terça-feira, 10 de maio de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 14




MARTINHO JÚNIOR

LIÇÕES PARA NÃO ESQUECER

Com o colapso do bloco socialista, a ascensão da lógica capitalista sem limites para o neo liberalismo, para o lucro com base na rapina, para a lavagem de dinheiro proveniente do crime e para a imposição de estratégias energéticas sobre os demais, bem como para a especulação financeira, acompanhou a evidência da hegemonia e o cortejo de horrores que é o sinal cruento de sua acção.

Desde então, todos os estados e povos no mundo (inclusive o povo dos Estados Unidos) sentiram directa ou indirectamente a capacidade de ingerência da hegemonia (quantas vezes a coberto do rótulo da “globalização”, quantas outras vezes em nome de enredos pseudo-humanitários) nos seus assuntos internos e nas regiões onde se circunscrevem geograficamente, uma capacidade de múltiplos recursos, em relação à qual parece não haver, por parte dos alvos, nem antídotos, nem alternativas.

A instalação consentida ou forçada da “democracia representativa”, particularmente a partir do início da década de 90 do século XX, foi “meio caminho andado” para a imparável proliferação das ingerências e manipulações com vista a colocar no poder gente afecta aos interesses da aristocracia financeira mundial, numa grande parte dos estados alvos da Europa do Leste e do chamado Terceiro Mundo, com África em evidência.

Na história de Angola por exemplo já haviam até antecedentes:

Quando aconteceu a Conferência do Alvor em que Mário Soares era um dos mentores e promotores, os Estados Unidos tinham já na forja uma estratégia em direcção à guerra sob orientação de Henry Kissinger: a paz e o diálogo eram expostos no Alvor, mas nos bastidores a agressão da CIA a Angola estava eminente… mais tarde as ligações de Mário Soares à CIA foram postas a claro por um membro do Partido Socialista, Rui Fernando Pereira Mateus que depois de escrever a denúncia em livro, poucos ou nenhuns sinais de vida têm dado (o autor e o livro)…

Anos mais tarde Angola, para dar oportunidade à “democracia representativa” segundo a ementa-padrão norte americana posta em prática logo a seguir ao Acordo de Nova York, teve de acabar com as FAPLA, que haviam vencido no campo de batalha o regime do “apartheid”, da maneira mais inglória possível e sob pressão da “troika” que tinha os Estados Unidos à cabeça e a Rússia e Portugal como “parceiros” submissos: contribuindo para a formação das FAA com a mesma quantidade de efectivos que as FALA, as FALA duma UNITA que fora a maior aliada das SADF na África Austral!

Vem isto a propósito da contemporização, valorização e defesa das políticas de ingerência dos Estados Unidos por todo o mundo, com recurso a acções militares e dos seus serviços de inteligência, a coberto por vezes até das mais humanas evocações.

Tomados pela lógica capitalista, os estadistas e governantes da esmagadora maioria de países do mundo, inclusive países Não Alinhados, a coberto das “democracias representativas” mais ou menos subservientes da hegemonia, têm dado cada vez mais provas de, ao se sintonizarem com as intenções das sucessivas Administrações Norte Americanas e de seus aliados nos relacionamentos internacionais, subavaliarem as suas capacidades de ingerência e manipulação, particularmente as capacidades operativas dos serviços de inteligência ao dispor da hegemonia, apesar dos sinais cada vez mais visíveis desse critério.

O Conselho de Segurança da ONU em várias ocasiões tem servido às pretensões da hegemonia e, no caso da Líbia, uma vez mais essa tendência foi confirmada conforme a discussão e aprovação da Resolução nº 1973.

A ONU, desvaloriza cada vez mais a Assembleia Geral, o seu organismo mais colegial, a fim de concentrar tanto quanto o possível no Conselho de Segurança, circunscrito e afecto às potências, o poder de decisão favorável à hegemonia.

Muitas questões deixaram de ser consideradas e por isso nem debatidas foram; por exemplo:

A aprovação da Resolução 1973 em relação à Líbia não teve em conta antecedentes históricos de ingerência militar e dos serviços de inteligência das potências (tendo em conta múltiplos exemplos, entre eles o exemplo do caso angolano em 1975), inclusive antecedentes recentes que implicaram acções fora do contexto da ONU, que utilizaram mentiras e propaganda a fim de as procurar legitimar, como no caso da invasão do Iraque, por causa de armas de destruição massiva que nunca existiram.

