quinta-feira, 16 de junho de 2011

CENSURA NO CINEMA BRASILEIRO




Bruno Carmelo, editor do blog Discurso-ImagemOutras Palavras

Após kit anti-homofobia, curta-metragem brasileiro com temática homossexual é censurado por pressão de religiosos.

Embora a atualidade esteja cheia de casos de censura na China, na Rússia, na Líbia, a polêmica em torno deste filme explicitou a execução da censura no Brasil. Ora, existem dois lados muito diferentes em Eu Não Quero Voltar Sozinho, este curta-metragem tão comentado atualmente. Acredito que ambos mereçam igual peso de análise:

O primeira razão, a mais midiática delas, diz respeito à dimensão política que ele adquiriu desde que o governo do Acre decidiu censurá-lo do programa Cine Educação. Este curta aborda duas temáticas sensíveis, uma politicamente correta e aceita (a deficiência visual) e a segunda, tabu (a homossexualidade). Com o pressão de religiosos tradicionalistas, o filme foi banido e, mais do que isso, o próprio projeto Cine Educação foi suspenso.

Após a discussão sobre o kit anti-homofobia, com o papel de políticos como Jair Bolsonaro e diversos religiosos associando homossexualidade a pedofilia, incesto, degradação social e outras atrocidades, mais uma vez um conteúdo educativo sobre a atração entre pessoas do mesmo sexo foi percebido como perigo social. Diversos intelectuais têm protestado, mas infelizmente o peso dos protestos parece inferior à influência de católicos e evangélicos neste governo laico. Têm toda a razão aqueles que protestam, principalmente pelas redes sociais, contra este tipo de atitude que tem se reproduzido com uma frequência espantosa.

A grande ironia é ver que justamente este curta-metragem, de conteúdo mais apolítico impossível, se tornou uma espécie de símbolo da luta contra o fundamentalismo religioso no Brasil. Parece que quanto mais o país se desenvolve, com uma economia estruturada e uma sociedade melhor informada, mais este tipo de conflito entre o novo e o antigo, entre a democracia e a autoridade reacionária, tende a se reproduzir.

Mas isto não é apenas um caso brasileiro. Há menos de um ano, um curta-metragem de animação destinado às crianças de menos de 10 anos intitulado Le Baiser de la Lune, sobre dois peixes machos que se apaixonavam, também foi censurado na França (por extremistas católicos). Novamente, o mesmo medo do proselitismo, de “ensinar às crianças” não apenas que esta orientação sexual é natural, mas também que ela pode ser mostrada como tão legítima quanto o amor heterossexual. O escândalo foi imenso neste país com uma tradição laica significativa, embora a conclusão tenha sido a mesma – o filme foi proibido tanto nas salas de aula quanto nos canais de televisão.

O medo da “contaminação”, do “ensinamento da homossexualidade” explicita o fato de que a condenação dos gays é feita essencialmente por aqueles que desconhecem o assunto, e recusam conhecê-lo. Transformar a homossexualidade numa consequência da (má) educação, ou da falta de afeto, como sugeria Bolsonaro, insinuar que se trata de um fator de moda, externo, imposto ao indivíduo frágil e influenciável, é negar que uma pessoa possa expressar por si própria a atração por outros do mesmo sexo. Esta forma de pensamento faz da heterossexualidade não apenas a única sexualidade aceita, mas a única estimada natural ou possível. Qualquer outra forma de amar é considerada uma perversão, uma deterioração, e por isto mesmo dissociada do afeto e aproximada da depravação sexual.

Por estes fatores, este tipo de caso merece e deve ser comentado com fervor.

Ora, também existe Eu Não Quero Voltar Sozinho, o filme. Para diminuir o caráter “nocivo” deste discurso de acordo com os religiosos, os seus defensores partiram para uma estratégia equivalente, mas simetricamente oposta. Passou-se a defender o curta com unhas e dentes, chamá-lo de realista, humanista, delicado, “necessário”. Passou-se a listar todos os diversos prêmios que ele ganhou. Certamente, esta recepção de prêmios indica que ele teve boa recepção em certos locais – ainda que um festival de cinema e o meio escolar no Acre sejam esferas sociais completamente distintas -, mas finalmente pouco importa se o filme é bom ou não, se foi premiado ou não. Ele não tem o direito de ser proibido – pelo menos não pelo simples fato de relatar um tema tabu.

