terça-feira, 10 de maio de 2011

UM ANO DA ERA WIKILEAKS




Greg Mitchell, The Nation  - Tradução do Opera Mundi – em Outras Palavras

Como, há doze meses, um gesto de Jullian Assange projetou uma ferramenta de internet até então desconhecida e criou um fenômeno que pode mudar a história do jornalismo e da diplomacia

A terça-feira (03/05) marcou exatamente um ano desde que o Wikileaks, que existia há três anos mas só obtinha atenção esporádica nos Estados Unidos, causou comoção mundial com a divulgação de seu vídeo Collateral Murder (Assassinato colateral), que mostrava a morte de civis iraquianos, incluindo dois funcionários da Reuters, em ataques de helicópteros norte-americanos. Este seria o primeiro de quatro importantes vazamentos do WikiLeaks nos meses subsequentes – os outros foram os “diários de guerra” do Iraque e do Afeganistão e o escândalo dos telegramas, todos supostamente passados pelo soldado Bradley Manning, ainda preso em regime de semi-isolamento em uma cela em Quantico.

Assim, recapitulemos como o Collateral Murder – e O Ano do WikiLeaks – se tornaram realidades. Um trecho de meu novo livro, Bradley Manning: Truth and Consequences (Bradley Manning: verdade e consequências).

O primeiro sinal do que estava por vir surgiu no início do ano, quando o WikiLeaks, por meio do Twitter, fez um pedido público de ajuda para decodificar um vídeo descrito como “ataques a bomba dos EUA contra civis”. Por algum motivo, o grupo sugeriu o dia 21 de março como uma possível data de divulgação.

A organização, no entanto, lutava por financiamento. Julian Assange, de 38 anos, havia pedido doações para que pudesse preparar o que descreveu como centenas de milhares de páginas de documentos relacionados a “bancos corruptos, o sistema de detenção dos EUA, a guerra no Iraque, a China, a ONU” e outros temas. Uma fundação alemã supostamente providenciou cerca de 1 milhão de dóalres para a conta do WikiLeaks, abrindo o caminho para um 2010 bastante movimentado.

Intrigado com as atividades do WikiLeaks, o jornalista da revista New Yorker Raffi Khatchadourian enviara um e-mail a Assange, e depois conversara com ele ao telefone, estabelecendo um certo grau de confiança. Assange mencionou o vídeo em termos um pouco vagos. O jornalista sabia que o vídeo se tornaria um furo se fosse divulgado. Ele queria escrever sobre o Wikileaks de qualquer modo e, com a autorização de seu editor, voou para a fria Reykjavik, na Islândia, no final de março.

Khatchadourian, autor de The Kill Company (algo como “A companhia da morte”, sobre a Operação Triângulo de Ferro no Iraque), e de um perfil de Adam Gadahn (um norte-americano que ingressou na Al-Qaeda), certamente foi visto por Assange como um bom homem para esse trabalho.

Em uma casa recém-alugada que logo foi apelidada de “bunker”, Khatchadourian encontrou uma equipe de meia dúzia de voluntários que haviam se juntado ao alto e grisalho Assange e preparavam a divulgação do vídeo de 38 minutos feito de uma cabine de pilotagem no Iraque, batizado de Projeto B. Assange havia dito ao proprietário da casa que eles eram jornalistas cobrindo a erupção vulcânica que então atrapalhava o tráfego aéreo na Europa. Ele escolhera a Islândia para a missão secreta depois de passar algum tempo no país ajudando a redigir uma lei com sólidas provisões em defesa da liberdade de expressão. Algumas pessoas envolvidas naquela luta, entre elas uma parlamentar, Birgitta Jonsdottir, agora estavam engajadas no Projeto B.

Também estava envolvido Rop Gonggrijp, um famoso hacker e empresário holandês que conhecia Assange intimamente. Como Khatchadourian descreveu em sua longa reportagem na New Yorker dois meses depois, Gonggrijp “tornou-se o gerente e tesoureiro não-oficial do Projeto B, fornecendo cerca de dez mil euros ao WikiLeaks para financiá-lo”.

O vídeo, em um disco rígido no bunker, ainda estava nos estágios iniciais de edição. Conforme Khatchadourian escreveu mais tarde, Assange não identificou a fonte do vídeo, afirmando apenas que a pessoa estava infeliz com o ataque de helicóptero no Iraque.

O jornalista registrou a descrição de Assange a seus colegas sobre o conteúdo do vídeo: “Na primeira fase, vocês verão um ataque baseado em um erro, mas certamente um erro bastante negligente. Na segunda parte, o ataque é claramente um assassinato, de acordo com a definição de uma pessoa comum. E na terceira parte vocês verão o assassinato de civis inocentes no caminho de soldados perseguindo um alvo legítimo.”

Assange trabalhava dia e noite, editando as cenas e excluindo qualquer elemento que pudesse revelar o responsável pelo vazamento, enquanto tentava decidir se divulgaria o vídeo completo e/ou uma versão mais curta, com comentários, mais amigável para o espectador. O vídeo ainda não tinha nome. Ele considerou “Permissão para Engajar” antes de escolher “Assassinato Colateral”. O jornalista da New Yorker citou-o dizendo a Gonggrijp: “Queremos derrubar esse eufemismo de ‘danos colaterais’, para que as pessoas, sempre que o usarem, pensem em ‘assassinato colateral’.”

Muito tempo se gastou analisando o vídeo em busca de indícios de alvos iraquianos carregando lança-granadas ou fuzis AK-47. Assange avistou aparentes armas, mas na maioria dos casos isso não foi conclusivo. Ele desistira de pedir ajuda a especialistas militares, pois estes não haviam sido “muito solícitos” ao saber que o objetivo era uma divulgação pelo Wikileaks.

Quebrando o código de confidencialidade, Assange despachou dois repórteres islandeses para Bagdá para notificar as famílias dos mortos ou feridos no ataque, incluindo a mãe de um menino e uma menina que estavam em uma van conduzida pelo pai. Assange queria preparar as famílias para a atenção pública, mas também obter alguns detalhes reveladores sobre o que acontecera naquele dia.

Assange fez uma confissão a Khatchadourian. Sim, ele tentara “minimizar os danos” a indivíduos em seu trabalho, mas o Wikileaks não podia gastar todo o seu tempo checando cada detalhe. Ele sabia que alguns vazamentos poderiam prejudicar inocentes – “danos colaterais, se você quiser” – e que um dia os membros do Wikileaks poderiam “sujar as mãos de sangue”.

Finalmente, Assange concluiu a versão editada, com 18 minutos, que cobria os dois primeiros ataques. Ele também usou uma citação de abertura, de Orwell: “A linguagem política é criada para fazer com que mentiras soem verdadeiras e o assassinato seja respeitável, e para dar aparência de solidez ao puro vento.” A introdução também incluiria informações sobre a morte de dois funcionários da Reuters e a investigação do Exército inocentando tripulantes nesse evento. O vídeo tratava da delicada questão das armas em terra observando que “alguns dos homens pareciam estar armados [mas] o comportamento de quase todos era relaxado”.

No bunker, Assange previu: “O vídeo mostra o que a guerra moderna se tornou e, a meu ver, as pessoas, depois de assisti-lo, sempre que ouvirem sobre um certo número de baixas resultantes de combates com apoio aéreo próximo, entenderão o que está acontecendo. O vídeo também deixa claro que civis são listados como insurgentes automaticamente, a menos que sejam crianças, e que espectadores mortos não são sequer mencionados.”

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