terça-feira, 12 de julho de 2011

Angola: POLÍCIAS ACUSADOS DE ENVOLVIMENTO NO TRÁFICO DE COCAÍNA




PAULO SÉRGIO – O PAÍS (Angola)

O director Provincial de Investigação Criminal (DPIC) do Cunene e o chefe do Departamento de Narcotráfico, Miguel Arcanjo Sumbo e Luís João, são acusados de envolvimento no tráfico de cocaína oriunda do Brasil.

A denúncia foi feita por um oficial da corporação que exercia o cargo de chefe da secção de drogas pesadas, numa missiva endereçada ao Procurador-geral da República e à Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) no dia 12 de Outubro do ano passado.

Os oficiais superiores da Polícia Nacional acima mencionados actuarão na “quadrilha” como os indivíduos que facilitam a saída dos traficantes da cadeia.

Um dos casos mas marcantes aconteceu no ano passado, quando a nossa fonte (que ostenta a patente de terceiro subchefe e pediu para não ser identificada) e os seus colegas Joaquim Tiyoline e Carlos Manuel David detiveram a cidadã Edna da Conceição, em flagrante delito, com uma enorme quantidade de cocaína. Contrariamente aos procedimentos habituais, o chefe do Departamento de Narcotráfico guardou a droga na casa de banho do seu gabinete. Segundo conta, a cidadã acabou por ser solta depois de pagar duzentos mil Kwanzas ao senhor Luís João, em troca do arquivamento do processo que estava em fase de instrução preparatória para ser remetido ao representante do Ministério Público junto daquela instituição.

Para justificar o desaparecimento do estupefaciente, o acusado elaborou, alguns dias depois, um ofício que originou o processo com o número 1274/2010, alegando que o mesmo havia desaparecido do seu gabinete e indicava um agente, identificado apenas por Kialelo, como sendo o presumível autor do roubo.

Entre as várias ocorrências que provariam o envolvimento dos mais altos responsáveis da DPIC do Cunene no tráfico de droga, consta ainda um caso que aconteceu em Outubro de 2009, quando o chefe da secção de drogas pesadas dirigiu uma operação que resultou na detenção de um casal que transportava droga no estômago.

Depois de terem assumido a existência dos estupefacientes nos seus organismos, na presença de diversos investigadores, o casal foi levado ao Hospital Provincial do Cunene para fazer ecografias e depois foram mandados embora. Miguel Arcanjo Sumbo e Luís João justificaram a soltura dos mesmos ao colectivo alegando que não havia provas.

A forma como o chefe da secção de drogas pesadas “desmantelava” os integrantes da “quadrilha de traficantes” que operavam naquela parcela no país passou a preocupar os seus superiores, que não viram outra solução senão arranjar uma forma para o afastar da corporação. Ele conta que foi ameaçado pelo senhor Luís João por se ter recusado a receber quatro mil dólares das mãos de um cidadão de nacionalidade congolesa, supostamente pertencente ao “gang” de traficantes, detido em posse de passaporte angolano falso, em troca da sua liberdade. O processo seguiu os seus trâmites legais e o cidadão foi condenado pelo Tribunal Provincial do Cunene.

Preso por ser exemplar

Depois de várias tentativas mal sucedidas, para o afastar da corporação, o chefe da secção de drogas pesadas foi detido no dia 11 de Julho do ano passado, na sua residência, localizada no bairro Naipalala, em Ondjiva, pelos seus colegas Joaquim Tuyoleni e Carlos Manuel David, supostamente a mando do director da DPIC.

A vítima permaneceu cinco dias numa cela isolada, sem ter visto antes o mandado de captura.

O mesmo só ficou a saber que pesavam sobre si seis processos, cujos números não lhe foram revelados, no dia 5 de Agosto quando foi apresentado ao representante do Ministério Público. Ele estava a ser acusado de se ter apropriado da cocaína e dinheiro que havia apreendido em quatro ocasiões diferentes. Pelo que respondeu negativamente.

Para tentar resolver o caso, o procurador reencaminhou novamente o processo para a DPIC e ordenou que fosse feita a acareação com os ofendidos no prazo de três dias, o que não aconteceu.

O calvário do terceiro subchefe parecia ter chegado ao fim na manhã do dia 17 do mesmo mês, quando o procurador Provincial da República e o juiz-presidente do Tribunal Provincial foram visitar aquela instituição para se inteirar da situação em que se encontram os reclusos. Na ocasião, ele contou a sua história aos visitantes e o chefe das celas, identificado por Cateve, confirmou que quem o mandou deter tinha sido o director da DPIC, Miguel Sumbo.

Depois da pressão feita pelos visitantes, os oficiais superiores da DPIC do Cunene decidiram realizar a tão esperada acareação no dia 22, na presença dos traficantes António Bongo, Edna da Conceição e outros três, identificados apenas por Cadogou, Ococha e sua esposa.

Daí resultou um relatório que o acusado se recusou a assinar, mesmo debaixo de ameaças, por discordar da forma como ele foi conduzido.