Insistir sobre a qualidade supostamente excepcional deste filme dentro do debate político implica insinuar que ele deveria ser aceito por mérito, artístico ou não, o que não é o caso. Eu Não Quero Voltar Sozinho deve ser mostrado porque tem direito de sê-lo, como todos têm direito de ver filmes bons, ruins, médios, sobre gays, heterossexuais, pedófilos, padres. Uma polêmica externa ao filme não pode influenciar a análise da obra em si. Afinal, este curta também merece ser visto pelo que era sua intenção inicial, de ser uma obra audiovisual como as outras, sem uso pedagógico a priori.

Ora, enquanto curta, este projeto segue uma certa forma de respeito à homossexualidade que acaba por relatá-lo de maneira singela, sugestiva, lúdica. A frontalidade poderia ser assimilada à provocação, razão pela qual o jogo de insinuações inocentes e praticamente infantis (estes adolescentes brincando de “gato mia” no quarto) é escolhido como alternativa honrosa. O questionamento da homossexualidade está longe de ser complexo, mas também não tem intenção de sê-lo. Este não é um filme para incitar a refletir, ele é principalmente uma “sensibilização” à questão, ou seja, uma mise en scène o mais naturalista possível (luz natural, música ambiente, planos de conjunto) para insistir no fato que aquele tema ali também é perfeitamente natural.

Paralelamente, não se procura nenhum formalismo, nenhuma inventividade plástica que possa retirar a atenção do tema. Este é um “filme de roteiro”, com uma mensagem precisa; ele é um discurso sobre o mundo e não sobre o cinema. A consequência é uma aparência careta, acadêmica, quadradíssima, e perfeitamente consciente disso. Poderia se reclamar de muitas coisas neste projeto, mas não que o diretor “não tem nada a dizer”, como lançam os críticos de vez em quando. É provável que seja pela presença de uma mensagem moral que este filme foi facilmente associado à pedagogia, e ao “proselitismo” (já que, segundo os religiosos, não atacar a homossexualidade é equivalente a defendê-la).

Resta um pequeno filme, pouco pretensioso e mesmo ingênuo, cheio de boas intenções e de uma competência clara mas discreta, preso numa discussão muito superior às suas intenções humanitárias ou cinematográficas. Eu Não Quero Voltar Sozinho se encaixa no momento em que o Brasil reconhece a união civil entre gays mais permanece o país onde mais se assassina transexuais no mundo, uma das oito economias mais poderosas e com maior desigualdade social, que prepara a Copa e as Olimpíadas, mas não consegue controlar a pressão religiosa no Acre. Um país com vários braços, que abraçam causas completamente diferentes e contraditórias.

*Eu Não Quero Voltar Sozinho (2010) - Filme brasileiro dirigido por Daniel Ribeiro. Com Guilherme Lobo, Tess Amorim, Fabio Audi.

1 comentário:

Anónimo disse...

É só o que essa gente sabe fazer: botar a "culpa" nos religiosos.

Tudo bem que na história do século XX, foram os comunistas - pois é - os que mais perseguiram os homossexuais. Mas isso essa turma não diz. Comunista entre esse pessoal é o que não falta, e sobra HIPOCRISIA. Os religiosos brasileiros é que são os grandes "homofóbicos". Justo eles, que nunca ficam matando e espancando gays nas ruas brasileiras. Basta dizer que, de acordo com as estatísticas policiais - esses devem ser todos homofóbicos também - os principais assassinos de travestis são travestis. Mas isso não conta nada.

Religiosos daqui não matam transexuais. Mas muitas mortes de gays são comentidas por outros gays. Hipócritas, o que querem para o meu país?

O artigo não diz que as crianças FORAM FORÇADAS A ASSISTIR A AQUELE LIXO, foram trancadas dentro das salas de aula, só podendo sair depois do fim da exibição. Não falam desse escândalo, do qual não faltam testemunhas.

Existe mais tolerância com os gays no Brasil do que na Cuba que vocês tanto veneram.

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