segunda-feira, 20 de junho de 2011

China e Índia: PERSPETIVAS ACERCA DA GRANDE CORRIDA ECONÔMICA ASIÁTICA




GUSTAVO RESENDE MENDONÇA - MUNDORAMA

Devido à dinâmica da política internacional, China e Índia estão destinadas a serem objetos de comparações. Desde 1991, quando as reformas econômicas indianas iniciaram um expressivo processo de crescimento econômico, analistas ponderam a possibilidade de a Índia reproduzir o milagre econômico chinês. Em um primeiro momento, o crescimento da economia indiana, embora expressivo, foi apenas uma fração da expansão lograda pela economia chinesa. Atualmente, no entanto, o desempenho econômico indiano tem se aproximado dos altos índices chineses de expansão e parece confirmar as previsões que apontam a Índia como uma potência econômica do futuro.

O presente artigo pretende avaliar, de forma exploratória, as principais vantagens indianas na corrida econômica contra a China. O argumento central enfatiza o grande potencial indiano para o crescimento, mas também ressalta que as assimetrias econômicas entre os dois gigantes asiáticos são muito grandes e dificilmente serão superadas na primeira metade do século XXI.

Na competição com a economia chinesa, as vantagens indianas podem ser agrupadas em três grandes categorias: democracia, demografia e diplomacia. No campo demográfico, o crescimento da população indiana é dinâmico, enquanto a população economicamente ativa (PEA) da China envelhece rapidamente. Estimativas apontam para um rápido declínio da PEA chinesa a partir de meados da década corrente, enquanto a PEA indiana crescerá rapidamente até a década de 2030, quando atingirá seu ápice (BARDHAN 2010: 128). Em termos absolutos, calcula-se que, nos próximos vinte anos, a PEA chinesa decrescerá 30% – aproximadamente cem milhões de trabalhadores -, enquanto a PEA indiana crescerá a uma média anual de aproximadamente 0,8% (EBERSTADT, 2010:57). Por fim, projeções das Nações Unidas estimam que a Índia superará a China como nação mais populosa do mundo em meados da década de 2020 (LUCE, 2007: 335). Obviamente, a China ainda possui formas alternativas para evitar a escassez de mão-de-obra, como a migração rural, mas parece claro que o gigante asiático lidará com sérios desafios populacionais, enquanto a Índia desfrutará de um dividendo demográfico.

Na esfera diplomática, a Índia constrói alianças e projeta Soft Power com mais facilidade do que a China. Em primeiro lugar, os Estados Unidos apóiam explicitamente a ascensão indiana, enquanto desenvolvem uma relação ambígua com a China (LUCE, 2007:277). A aliança indo-americana é resultado do desejo manifesto dos Estados Unidos de contrabalancear a ascensão chinesa na Ásia. O apoio norte-americano é facilitado pelo grande contingente de indo-americanos que vivem nos Estados Unidos e que, atualmente, configuram-se como o terceiro grupo de pressão estrangeiro mais poderoso no congresso norte-americano (KANDAR, 2008: 550). A Índia também desenvolve boas relações com o Japão e com a Austrália, nações com interesse em limitar o crescimento da influência chinesa na Ásia. Até mesmo a Rússia, que desenvolve uma parceria estratégica com a China no campo dos discursos políticos e comunicados diplomáticos, tem sérias diferenças com a China, especialmente devido a tensões fronteiriças (NYE, 2011: 201). Em síntese, a ascensão internacional indiana encontra muito menos resistência do que o crescimento do poder chinês. Tal vantagem política pode se refletir no campo econômico por meio de acordos de transferência de tecnologia, investimentos estrangeiros e tratados de livre-comércio.

