sexta-feira, 3 de junho de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 18




MARTINHO JÚNIOR

EQUADOR – A FORÇA DA DEMOCRACIA CIDADÃ E PARTICIPATIVA

O Equador é um dos três países surgidos da dissolução da Gran Colombia a 13 de Maio de 1830 e o mais pequeno deles, com256.370 km2.

O seu território é formado por 4 regiões distintas: a planície costeira a oeste (banhada pelo oceano Pacífico), a cadeia montanhosa central dos Andes que se estende de norte a sul do país atingindo altitudes acima dos 6.000 metros, a leste um planalto interior com influência amazónica e finalmente o arquipélago dos Galápagos.

De acordo com estimativas de 2007, o equador possui 13.810.000 habitantes.

Desde a independência que a oligarquia do país tem sido preponderante no poder e a evolução da situação política, económica e financeira tem reflectido subdesenvolvimento crónico, dependência (em muitos casos com ingerências de toda a ordem), crises internas sucessivas, crises esporádicas na fronteira com o Peru e endividamento.

O Presidente Rafael Correa fez, conjuntamente com as forças progressistas do país, o diagnóstico político e social do Equador, identificando as ligações da oligarquia com o império e estabelecendo, com a Revolução Cidadã as bases do socialismo do século XXI no Equador.

O Presidente Rafael Correa, que após eleições assumiu o cargo a 15 de Janeiro de 2007, que se identifica com a Doutrina Social da igreja católica e com o Humanismo Cristão, tem dado outra orientação ao país, iniciando a Revolução Cidadã que ele próprio define numa entrevista a Ignatio Ramonet do Le Monde Diplomatique (http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=12737:ramonet-entrevista-rafael-correa-sobre-o-controvertido-golpe-de-estado&catid=120:institucional&Itemid=22):

(…)

“DIPLOMATIQUE – Como o senhor definiria o conceito de Revolução Cidadã?

CORREA – Eu já o defini: a mudança radical, profunda e rápida das estruturas vigentes. Sobretudo, as mudanças nas relações de poder; é o grande desafio da América Latina no século XXI, pelo menos na primeira etapa deste século. E a mudança definitiva das relações de poder. Passar desses Estados burgueses para verdadeiros Estados populares, passar o que estava nas mãos de umas quantas elites, que sempre nos exploraram em conluio com poderes estrangeiros, para o poder das grandes maiorias, o que, por sua vez, se traduz na qualidade de Estado.

DIPLOMATIQUE – O senhor poderia citar alguns dos principais avanços sociais?

CORREA – Veja, a melhor forma de ver quem tem o poder numa sociedade é ver como são alocados os recursos. A dotação de recursos sociais reflete a relação de poder. O orçamento do Estado é o principal dado revelador. Quando a maior parte do orçamento do estado se destinava ao pagamento do serviço da dívida externa, e somente parcelas marginais eram destinadas para a educação, saúde etc., evidenciava-se que aqui mandavam os credores, o setor bancário, o capital financeiro, e não a cidadania. Hoje, o serviço da dívida foi reduzido drasticamente, mais que dobrou o orçamento para a saúde, a educação, a habitação... Construímos mais moradias que todos os governos da história juntos. Agora talvez venha a etapa mais difícil. Houve uma melhora quantitativa: mais colégios, o número de alunos disparou, recuperou-se a confiança na educação pública, livros e uniformes gratuitos; também melhores hospitais e melhores equipamentos. Mas há que se colocar muita ênfase na eficiência e na qualidade; na eficiência em serviços hospitalares e na qualidade, por exemplo, na educação”…

Quando assumiu a liderança, Rafael Correa levou imediatamente a cabo um referendo visando algumas mudanças constitucionais em relação aos aspectos económicos e ao pagamento da dívida.

A 28 de Setembro de 2008 passou a haver a nova Constituição que além do mais possibilitou o estilo revolucionário de governação.

A 24 de Junho de 2009, por ocasião daVIª Cimeira Extraordinária da Organização, o Equador integrou a “ALBA”, “Alianza Bolivariana para los Pueblos deNuestra América – Tratado de Comercio de los Pueblos”.

A criatividade dialéctica de Rafael Correa à frente do poder em Quito reforçou-se com a integração na “ALBA”, com realizações inéditas que marcam a enorme diferença em relação ao passado de menos de 200 anos, desde que a bandeira nacional foi içada.

De entre os projectos nacionais mais ousados estão dois que se podem considerar de exemplares e vanguardistas para todo o mundo:

- A auditoria oficial da dívida pública realizada pela Comissão para a Auditoria Integral do Crédito Público(CAIC).

- O projecto Yasuni – ITT.