A aprovação da Resolução 1973 em relação à Líbia motivaram posições que jamais levaram em conta que o acesso ao petróleo e ao gás tem sido a vocação real dilecta das prioridades mais estratégicas das potências ao longo das duas últimas décadas, em prejuízo dos interesses das nações e dos povos que sofrem ingerências, manipulações e guerras por causa do poder da hegemonia nessas disputas, sempre com rótulos de propaganda recorrendo aos medias “de referência” que visam esconder seus verdadeiros interesses.

A aprovação da Resolução 1973 em relação à Líbia, foi de ânimo leve, pois as lacunas que contém, faziam prever que as acções militares a levar a cabo poderiam ganhar rapidamente outros contornos, subvertendo a intenção expressa na própria Resolução.

A aprovação da Resolução 1973 em relação à Líbia, não deixa transparecer que, por parte das potências intervenientes, sob a capa das vítimas haviam dispositivos que correspondiam a ingerências, que estabeleciam um campo de rebelião armada favorável e subserviente às potências ocidentais a partir do antigo território do Emir da Cirenaica, fomentando no mínimo a divisão do país.

A aprovação da Resolução 1973 em relação à Líbia, não favoreceu as possibilidades de abertura para com o diálogo e as conversações, obstruindo pelo contrário o caminho nesse sentido, ao estabelecer um conjunto de acções militares, ao invés de antes procurar, pela via das sanções e das pressões político-diplomáticas, viabilizar caminhos que viessem beneficiar o povo líbio e a sua vocação democrática efectivamente sustentável e realizável.

Os países africanos que votaram a favor, a Nigéria, o Gabão e a África do Sul, não souberam em nome da Unidade Africana, avaliar os riscos como a possibilidade de intervenção da OTAN que, em resultado das falências acumuladas na solução da situação na Líbia, existem para África, cujo mapa começa a ser redesenhado de acordo com a vontade norte americana e de seus aliados, revivendo em novos moldes os termos de mais uma Conferência de Berlim!

Como podem comprovar agora que organizações de rebeldes líbias, algumas das quais próximas da CIA e outras até da Al Qaeda, possam um dia participar numa “democracia representativa” dos interesses do povo líbio?

Agora que se está a entrar em mais uma situação pantanosa em que o os povos são o grande perdedor, as possibilidades de diálogo e de paz tornam-se muito mais difíceis e remotas do que na altura de lhes dar oportunidade (quando eu escrevi Salvar a Líbia, imediatamente antes de ser tomada a Resolução 1973 do Conselho de Segurança)…

As elites africanas quase todas formatadas num quadro de capitalismo, estão a demonstrar incapacidade de tornar África num continente de paz, efectiva democracia e de desenvolvimento sustentável imune à rapina, às ingerências e às manipulações.

Elas pelo contrário, cada vez mais perdem capacidade de prevenção para concorrerem para a oportunidade de semearem as minas e armadilhas que são estabelecidas pelos programas dos serviços de inteligência das potências, (em que muitas vezes elas próprias acabam por pisar), tirando partido de sua enorme superioridade, na expectativa de cada vez mais domínio, ingerência e “eterna vocação” pela rapina.

A África dá sinais de completa impotência, por muito que os fenómenos desencadeados pelas potências a perturbem.

No continente continuam a ser praticadas as maiores barbaridades contemporâneas, na sequência do que vinha ocorrendo nos séculos anteriores, tornando o neocolonialismo cada vez mais viável.

Evocam muitos o episódio terrível do holocausto dos judeus e de outros, praticados por Hitler, mas esses mesmos fazem tudo para se esquecer a contínuo holocausto que África vem sofrendo de há séculos a esta parte, sob a capa dos mais variados motivos, mas sempre por causa da cobiça de suas riquezas!

Uma grande parte dessas elites africanas vão-se manifestando factualmente parte do problema e como tal devem ser denunciadas.

Martinho Júnior - 8 de Maio de 2011

O amigo americano: Rui Mateus, o homem que sabe demais

António Pina do Amaral – O Diabo
  
Na semana passada perguntava-se aqui que era feito de Rui Mateus e porque nada acontecera após o livro que escreveu. Perceber o mistério passa não só por estar a par dos escândalos de Macau, mas também do lado oculto de uma história ainda por contar.

Lê-se o livro do socialista Rui (Fernando Pereira) Mateus e dá-se logo conta das referências que nele se contêm à Central Intelligence Agency, os serviços de informações no exterior do Governo dos EUA. Ele sabe do que está a falar. Vê-se que a literatura sobre espionagem faz parte das suas preferências. Até aqui, ainda pertencia ao historiador José Freire Antunes o melhor palmarés das revelações sobre a CIA em Portugal. Os seus dois livros da série ‘Os Americanos e Portugal’ foram recebidos com frieza nos meios ligados ao PS.

