quinta-feira, 21 de julho de 2011

ANGOLA QUER RESOLVER O CONFLITO EM CABINDA APENAS PELA VIA ARMADA





A 9 de Março de 2011, para surpresa de todos, o Governo angolano reconheceu oficialmente a existência de um conflito em Cabinda. Através de um comunicado apenas enviado à agência de notícias estatal, Angop, e transcrito parcelarmente por todos os órgãos de comunicação social, Luanda «revela» que no enclave persistem «apenas factores de instabilidade potencial, nomeadamente tomadas de posição e actos de subversão e terrorismo assumidos pela FLEC».

Depois de mais de 35 anos de guerra o Governo angolano reconheceu também, oficialmente, que «o esforço político para a conclusão da paz e reconciliação nacional nessa província, fundamentado no Memorando para a Paz e Reconciliação na Província de Cabinda, conduziu à atenuação dos antagonismos, ao diálogo e às subsequentes conversações iniciadas em 2009 entre a delegação do Governo e a delegação da FLEC-FAC, chefiada esta pelo seu vice-presidente, Alexandre Buílo Tati».

Após ter reconhecido, no mesmo documento, as operações da resistência cabindesa de 18 Novembro de 2009 na área do Dinge, contra uma coluna logística civil da empresa de prospecção de petróleos BGP, ao serviço da Sonangol, e o ataque, de 8 de Janeiro, contra o autocarro da selecção do Togo que participava no CAN, revela que «a delegação do Governo prosseguiu e concluiu as negociações, rubricando com a delegação da FLEC-FAC vários entendimentos.»

A comunicação oficial do Governo angolano não revelou nada de novo quanto ao seu teor. As movimentações do intempestivo José Maria e de Kopelipa, com o conhecimento directo do presidente José Eduardo dos Santos, eram conhecidas, assim como os retrocessos e avanços negociais. A novidade foi o facto de Angola reconhecer oficialmente tais movimentações apesar de apenas citar o nome de um interlocutor da resistência, Alexandre Tati, e um único movimento, FLEC/FAC.

O comunicado governamental, convenientemente, refere que rubricou as negociações com a FLEC/FAC mas não precisa se está a fazer alusão ao acordo bilateral de cessar-fogo, com o conhecimento de José Eduardo dos Santos, assinado a 9 de Janeiro de 2010 em Brazzaville, ou seja 24 horas após o ataque contra a delegação togolesa em Cabinda. Um acordo reconhecido apenas unilateralmente pela FLEC/FAC, por imposição da delegação cabindesa, que pretendia que a «assinatura» do documento não fosse interpretada como uma rendição ou enquadrado no Memorando de Entendimento assinado por Antonio Bento Bembe, severamente contestado por todas as frentes de inspiração nacionalista cabindesa. No entanto ficara acordada uma oficialização mediática em finais de 2010 no interior de Cabinda, no antigo posto militar português em Tchaka.

O fracasso das negociações, após a assinatura bilateral de cessar-fogo, resultou da imposição de Alexandre Tati em incluir emendas de carácter político no documento assinado com características apenas militares. Condição aceite por Angola que, em contrapartida, impôs a inclusão de mais dois parágrafos, sugeridos por José Eduardo dos Santos, que referia que o seguimento das negociações deveria decorrer no respeito da Constituição angolana.

Vítimas de rumores e de desconfianças recíprocas, ambas as delegações não conseguiram encontrar um consenso em Brazzaville para prosseguirem as negociações que entravam na recta final. As hesitações de Alexandre Tati, assim como a recusa de ver patente nos documentos a referência de «Província de Cabinda» e não apenas «Cabinda», não foi tolerada por José Maria que decidiu suspender definitivamente as negociações.

Imediatamente as Forças Armadas de Angola (FAA) iniciam um conjunto de operações militares de envergadura no enclave. Paralelamente os serviços de segurança reactivam a sua operacionalidade nos vizinhos Congos.

Segundo o comunicado do Governo angolano «foram realizadas no teatro operacional da província de Cabinda, de 1 a 3 de Março de 2011, operações conjuntas das FAA e da Polícia Nacional, que culminaram com a desarticulação das suas (FLEC) bases e unidades ao longo da fronteira nas áreas de Inhuca e de Massabi, tendo-se registado baixas dos dois lados».
Precisamente a 2 de Março, entre as duas datas referidas no comunicado, Gabriel Nhemba «Pirilampo» é raptado em Ponta Negra pelos serviços de segurança angolanos.

«Pirilampo», recentemente nomeado Chefe de Estado-maior da FLEC, pelo presidente do movimento Nzita Tiago, pertencia à facção que não se aliou às posições de Alexandre Tati e Estanislau Miguel Boma que optaram em 2010 por se afastarem e destituírem o líder histórico do movimento, Nzita Tiago. «Pirilampo» era um severo crítico das negociações em curso, as quais qualificava de «rendição da FLEC». Era também o elemento incómodo.

