domingo, 26 de junho de 2011

CABOVERDIANOS EM BUSCA DO EL DORADO – GANHAR A VIDA NA GUINÉ EQUATORIAL




EXPRESSO DAS ILHAS

Grandes obras estão a ser feitas na Guiné Equatorial. Grandes empreendimentos que reclamam uma quantidade imensa de mão-de-obra qualificada. A ARG, uma empresa de construção civil brasileira, recrutou mais de uma centena de profissionais cabo-verdianos para trabalharem nas estradas que está a executar no país. E há ainda quase mil inscritos à espera de serem seleccionados, numa altura em que as inscrições estão suspensas.

À chegada, o que se vê parece ser uma cidade e com os seus cerca de 2000 habitantes quase poderia ganhar essa denominação. O acampamento da ARG em Oyala, Guiné Equatorial, tem dezenas de construções de madeira e contentores adaptados, tem tratamento de águas, salas de diversões, campos de futebol improvisados e habitantes de várias nacionalidades, inclusive cabo-verdianos.

Quando António Tavares Gonçalves, 30 anos, ouviu anunciar na rádio, que uma construtora estava à procura de mão-de-obra qualificada para trabalhar na Guiné Equatorial, decidiu inscrever-se.

Os três anos de experiência como electricista auto numa empresa também ligada à construção civil garantiram-lhe a passagem.

"Eu nunca tinha viajado, foi a minha primeira viagem. Fui daqui para São Tomé, onde estive três dias e depois para uma ilha desse país [Guiné Equatorial]. Depois fizemos mais uma viagem, até Bata. Daí até a Oyala foram 5 a 6 horas de carro", conta.

Na mesma viagem seguiam mais sete cabo-verdianos. Ao chegarem ao acampamento todos ficaram surpreendidos com a sua dimensão.

"Chegamos lá, vimos aquela gente toda. É um acampamento muito grande," diz António, ainda com algum espanto.

Foi em Maio do ano passado, que a ARG- empresa que recentemente assinou contrato com o Governo de Cabo Verde para a construção da Cidade Administrativa - se instalou na cidade da Praia para fazer selecção e recrutamento de mão-de-obra qualificada para a Guiné Equatorial. 

O país foi escolhido devido a essa "facilidade que tem com a emigração. Normalmente, os cabo-verdianos adaptam-se muito bem lá fora. Têm esse histórico-cultural. Foi feito um estudo e a ARG interessou-se. Além disso, Cabo Verde tem bastante mão-de-obra qualificada", conta Wilza Silva, representante da ARG em Cabo Verde.

As coisas correram bem. Num primeiro momento estiveram instalados no Centro de Formação Profissional da Praia. Depois mudaram-se para um escritório próprio na Achada de Santo António. Neste momento há 119 cabo-verdianos a trabalhar na Guiné Equatorial e 14 a serem treinados. A secção de recrutamento recebeu 1156 inscrições, de todas as ilhas e inclusive de imigrantes africanos no país. Devido ao elevado número de processos em espera, as inscrições foram temporariamente suspensas.

De momento, não há certezas quando ao número de trabalhadores que ainda poderão seguir para as obras da ARG.

"Pode ser que a empresa ganhe mais obras. Aqui temos uma espécie de um banco de dados sobre a mão-de-obra. Quando precisarmos, manda-se buscar", diz a representante.

Quanto aos que lá se encontram " a empresa está muito satisfeita, é pessoal qualificado. Eles vão com alguma experiência, e os técnicos lá também lhes dão alguma formação", avalia Wilza Silva.

Dos oito cabo-verdianos do grupo de António, apenas quatro ficaram no acampamento de Oyala. Os outros foram para Mongomeyen ou para Mongomo, locais onde a ARG está, actualmente, presente.

Além de Cabo Verde, a empresa recruta pessoas no Brasil e na Bolívia e apesar do bom ambiente em geral, a tendência no acampamento é para se juntarem em grupos, divididos por países. 

"Colaboramos mais no momento do trabalho", diz António.

Não costuma haver problemas. Se alguém não se adapta, a empresa responsabiliza-se pela viagem de regresso ao país.

A maior parte das pessoas que para aí vai, vai com um objectivo: "A nossa preocupação, nesse país, é o trabalho", diz António. Trabalhar, receber um salário que varia entre os 700 e os 1400 euros (cerca de 77 a 154 contos CV), conforme a função, e melhorar a qualidade de vida no regresso.