A sua revelação mais escandalosa e controversa tinha então a ver com as alegadas ligações objectivas da CIA a Mário Soares. O caso causaria sensação mas lentamente cairia no olvido. Antes dele, só o PCP se tinha dedicado ao assunto em geral, através de uma publicação organizada por Ruben de Carvalho que hoje é já uma raridade bibliográfica. Mas com o contributo de Rui Mateus há um filão que se abre, pejado de tantos detalhes de conhecimento pessoal que vai ser difícil aos visados rebaterem as imputações.

O interesse da CIA por Portugal não nasceu com o 25 de Abril, embora seja certo que a Revolução dos cravos apanhou os serviços da Agência completamente de surpresa. O lento esboroar do empenhamento da Agência na situação portuguesa veio a estar na origem no seu falhanço em prever o golpe do MFA.

Deposto Caetano, os comunistas tomaram a iniciativa. O primeiro 1º de Maio em liberdade marcou o início do PREC e a ascensão da influência soviética em Portugal. E então os americanos despertaram. E com eles a CIA, como o viria a reconhecer o próprio Director da Agência, William Colby.

No final de 1974 debatiam-se em Washington duas filosofias quanto ao caso português. A mais extremista era encabeçada pelo Secretário de Estado Henry Kissinger, para quem Portugal era um caso perdido e deveria funcionar como uma vacina, para imunizar outros países da Europa quanto a veleidades de se renderem aos encantos do socialismo revolucionário. Mas outros patrocinavam uma orientação diferente, de cunho intervencionista, por não terem perdido a esperança em contra-operarem uma mudança no curso do PREC. Entre eles destacou-se o general Vernon Walters, responsável pela indigitação de Frank Carlucci III como o novo Embaixador em Lisboa.

Mateus encontrar-se-ia com aquele em 1986.

Carlucci viria a ter um papel decisivo no apoio americano a todas as forças políticas que tinham real capacidade de enfrentarem a influência comunista no País. Chega a Lisboa em Janeiro de 1975. Sairia em 1978. No entretanto faz o que pode pelo combate anticomunista. E terá feito muito.

No campo partidário, o PS viria a ser o grande beneficiário dos apoios do Tio Sam, alguns chegados através da intermediação inglesa. Apoios que integrariam a vertente financeira mas igualmente ofensivos para fazer face a emergências como as que se viveram nesse Verão Quente.

Vinte anos depois dos acontecimentos, Mateus vem pretender reconstituir esse passado.

Neste particular, o seu livro é uma caixa de surpresas. Ele é o nome do homem da CIA destacado para seguir as actividades do PS, que é revelado ser Richard Melton, cabendo a Charles Thomas monitorar o PPD. Ele é a afirmação de que coube a Bernardino Gomes  - o chefe de gabinete de Mário Soares - e a Vítor da Cunha Rego - que desempenharia o cargo de Secretário de Estado da Presidência - os contactos entre o PS e a Agência. Ele é também a revelação de que para a própria Editora Perspectivas e Realidades - a que esteve ligado João Soares, o filho do Presidente - havia um “contacto americano”, na pessoa de um operacional das acções clandestinas da CIA, sendo por isso mesmo interessante a coincidência de a Cooperativa titular da editorial ter estado instalada num prédio onde antes havia estado a ITT. Ele é, enfim, a menção das relações privilegiadas de alguns militares do Grupo dos Nove com o Embaixador Carlucci.

O grande visado, no entanto, por esse livro demolidor é, como era aliás de esperar, Mário Soares. Em relação ao Presidente, o livro é um verdadeiro cilindro compressor, o elenco de acusações é politicamente grave e passam por colaboracionismo com todos os azimutes, primeiro em favor da causa soviética, mais tarde em favor dos interesses americanos e da CIA em particular.

O primeiro Soares era, para Mateus, tipicamente vermelho. Assim, quando do primeiro Governo Provisório, Soares não daria, segundo Mateus garantias de tranquilidade aos governos aliados e à NATO, os quais só confiariam de modo suficiente no general Spínola, primeiro Presidente da República após o 25 de Abril. Depois, já Ministro dos Negócios Estrangeiros, teria feito um périplo destinado a convencer os dirigentes ocidentais de que os comunistas iriam estar no Governo, ante a consabida má recepção que tal iria despertar junto desses círculos. Mateus insinua, aliás, que a própria presença de Cunhal no primeiro governo provisório teria sido obra da persuasão de Soares, dado o proverbial anticomunismo de Spínola.