Os guerrilheiros a operarem nas áreas de Inhuca e de Massabi estavam divididos entre «homens de Pirilampo», e de Alexandre Tati tornando complexo o respeito de um eventual cessar-fogo. Por outro lado o documento difundido refere Alexandre Tati como vice-presidente da FLEC, quando este foi nomeado presidente pela sua facção e destituído das funções pela facção de Nzita Tiago. Requalificar intencionalmente Alexandre Tati como vice-presidente da FLEC é provocar a amálgama entre dois movimentos com a mesma sigla para atribuir as responsabilidades das operações de um movimento ao outro.

No comunicado do Governo angolano a amálgama entre as duas facções da FLEC é propositada e conveniente. Pode assim acusar a FLEC/FAC de não querer prosseguir as negociações e de ter continuado com as acções militares no terreno. Esquecendo-se de referir que, apesar da mesma designação, e de estar em curso um eventual «reencontro», existem ainda duas facções distintas com estratégias e visões diferentes. As divisões na FLEC favoreceram assim a estratégia angolana.

O corpo de «Pirilampo», baleado e com sinais de tortura, foi encontrado a 4 de Março numa aldeia congolesa, Tanda, próxima da fronteira cabindesa de Massabi, tendo sido transladado para a Casa Mortuária de Ponta Negra. Apenas a 9 de Março o corpo do guerrilheiro é identificado como «Pirilampo». Nesse mesmo dia é difundido pela Angop o referido comunicado do Governo com o título «Realçados progressos na estabilização, reconstrução e desenvolvimento de Cabinda».

Apanhado de surpresa com a sucessão dos acontecimentos, Alexandre Tati difunde a 11 de Março um comunicado, onde depois de descrever um recapitulativo histórico das tentativa de negociação da questão de Cabinda reitera a disponibilidade da FLEC/FAC para prosseguir com as negociações, pondo como condição «um ajuste do texto de cessar-fogo de acordo com as emendas já propostas» assim como uma «emenda Constitucional por forma a que o jurídico não crie entraves ao processo negocial em curso», e refere a necessidade da elaboração de um calendário do processo de cessar-fogo e das negociações politicas».

Uma proposta que apareceu tardiamente e quando o Governo angolano propositadamente insistiu, no seu comunicado, em qualificar por diversas vezes as operações da guerrilha de «ataques terroristas» e «actos de subversão e terrorismo assumidos pela FLEC».

O Governo angolano prosseguiu com a sua acção reforçando a presença militar em Cabinda. A 19 de Março Maurício Lubota «Sabata» Comandante da Região Norte da FLEC é raptado e assassinado, em circunstâncias semelhantes a «Pirilampo», quando estava, por motivos familiares, em Ponta Negra, República do Congo. Em Julho o Secretário de Estado do Ministério do Interior e Segurança Nacional da resistência fiel a Nzita Tiago, João Baptista Júnior «Vinagre», desaparece também em Ponta Negra.

Entretanto, Agostinho Chicaia, líder da extinta Associação Cívica de Cabinda – Mpalabanda, é detido em Kinshasa, a 20 de Junho, a pedido da embaixada de Angola na capital congolesa. Chicaia acaba por ser libertado a 7 de Julho após forte mobilização internacional.

A pretensão de abafar a sociedade civil cabindesa, interlocutora com a guerrilha, iniciara pouco após o ataque de 8 Janeiro quando com as detenções do padre Raul Tati, Belchior Lanso Tati, o advogado Francisco Luemba, André Zeferino Puati e Benjamim Fuca. Em Maio, Jorge Casimiro Congo, Raul Tati e Alexandre Pambo acabaram por ser definitivamente afastados do exercício clerical segundo um decreto papal após pressão do bispo de Cabinda, Filomeno Vieira Dias. O estrangulamento da sociedade civil torna-se numa estratégia de isolamento da guerrilha para deixar o espaço aberto às FAA.

Apesar de, desde 1975, o Governo do MPLA ter mantido contactos permanentes e negociações com todas as facções da resistência armada e intelectual cabindesa nunca reconheceu, por motivos políticos e económicos, a guerra em Cabinda. A ruptura das negociações com a FLEC/FAC, chefiada por Alexandre Tati, a 8 de Outubro de 2010 e a consequente qualificação da guerrilha de movimento «terrorista» é interpretada como uma Declaração de Guerra oficial à FLEC onde Luanda agora pode entrincheirar-se diplomaticamente, perante eventuais observações da Comunidade Internacional, de ter tentado aplicar todos os recursos negociais.

Depois de ter fracassado a intenção angolana de que a comunidade internacional incluísse a FLEC na lista das organizações terroristas, Luanda optou, unilateralmente, por rotular o movimento de resistência cabindês e de pôr em prática uma nova versão do «Patriot Act» que lhe permitirá oficialmente, e previamente anunciado, prosseguir e atacar todos os elementos da FLEC independentemente do local onde se encontrem.

Rui Neumann - PNN

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