Mudança de “caçador para presa”

A situação carcerária do chefe da secção de drogas da DPIC do Cunene agravou-se quando foi transferido na manhã seguinte para a Comarca do Péu-Péu, onde foi trancado numa cela com pessoas a quem havia dado ordem de prisão por tráfico de droga e falsificação de documentos. Eles não pensarem três vezes para decidir fazer a “desforra”, agredindo o terceiro subchefe.

Segundo se lê no documento enviado à DNIC e à PGR, os investigadores enviaram uma falsa informação à Procuradoria Militar, dizendo que ele havia desertado. Para justificar este facto, recorreram a uma declaração feita pelo mesmo a solicitar dispensa para ir a sua terra natal, Uíge, assistir ao funeral da sua irmã.

“Como a minha esposa ficou doente ao longo da viagem, acabamos por permanecer naquele local alguns dias mais que os que me foram concedidos e apresentei no meu regresso os comprovativos médicos”, lê-se no documento.

Traficantes mudam de rota

O posto fronteiriço da Santa Clara, no Cunene, passou a ser um dos principais pontos de entrada de estupefacientes para o território angolano, desde que as autoridades políciais reforçaram a fiscalização no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda. As mulas, forma como são chamadas as pessoas que transportam droga, partem do Brasil para a cidade de Gabarone, Botswana, ou Windhoek, Namíbia.

“Embora o chefe do Departamento de Narcotráfico nunca tenha viajado para o Brasil, recebe elevadas somas monetárias dos Barões (chefes da rede de traficantes) para que as mulas passem por este território sem serem detidas”, lê-se no documento enviado à PGR e à DNIC.

Como o tráfico de droga neste local aumentou drasticamente nas vésperas do Campeonato Africano das Nações (CAN2010) e do Mundial da África do Sul, o chefe da secção de drogas pesadas da DPIC do Cunene informou aos seus superiores.

No quadro das medidas de combate ao crime organizado que a DNIC estava a realizar, por ocasião do CAN Angola 2010, a DPIC do Cunene realizou de 09 a 19 de Junho uma operação que contou com a participação de quatro especialistas oriundos de Luanda.

Esta não é a primeira vez que surgem denúncias de tráfico de droga em que estejam envolvidos oficiais da Polícia Nacional. Em 2009, o comandante-geral da Polícia Nacional, Ambrósio de Lemos, apresentou à imprensa, o sub-inspector Domingos Francisco Quissanga, mais conhecido por Tio Chico, 43 anos, como sendo presumível integrante de um grupo de traficantes.

Domingos Quissanga e os seus dois companheiros foram detidos no terminal de carga do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro ao retirarem vários electrodomésticos onde se encontrava cocaína, provenientes do Brasil enviados por dois cidadãos de nacionalidade nigeriana.

O sub-inspector estava destacado no departamento de prevenção rodoviária da Direcção Nacional de Viação e Trânsito (DNVT). Na ocasião, ele negou o seu envolvimento no tráfico de drogas e justificou a sua presença naquele local, dizendo que estava apenas a atender o pedido de um amigo nigeriano que se encontrava naquele país da América Latina.

“Fui buscar essa mercadoria dos meus amigos e ao aperceber-me que as autoridades policiais detectaram estupefacientes no interior das duas máquinas, dirigi-me à esquadra para prestar declarações”, explicou à imprensa.

Silêncio sepulcral

Na esperança de conseguir obter mais informações acerca do assunto, a equipa de reportagem de o PAÍS enviou há mais de um mês uma missiva ao Director Nacional Interino de Investigação Criminal, ao Procurador-geral da República, ao ministro do Interior, ao Provedor de Justiça e ao comando Geral da Polícia Nacional a solicitar entrevistas para abordar o assunto.

Entre as entidades acima mencionadas, o então director interino da DNIC, subcomissário Manuel do Nascimento Cardoso, que se recusou a prestar informações a este jornal, reencaminhaou-nos para o Comando Geral da Polícia Nacional. Tal como o fez o Ministério do Interior:

“Acusou esta Direcção a recepção do V/ofício número 0032/ sj/11, datado aos 26 de Maio de 2011, cujo conteúdo mereceu de nossa parte a devida atenção e que muito agradecemos”, lê-se do documento.

Segundo apuramos, o provedor de Justiça, Paulo Tchipilica, tomou conhecimento da carta enviada por O PAÍS no mesmo dia em que foi enviada.

Com excepção da DNIC, o presidente da Associação Mãos Livres, David Mendes, já havia enviado em Fevereiro último o dossiê completo, anexando algumas provas da denúncia a estas instituições solicitando a intervenção para que o terceiro subchefe tenha uma vida normal.

“(...) Por tudo quanto podemos concluir, se medidas urgentes não forem tomadas, corre o risco de vida. Todos nos sabemos como operam os grupos de traficantes de droga”, consta na carta da Associação.

Mas adiante, na carta enviada por David Mendes lê-se que “os factos apontados na sua exposição, bem como na denuncia feita à Procuradoria Geral da República exigem a intervenção urgente, ainda que profilática. Não gostaríamos de arrastar connosco mais um peso de consciência, se eventualmente este oficial vir a ser morto, como noutros casos”.

 

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