LUÍS F. C. NAGAO – OUTRAS PALAVRAS
Em defesa de modos de vida ancestrais, e ameaçados pelas minas de carvão, mongóis organizam protestos e são duramente reprimidos
Dois incidentes e uma série de manifestações de protesto, reprimidas com violência, voltaram a expor, nos últimos dias, as tensões entre o governo chinês e minorias étnicas que lutam para preservar seus costumes. A sequência de fatos ocorreu na região conhecida como Mongólia Interior – norte chinês.
Em 10 de maio, um pastor conhecido como “Mergen”, de 35 anos, foi atropelado por um caminhoeiro han (etnia majoritária no país), durante um piquete contra mineradoras. Menos de uma semana depois, Yan Wenlong, também pastor e ainda mais jovem (22), foi atropelado por um han que estava numa empilhadeira e acertou seu carro. Em Xilinhot, mil estudantes marcharam (25/5) em direção à sede do governo. No distrito de Shuluunm, centenas de estudantes e pastores entraram em confronto com 300 policiais antidistúrbios. Em Chi Feng, estudantes e pastores mongóis foram às ruas exigindo respeito (28/5). Nos atos, gritavam-se as palavras de ordem “Defesa dos direitos dos mongóis”, “Defender a Pátria” e contra a humilhação étnica.
O governo chinês reagiu. Colocou sob lei marcial as cidades de Hohhot, Tongliao, Chifing e Dongsheng. Talvez temendo a repetição de levantes como os da “primavera árabe”, impediu que a população ocupasse as praças das cidades. Na capital regional Hohot, blindados e policiais isolaram, em 29/5, a Praça Chinggs Khan. Mesmo assim no dia seguinte, houve protesto na cidade: durou apenas uma hora e teve como saldo dezenas de presos. De acordo com um correspondente da Duowei News, dez pessoas foram mortas, enquanto as autoridades dispersavam a multidão.
Houve reforço policial com deslocamento de forças paramilitares de Bautou pra Hohot. Universidades tiveram seus campi ocupados por forças militares. Um professor relatou as instruções que recebeu dos militares: “ordenaram que almoçássemos no campus, e nos proibiram de deixar o trabalho até segunda ordem”. Funcionários do governo sofreram a ameaça de perder o emprego, se participassem de qualquer discussão pública ou protesto. Baatar, um reconhecido ativista mongol e defensor dos direitos humanos, está desaparecido. Em alguns bairros mongóis, os paramilitares foram ordenados a fazer pesquisa de casa em casa em busca de participantes dos protestos.
Criou-se clima de paranóia coletiva. Em Hohot, difundiram-se rumores de que mongóis haviam posto bomba no prédio da estação de TV da Mongólia Interior próximo, a Praça Xinhua. De minuto a minuto, mensagens de textos diziam para os residentes permanecerem em suas casas, pois havia risco de violência. O acesso à internet foi dificultado. A rede social Renren (semelhante ao Facebook) deixou de apresentar resultados referentes a Mongólia Interior.
Habitada por 24 milhões de habitantes, a região faz fronteira com Mongólia e Rússia. É composta fundamentalmente por duas etnias: mongóis (20% da população) e chineses han (que começaram a ocupar a Mongólia Interior no século 18, e hoje são 79%). Mandarim padrão e mongol são as línguas oficiais. Boa parte dos mongóis é nômade e vive da pecuária. Contudo, a intensa iniciativa mineradora está afetando seu modo de vida e provocando êxodo crescente. Semi-desértica, a região é rica em recursos energéticos – especialmente carvão, principal fonte para geração de eletricidade na China. No último ano produziu 782 milhões de toneladas. Deve tornar-se em breve o maior produtor chinês de carvão. Além disso, é o maior produtor mundial de “terras raras” – um conjunto de elementos cada vez mais escassos e indispensáveis a certas atividades industriais sofisticadas
Com receio de que a onda de violência se estenda, a Anistia Internacional pronunciou-se: “As autoridades chinesas devem respeitar a liberdade de expressão e de reunião para protestos”, disse Catherine Baber, vice-diretora para Ásia Pacífico da entidade. Também ponderarou que o histórico chinês no Tibet, em 2008 (ver texto na Biblioteca Diplô), e no Xinjiang, em 2009, são motivos de preocupação, pois causaram a morte de centenas de pessoas.
O governo chinês tentou legitimar a censura aos meios de comunicação local e o bloqueio a internet alegando “exercício de combate ao terrorismo”. As autoridades atribuíram os protestos a forças de hostilidade estrangeira. Consideram que não se deve exagerar sobre os incidentes étnicos.
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