A auditoria, que se tornou possível em função das mudanças Constitucionais, foi sintetizada com propriedade por Maria Lúcia Fattorelli num artigo que publicou no CADTM:

“No ano de2007, o presidente Rafael Correa criou a Comissão para a Auditoria Integral do Crédito Público (CAIC), cuja atribuição foi a realização da auditoria oficial da dívida pública do país – tanto interna quanto externa; seus impactos sociais, ambientais e econômicos. Essa atitude soberana foi um passo fundamental em direção à conquista da verdadeira independência da América Latina, ao mesmo tempo em que significou uma vitória dos movimentos sociais que há décadas lutam pela auditoria da dívida pública, que consome a maior parcela dos recursos orçamentários.

O relatório final da CAIC apresentou ao presidente Rafael Correa o resultado das investigações técnicas, identificando inúmeras irregularidades e indícios de ilegalidades e ilegitimidades no processo de endividamento público equatoriano, tudo devidamente respaldado em documentos e provas.

O presidente determinou a suspensão dos pagamentos aos detentores dos títulos da dívida externa e submeteu tal relatório a crivos jurídicos nacionais e internacionais.

Após o referendo jurídico às conclusões da CAIC, o presidente anunciou a proposta de acatar somente 25 a 30% do valor dos títulos da dívida externa comercial com abanca privada (Bonos 2012 y 2030).

Aqueles detentores que não concordassem com a proposta teriam que recorrer à Justiça, apresentando suas petições contra o Equador. Face às provas contundentes de ilegalidade da dívida, 95% dos detentores dos títulos aceitaram a proposta, demonstrando a importância da auditoria como instrumento capaz de alterar a atual correlação de forças que historicamente tem colocado os governos latino-americanos submissos ao mercado”.

O Presidente Rafael Correa, ao conduzir o processo político e institucional equatoriano no sentido que foi implementado, em função dos estritos interesses de seu Povo, deu uma resposta exemplar a nível interno e externo.

A nível interno, “partiu a espinha” de alguns dos sectores mais retrógrados da oligarquia agenciada e na mão dos credores e, por essa via, das potências como os Estados Unidos: uma parte do que era ilícito na dívida era absorvido pelos interesses desses grupos que por seu turno mantinham o poder cativo aos desígnios, manipulações, conveniências e ingerências dos credores e do império.

A auditoria da dívida possibilitou ainda ao nível interno ganhos em termos de soberania nacional, que se reflectiram imediatamente nos orçamentos do estado em relação às questões sociais: os principais reforços orçamentais foram sentidos na educação, na saúde e nos projectos da habitação em benefício das classes menos protegidas e mais pobres do país.

A nível externo, o exemplo pode ser estudado e adaptado agora que a crise global do capitalismo e do império se alastra.

Estudar o caso da Islândia, como o caso do Equador em relação à dívida, é um manancial para todos e, um manancial para a Europa, sobretudo para os “PIGS”…

Nos “PIGS”,as praças públicas confirmam-no, há cada vez mais cidadãos que sabem por onde não ir, pelo que necessário se torna que cada vez mais cidadãos saibam com consciência e consistência por onde ir, identificando as causas profundas da situação em que se encontram, estabelecendo o diagnóstico justo que irá possibilitar a acção na direcção do aprofundamento da democracia pela via da cidadania e da participação!

No caso de Angola, é desde logo notável o facto de não haver entidade alguma que se refira com propriedade ao caso deestudo que se tornou a auditoria do Equador: estão todos a pensar e a agir integrando a lógica capitalista, estão todos “engolidos” nela e essa é uma das provas de quanto o “socialismo democrático” não passa duma fachada para conteúdos que só interessam às novas elites, que estão muito mais próximas, pelo seu comportamento, pelo modelo de agenciamento e pelo tipo de seus interesses, do “modelo” da oligarquia equatoriana gerada em parte pelas ingerências criadas com a dívida, do que do socialismo do século XXI tal qual ele tem sido implementado desde2007 pelo Presidente Rafael Correa, pelo seu governo, pela integração na “ALBA” e pelo seu vasto apoio social cada vez mais mobilizado para o reforço da soberania!

Quem provoca os desequilíbrios, quem fomenta o foço das desigualdades e promove a injustiça social, alguma vez está preparado para o socialismo?

A gestação das novas elites angolanas neste tempo de crise, é em muitos casos não só um processo de lesa pátria, é também um processo de inconsciência criminosa, pois ele está a ser estabelecido no momento em que a crise do capitalismo e a sua falência ética e moral são por demais evidentes e é por isso que aqueles que se constituem em alternativa o têm de ir comprovando em plena batalha das ideias!

O Projecto Yasuni – ITT é outro dos expoentes do Equador e da “ALBA” que marca a diferença.

Numa das regiões da Terra onde existe amais ampla biodiversidade, à ilharga da bacia amazónica três campos de exploração de petróleo poderão jamais ser desenvolvidos se aqueles que defendem efectivamente o planeta se unirem a fim de possibilitar a vontade do Equador na preservação do meio ambiente.

A região em causa tem inter-relacionamentos ambientais com a amazónia peruana, pelo que tem repercussões importantes para lá das fronteiras do Equador, que se estendem também na direcção do noroeste do Brasil.

O Equador dá o exemplo dessa vontade eespera que a consciência de outros se una ao seu Projecto, reforçando-o sob oponto de vista financeiro, científico, técnico e humano.

