas sobre a dívida, o FMI e o BancoMundial, Boitempo Editorial, Sao Paulo, 2006. Próximo livro a ser publicado emJunho de 2011: La Dette ou la Vie, Aden-CADTM, 2011 (obra colectiva coordenadapor Damien Millet e Eric Toussaint).

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