A democracia indiana, embora imperfeita, pode catalisar o desenvolvimento de forma mais eficiente que o modelo autocrático chinês. Alguns autores questionam a superioridade econômica da democracia indiana, especialmente devido aos altos níveis de corrupção e ineficiência vigentes no país. Bardhan argumenta que o Partido Comunista Chinês foi capaz de realizar reformas que promoveram a descentralização e a meritocracia, de forma que as instituições políticas chinesas são claramente superiores às indianas na promoção do desenvolvimento (BARDHAN, 2010: 159). Não obstante, a maioria da literatura especializada concorda que a democracia indiana fornece grandes vantagens econômicas, especialmente em longo prazo. Em primeiro lugar, a democracia fornece canais legítimos de conciliação e resoluções de conflito, de forma a equacionar as diferenças étnicas e culturais presentes na Índia. O rígido sistema chinês é vulnerável a protestos e demandas da sociedade civil. Em segundo lugar, a democracia é uma importante fonte de Soft Power, especialmente se comparada ao modelo autocrático chinês, que gera grande rejeição no ocidente. Em terceiro lugar, sociedades mais livres são mais eficientes na produção de conhecimento especializado, uma vez que o intercâmbio de informações e pessoas não é limitado por nenhuma restrição institucional. A democracia também estimula o empreendedorismo e torna o setor privado mais forte e ativo. Parece claro que o crescimento indiano é calcado na criatividade do setor privado, enquanto a expansão da economia chinesa depende do poder público (ECONOMIST, 2010). Por fim, as democracias são mais adequadas para dirimir problemas relativos à desigualdade de distribuição de renda, tema que começa a preocupar a China. Assim, embora não exista consenso a respeito do tema, é provável que a democracia se mostre como uma vantagem indiana na disputa econômica com a China.

Uma quarta vantagem indiana está relacionada a um conceito econômico denominado efeito de alcance, que enuncia que, tudo mais constante, quanto maior a renda per capita de um país, maior é a dificuldade em sustentar altos índices de crescimento econômico. Um estudo recente sugere que o crescimento econômico desacelera bruscamente quando a renda per capita supera US$ 16.670, valor que deve ser alcançado pela China em 2015 (ECONOMIST, 2011). A renda per capita indiana, por outro lado, ainda é inferior a U$ 2.000, fato que proporciona um amplo espaço para o crescimento do país.

Os fatores enunciados acima sugerem que o dinamismo da economia indiana pode superar o rápido crescimento chinês. Não obstante, é importante ressaltar que as disparidades econômicas entre os dois gigantes asiáticos são imensas: a renda per capita chinesa é quatro vezes maior do que a indiana, o PIB chinês é cinco vezes superior ao da Índia e a corrente de comércio exterior da China é cinco vezes maior do que a indiana. A Índia também sofre com problemas de infra-estrutura e escassez de mão-de-obra qualificada, além de significativos desafios sociais. Nesse sentido, mesmo que a Índia se torne o mercado emergente que cresce mais rapidamente no mundo, dificilmente o país tomará o papel que a China atualmente ocupa na economia internacional.

Referências Bibliográficas

BARDHAN, Pranab. Awakening Giants, Feet of Clay: Assessing the Economic Rise of China and India. Princeton: Princeton University Press, 2010.
EBERSTADT, Nicholas. The Demographic Future. Disponível em: http://www.foreignaffairs.com/articles/66805/nicholas-eberstadt/the-demographic-future. Acesso em: 2 de maio de 2011.
ECONOMIST. India’s surprising economic miracle. Disponível em: http://www.economist.com/research/articlesBySubject/displaystory.cfm?subjectid=6899464&story_id=E1_TSTQSGQR. Acesso em: 2 de maio de 2011.
ECONOMIST. The BRIC Wall. Disponível em: http://www.economist.com/node/18560195?story_id=18560195. Acesso em: 2 de maio de 2011.
KAMDAR, Mira. Planeta Índia. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
LUCE, Edward. In Spite of the Gods: The Rise of Modern India. Nova York: Anchor, 2008.
NYE, Joseph. The Future of Power. Washington, DC: Public Affairs, 2011.

*Gustavo Resende Mendonça é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (gusresende@hotmail.com)


Sem comentários:

Mais lidas da semana