MONICA HIRST - ESPECIAL PARA A FOLHA
Se bem este não seja um momento de balanços definitivos, não há duvida que a gravidade da doença de Chaves estimula algumas reflexões. Certamente, este cenário há cinco anos teria conseqüências mais dramáticas, tanto para o política regional como nacional. Naquele momento a liderança chavista foi essencial para levar adiante uma serie de mudanças no âmbito sul-americano. Destaca-se aqui seu papel em: fomentar uma capacidade regional de reação aos impactos econômicos e sociais do modelo de Consenso de Washington, de promover uma implosão bombástica da ALCA e de aglutinar países que buscavam construir governos mais ancorados em bandeiras alçadas por movimentos sociais de base popular do que em modelos institucionais inspirados por receitas de social democracia. Somam-se ainda as estacas colocadas para a criação do UNASUR, no meio de tempestades ideológicas sub-imperialisticamente estimuladas pelo governo colombiano de então.
Dois pontos devem ser sublinhados aqui. O primeiro, de que não seria correto atribuir única e exclusivamente a Hugo Chavez a responsabilidade por estes feitos. Eles foram obra de vários, entre os quais do presidente Lula. O segundo, na mesma direção, de que as mudanças observadas na região nos últimos anos são de natureza abrangente e estrutural. A presença do governo chavista integra estas transformações, mas não uma encarnação das mesmas.
Outro aspecto a ser destacado refere-se ao papel ideológico jogado pelo projeto de Socialismo do Século XXI cunhado por Chavez. Se a experiência nicaragüense, levada a cabo na 2ª Guerra Fria, foi uma versão extemporânea do que se conheceu como uma revolução latino-americana- a cubana-, a proposta chavista se enquadra ainda mais na celebre frase Marx de que a historia repete-se primeiro como tragédia e depois como farsa. A fraternidade entre Caracas e Havana revela mais a necessidade de identificar um norte espiritual do que uma capacidade de reprodução de uma arquitetural estatal, de transformação dos meios de produção e de políticas de provisão de bens públicos coletivos arduamente mantidos pelo regime cubano.
O projeto socialista venezuelano sofre de excessiva juventude, insuficiências técnicas e burocráticas e demasiadas contradições econômicas. Mas são inegáveis os dois sólidos alicerces do regime chavista: um segmento militar ampliado e fortalecido materialmente e uma base social produzida por uma inédita política de inclusão social e provisão de políticas públicas. Trata-se, portanto, de uma experiência que espelha velhas e novas contradições, tão particulares da realidade venezuelana que se projeta regionalmente apenas no plano da retórica. De fato, a influência política do chavismo na região tem sido exagerada por interpretações ideológicas mais do que por um processo de construção política. Dito de outra forma, os problemas a serem criados por um vazio de poder serão sofridos essencialmente pela nação venezuelana.
Neste quadro, o tempo tornou-se um recurso de extremo valor. Para o atual governo o desafio maior será de assegurar a continuidade de projeto marcadamente personalista que conta com uma institucionalidade "revolucionaria" precária conduzido por uma hierarquia com capacidade limitada de vôo próprio. Ademais, as perfurações diárias de que padece a economia venezuelana não favorece a sustentabilidade do regime- especialmente em contexto pré-eleitoral. Já a oposição precisa de tempo para construir uma opção política viável que mostre capacidade de responder por via do diálogo às pressões e frustrações de expressiva parte da sociedade identificada com o atual regime.
Externamente, pesarão as reações de dois atores: Estados Unidos e o Brasil. Washington deve rapidamente "desvilanizar" sua relação com Chaves de forma a não contribuir para uma nova onda de polarização que lhe será profundamente contra-producente. Também é crucial que não se repitam as oscilações e mensagens ambíguas como as que foram enviados no caso da Líbia. Já o Brasil, que vem construído uma presença econômica com visão de longo prazo e mantém com o governo Chavez um diálogo mais regado por mensagens de solidariedade do que por afinidades ideológicas, deverá preparar-se para um novo teste de suas capacidades de mediação prudente. Certamente os seus bons ofícios terão um papel a cumprir na busca de um horizonte para a Venezuela que conjugue paz interna e sustentabilidade econômica, sem colocar em risco a inclusão social conquistada nos anos recentes.
*MONICA HIRST é professora de politica internacional da Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires
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