Enquanto o futuro não chega, o dia no acampamento começa às 6h00. Meia hora depois toma-se o pequeno-almoço e às 7h00 começa o trabalho. O dia só termina às 18h, com pausa de almoço pelo meio. São 10 horas de jornada. 

Ao regressar ao acampamento, muitos trabalhadores ainda aproveitam para fazer exercício físico. Depois jantam. Carne, quase sempre.

"Quando estou lá sinto saudades de pescado. Onde eu estou não há peixe e eu saí de um país que tem muito pescado", confessa António.

Depois do jantar é tempo de relaxar. Na televisão vêem-se futebol e telenovelas brasileiras. E na sala de diversões encontram-se grupos entretidos com diversos jogos. Os cabo-verdianos preferem os jogos de cartas.

"Nesse país" - é assim que António chama à Guiné Equatorial quase durante toda a entrevista - o domingo, único dia de folga, é passado consoante "os costumes de cada pessoa".

"Eu vou sempre à igreja. A igreja não fica no acampamento. No acampamento há uma sala onde se celebra a missa, mas apenas nas festas. Eu vou à missa, na cidade," conta.

A celebração religiosa é semelhante à que se faz em Cabo Verde. A única diferença é a língua. Aí, a missa é dita em espanhol, a língua oficial de maior projecção na Guiné Equatorial. 

Além do espanhol, há o francês e recentemente também o português foi institucionalizado como língua oficial. A Guiné Equatorial quer integrar a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa), mas a sua inclusão na comunidade tem alvo de controvérsia.Muitas vozes têm-se levantado contra essa integração, reivindicando que o país não cumpre os princípios orientadores da CPLP.

Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, também actual presidente da União Africana, é Presidente da Guiné Equatorial desde 1979, e o seu regime é considerado corrupto, etnocêntrico, opressivo e não democrático.

A ARG, no entanto, não teve até à data problemas com o estado guinéu-equatoriano, com quem tem um acordo para a concessão dos vistos dos trabalhadores.

António, no entanto, fala, com algum cuidado, da pobreza que por lá vê.

"Eles não gostam que se fale disso. Mas sim. Eu presenciei muita pobreza, mesmo muita. O país está um bocado atrasado e as pessoas desse país também porque aí não há formação para jovens", avalia.

A cada seis meses os trabalhadores da ARG têm direito a, pelos menos, duas semanas de férias. A ARG paga as passagens e apesar de o trabalhador poder escolher ficar com o dinheiro destas, em vez de viajar, a verdade é que quase nenhum o faz. As saudades apertam e querem ver se a família está bem.

"A empresa também prefere que venham de férias. O profissional, quando vem para Cabo Verde está com a família e vê que está tudo bem. É motivante para ele," diz Wilza Silva. O bem-estar do trabalhador é uma preocupação constante da empresa, garante, e a ARG presta apoio aos mais diversos níveis, da informação sobre os processos legais mais correctos, ao cuidado com o conforto das instalações, nos acampamentos.

Depois das férias, os trabalhadores voltam para o trabalho mais tranquilos e mais concentrados.

António diz-se satisfeito com a sua decisão de ir trabalhar para a ARG, na Guiné Equatorial. Diz que a experiência está a corresponder às suas expectativas.

"Tenciono continuar. Não sei quanto tempo mais vai durar a obra, mas estou satisfeito e quero exercer o meu trabalho por mais algum tempo", assegura.

Perfil - Guiné Equatorial

A República da Guiné Equatorial situa-se na África Ocidental e divide-se em três territórios: um continental e duas ilhas. O país possui o maior PIB per capita do continente africano, mas é um país de médio IDH. A má distribuição da riqueza é uma das falhas apontadas.Estima-se que 60% da população viva na pobreza. Teodoro Obiang, por seu lado, é considerado o oitavo governante mais rico do mundo pela revista Forbes.

A Guiné Equatorial é, juntamente com Angola e Brasil, um dos mercados considerados com maior potencial de crescimento a médio prazo.

Há cerca de 20 anos, era considerado um dos países mais pobres do mundo, mas a descoberta de petróleo nos anos 90 veio mudar o panorama.

Vários empresários brasileiros têm apostado nas áreas das infraestruturas, nomeadamente na construção de estradas e de uma zona moderna na capital (Malabo). Estão também a ser construídos os estádios que, em 2012, irão acolher a Taça de África (CAN2012), que decorre no Gabão e na Guiné Equatorial.

*Sara Almeida, Redacção da Praia

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