quinta-feira, 2 de junho de 2011

PUERTA DEL SOL – AS ROTINAS DE UMA CIDADE CADA VEZ MAIS DIFÍCIL DE GERIR




ASP - LUSA

Madrid, 02 jun (Lusa) - É nas rotinas matinais, a recolha dos sacos de dormir, a limpeza do lixo, o reforço de um ou outro toldo, que se comprova a 'permanência' da 'acampada' da Puerta del Sol, em Madrid.

Em 18 dias, o que começou como uma "assentada" de algumas dezenas de jovens, corridos com cargas policiais, transformou-se numa complexa cidade. Tem mapa, com legendas que ajuda a ver onde está cada comissão, cada um dos 'serviços' existentes, e que já recebeu cartas: "acampada sol, Puerta del Sol, Madrid".

Quem olha para a sede do Governo regional - a única com policiamento evidente -, encontra uma divisão evidente neste espaço heterogéneo, tanto em gente como em conteúdo.

À direita, uma zona de 'dormidas', marcada pelas tendas de campismo de várias cores. À esquerda, um complexo coberto com toldos de plástico com ruas e ruelas, três cozinhas, enfermaria, biblioteca, zonas para todo o tipo de comissões (de ambiente a legal, de infraestruturas a extensões e comunicação).

Há 'escritórios' com computadores portáteis e impressoras, mesas para debates, sofás e poltronas, portas que servem de divisórias, prateleiras carregadas de mantimentos, onde uma fita-cola manuscrita ajuda a separar o "azeite" do "cola-cao".

Em todo o lado, há cartazes, folhas, cartões, panos, que reivindicam mensagens em defesa de mudanças políticas, ataques aos partidos, ao 'establishment', aos banqueiros. Há zonas para recolha de propostas, mesas com petições de variado conteúdo, e locais onde se coordena o próprio espaço da praça.

Em redor da fonte, onde até há duas semanas convergiam jovens prostitutos no engate, há hoje uma horta ecológica, com dicas sobre "regar as plantas ao lado do caule e não por cima".

O cavalo de Carlos III que antes marcava a Puerta de Sol, coração do turismo do centro madrileno, mal se vê, ainda que a sua base de pedra continue a ancorar o coração de um espaço hoje difícil de definir: fica algures entre cidade 'okupa', palco de desobediência civil, zona de intenso debate político e acampamento de resistência.

Começou como um movimento espontâneo nas redes - o já quase esquecido "democracia real já" - materializou-se com a "tomada da rua" a 15 de maio - com vários detidos e cargas policiais - e depois cristalizou-se como a "acampada Sol".

Tornou-se o símbolo da "spanishrevolution", palavra que se multiplicou pelas redes, inspirando protestos em dezenas de cidades espanholas, primeiro, e depois em muitas cidades europeias, incluindo portuguesas.

Dezoito dias depois, a 'cidade' cresceu e complicou-se. Juan e Alan lançam a água sobre a pedra do chão e, um com uma vassoura de plástico, outro com uma vassoura de pelos de arame, esfregam e vão empurrando a água e o lixo para a berma da praça. Emma, 19 anos, lava os dentes com um copo de água que recolheu da cozinha 3.

Pela zona vagueiam turistas, grupos que fotografam o acampamento, curiosos e casais de reformados que passeiam há anos pela praça mas que "nunca" a viram assim. Muitos param, ouvem as conversas de quem ali vive há duas semanas, assinam petições, pedem informação.

Mas a cidade tem pés de barro e muitos estão na acampada apenas pelos serviços - comida e apoio sanitário rudimentar - e outros tentam colar as suas reivindicações fora da agenda do movimento.

Conciliar as vontades é uma das rotinas mais complicadas e, enquanto nada se decide sobre o que fazer com o acampamento e o movimento, vai-se tentando melhorar o espaço.

"Bom dia. Precisamos de ajuda na limpeza", ouve-se no sistema de megafonia. "Por favor, tragam um toldo para a zona de infraestruturas. O sol aperta".

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