Mateus colecciona aliás no livro referências múltiplas a situações ambíguas a partir das quais se projecta sobre Soares a suspeita de colaboracionismo com a causa de Moscovo. Uma das situações teria a ver com o amigo alemão, mein Freund Willy Brandt, um dos grandes apoios a Mário Soares durante os tempos difíceis da Oposição e da Acção Socialista

Só que, coincidência irónica, exactamente no dia 24 de Abril, Brandt havia sofrido um dos mais duros revezes na sua carreira, ao ver prender pelos serviços da contra espionagem o seu colaborador mais próximo, Günter Guillaume, acusado de, durante anos, ter sido uma infiltração leste-alemã e um poderoso agente de influência em favor dos interesses estratégicos de Moscovo. O chanceler, já então olhado com suspeição nos meios americanos pela sua Ost Politik, de abertura a Leste, viria a ficar agora completamente a descoberto. Em Maio pediria a demissão. Na euforia que se vivia então em Portugal, o evento passou despercebido. A Rui Mateus não.

O mesmo Soares teria consentido em que o PS tivesse sido financiado por fontes tão insólitas como Kadafi da Líbia, a quem teria escrito em Setembro de 1975 uma carta de respeitosa veneração, de que no livro se edita uma reprodução.

Finalmente, só após o assalto ao jornal ‘República’ Soares entraria “no bom caminho” e aceitaria a intervenção americana. Mateus não perde a oportunidade para comentar que não “perceberia (…) qual a razão pela qual Mário Soares sempre foi tão sensível aos seus contactos com a CIA”.

É por causa disso que Mateus acusa Soares, chefe do primeiro Governo Constitucional, de seguidismo em relação às posições da Agência no que respeita ao dossier Angola.

Enfim, segundo Mateus, não só a CIA estaria com Soares - isso já o tinha afirmado Freire Antunes - como Soares teria estado com a CIA. Mas, aparentemente, não só Soares.

Fica claro face ao livro que a própria génese da UGT - a central sindical alternativa à CGT/Intersindical - foi, segundo ele, uma criação americana e nomeadamente da CIA, uma vez mais com a intermediação de Mário Soares.

É que, de novo citando, o interesse da CIA em Soares, “que vinha já dos anos setenta”, seria mantido em Paris precisamente através de Irving Brown, então representante na capital francesa da American Federation of Labour/Congress of Industrial Organisations e “principal agente da CIA no Controlo da Confederação Europeia de Sindicatos Livres”.

Irving Brown e Michael Boggs - dois homens “conotados com as actividades dos serviços secretos americanos”  - chegariam aliás a Portugal precisamente em Maio de 1975 e daí recomendariam ao governo americano a constituição de uma confederação sindical alternativa, ideia em cuja implantação teria papel decisivo Maldonado Gonelha, que desempenharia o cargo de Ministro do Trabalho.

O espectro da CIA perseguirá a figura de Soares ao longo de todo o livro. Mesmo na fase pré-presidencial, Soares candidato é dado como tendo pedido a Mateus que se encarregue de obter o apoio da CIA através de contacto com Skidmore. E a este propósito Rui Mateus lança uma das suas flechas mais envenenadas, na forma de uma pergunta.

Demos a palavra a Mateus: “Depois há toda a confusão por esclarecer à volta do escândalo da venda de armas ao Irão, que, dizem, passaria por Lisboa. Será que quando se soube que os americanos hesitaram em ajudar financeiramente o PS e a campanha de Mário Soares, o Governo abriu os olhos para as missões humanitárias, provocando em Langley algum agastamento?” E, como se já não bastasse esta insinuação, remata: “O recém-empossado governo de Cavaco Silva recusara autorização a esta operação e assim se explica o desesperado telefonema do homem da CIA em Lisboa, na manhã de 23 de Novembro, querendo falar com Mário Soares e fazendo promessas de que esse apoio seria bem visto em Washington”.

Eis Rui Mateus no seu melhor.

Mas há mais quem tenha motivos para recear. Ele é o homem que sabe demais: na noite de 11 de Março, Otelo Saraiva de Carvalho, o major comandante do COPCON, avisa o Embaixador americano Frank Carlluci de que não se responsabilizará pela sua segurança. Para bom entendedor, o recado estava dado. Só que, Mateus dixit, Carlucci convida Otelo para “um encontro na Embaixada”. A partir daí Otelo fica de “boas relações” com ele. Que conversa teria sido essa que dera azo a tal mudança de atitude do jovem revolucionário graduado em General? A História o revelará. Neste particular, o livro de Ruben de Carvalho é interessante. Reporta esse contacto como tendo sido na forma de um telefonema. Mas diz que, após ele, Carlucci haveria ficado com “inteira confiança em que o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho e o Governo de Portugal são capazes e têm a intenção de assegurar a minha segurança”.


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