A todos recomendo uma visita ao “site” oficial do Yasuni – ITT (http://yasuni-itt.gob.ec),pois também aí há muito que revolucionar em termos do que se pode fazer em benefício da preservação de ambientes, mesmo que fiquem por explorar riquezas naturais incomensuráveis!

A sensibilização para o Projecto está neste momento a percorrer a Europa, uma Europa que foi pelo seu domínio de há mais de cinco séculos a esta parte, um dos maiores predadores da natureza e do homem em África e na América Latina, uma Europa que é capaz, conforme o demonstra a sua contribuição nas guerras injustas que vão eclodindo em pleno século XXI, de continuar a rapina numa escala inimaginável recorrendo à guerra, às ingerências de toda a ordem, às manipulações, ao redesenhar de mapas políticos e sociais, recorrendo à mentira continuada, à miséria programada e à morte.

O Projecto Yasuni – ITT é antes de mais um Projecto digno em que se dá substância a uma aliança inadiável: a paz para com o homem e o respeito para com a natureza.

A 30 de Setembro de 2010 um levantamento dum sector da Polícia Nacional estava ser conduzido para que se realizasse no Equador mais um dos muitos golpes militares que têm assombrado a história de200 anos de “independências” na América Latina.

A oligarquia nacional tinha implicações diversas com esse golpe, mas as Forças Armadas do Equador, o Povo e a acção corajosa do próprio Presidente Rafael Correa rapidamente encontraram formas de neutralizar a intentona.

À oligarquia agenciada pelo império dóia força da Democracia Cidadã e por isso ela tudo fará para impedir que o processo democrático nacional continue a ter obstáculos, não avance mais do que avançou.

Conhecedor do encadeado de fenómenos que se inter relacionam dialecticamente, o Presidente Rafael Correa tomou a iniciativa de fazer um Referendo Nacional integrando várias questões de interesse nacional.

Entre os assuntos analisados, debatidos e sujeitos ao Referendo, está a retirada dos meios de comunicação massiva da posse de entidades privadas que compõem a historicamente retrógrada oligarquia nacional.

Ainda na entrevista do Presidente Rafael Correa ao Le Monde Diplomatique esse assunto foi abordado:

“DIPLOMATIQUE – Seu governo está propondo uma lei sobre a propriedade dos meios de comunicação, que aparece como uma das mais avançadas do mundo. Que resistências a adoção dessa lei está suscitando?

CORREA – Bem, a nova Constituição proibiu que grupos financeiros possuam meios de comunicação e, justamente, o prazo acabava no mês de outubro de 2010.

Eu, em agosto, antecipei: “Fiquem atentos! Podemos esperar qualquer coisa”. Porque tirar do setor financeiro os meios de comunicação é uma mudança real nas relações de poder.

Não me equivoquei.

Provavelmente o [intento de golpe de] 30 de setembro foi uma coisa fundamentada nisto, com financiamento de parte dos banqueiros corruptos, de representantes do setor financeiro que não queriam perder seus meios de comunicação.

Mas o golpe falhou e, em outubro, eles tiveram de entregar os meios de comunicação.

E, por outro lado, com efeito, se está discutindo uma lei muito avançada na Assembleia Nacional, para que a cidadania controle os excessos de certa imprensa.

Não dá para imaginar o ataque de que essa lei foi alvo, talvez a maior campanha deste país, páginas inteiras nos jornais, tudo coordenado, todos os jornais com páginas inteiras dizendo “mais respeito”, “nossa liberdade está em jogo”, em suma, a manipulação de sempre.

Eu, realmente, não intervim muito e estou esperando que a lei seja promulgada para revisá-la”.

No Referendo as últimas votações foram favoráveis à Revolução Cidadã que continua a sua saga de aprofundamento.

Numa altura em que a Europa é instrumentalizada em geo estratégias próprias da época feudal, em pleno século XXI é dum país pobre do Terceiro Mundo como o Equador, é da “ALBA”, de onde surgem os sinais da dignidade, do equilíbrio, do respeito consciente e da coerência para com o Povo! 

Portugal tem a aprender não só com as questões que se levantam com a dívida imposta pelos bancos e banqueiros da rapina, mas também com o 4º poder que em Portugal está praticamente subordinado a Francisco Pinto Balsemão, o “Bilderberger”de plantão!

África, a União Africana, as elites e osPovos do Continente, têm tudo a aprender com o exemplo que chega do outro lado do Atlântico e todavia, poucos ou nenhuns sinais emite em reforço dessa coerência tão inadiável e tão profícua!

O G-8 traz-nos precisamente o sinal contrário das expectativas: o neo colonialismo só será possível com novas elites dóceis, submissas e que cultivam as dívidas passadas, as presentes e as futuras, as dívidas de que se sustentam e sustentam a possibilidade de tirarem todo o partido do poder à sua mercê no decadente modelo da “democracia representativa”…

Martinho Júnior - 27 de Maio de 2011

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