MARTINHO JÚNIOR
BENGUELA – BENGHAZI
Uma das características das “revoluções coloridas” que proliferaram primeiro pela Europa do Leste e depois pelo mundo, em função dos seus êxitos iniciais, é quase sempre a sua eclosão em cidades que não são as capitais dos países-alvo.
O que tem vindo a acontecer nos países do Médio Oriente e norte de África ao confirmar essa regra, confirma um factor de fundo de que se nutre a lógica capitalista: dividir, dividir e dividir para melhor reinar.
Ao dividir dentro dos espaços geográficos nacionais, os promotores das “revoluções coloridas” nutrem-se também das questões regionais a que dão um tratamento manipulador de sua conveniência!
Um das outras características é que esses movimentos podem até recorrer a aspectos da história longínqua mas, como se estivessem a corresponder ao “fim da história” conforme Francis Fukuyama, fazem tábua rasa dos acontecimentos de vulto das últimas décadas, para melhor abrir caminho às ideologias que vão desembocar nas “democracias representativas”, nas políticas neo liberais de “portas abertas” e na substituição duma elite por outra no poder, sem alteração da lógica capitalista que obrigatoriamente estão determinados em preservar.
Nesse sentido procuram fazer uso de sistemáticas mensagens provocatórias, apelando aos aspectos emocionais, fugindo à fria análise e à história.
As ementas de George Soros e James Baker, aproveitadas pelos serviços de inteligência norte americanos, fabricam a imagem dum líder dum determinado país-alvo: decompõem-na fazendo constar apenas as mensagens que se nutrem de aspectos negativos que configuram a presença dum “ditador”, esquecendo-se que as personalidades dos dirigentes podem ser complexas e inseridas em conjunturas históricas amplas e distintas.
Depois lançam líderes como Boris Ieltsin na Rússia, para citar um dos primeiros, cuja missão única é tratar da consolidação dos interesses da aristocracia financeira mundial e das oligarquias a que essa aristocracia recorre de forma estreita e conivente no país-alvo.
Essas ementas, em termos do leque de propagandas disponíveis, ocupam o espaço do pensamento alternativo ao pensamento dominante, na fase de arranque do “movimento basta”, tirando partido do facto da lógica capitalista se ter tornado omnipresente e não existir identidade socialista organizada para além do “rosa pálido” dum socialismo de carácter social democrata, que aliás ao não pôr em causa essa lógica, “abre as portas” conforme às políticas neo liberais.
Em Angola está por um lado muito fresco o resgate pela via da luta armada da escravatura, do colonialismo, do “apartheid” e de suas sequelas e por outro está fresca a iniciativa do “socialismo democrático”, que aliás se tornou tão vulnerável ao poder de novas elites enquistadas em sistemas de castas, à volta duma dúzia se tanto, de famílias, pelo que esse tipo de ementas tende a procurar seu próprio espaço.
O espaço dessas tendências passa também, em conformidade com as leis da própria sociedade, a ter como trampolim um ou mais grupos de famílias, que lideram o processo contraditório e se propõem à emergência de novas castas em direcção à tomada do poder, utilizando nas disputas o fermento das ideologias propostas pela “Open Society” e seus seguidores, um processo que, sob o ponto de vista económico e sociológico, também é eminentemente elitista.
As ideologias que promovem o “basta” esquecem-se no entanto de que o movimento de libertação, mesmo que a influência de famílias poderosas lutem por o descaracterizar, é formado por resistências históricas que podem estar aparentemente adormecidas, mas que são promotoras de dinamismos que há sempre que levar em consideração.
Essas correntes de resistência histórica têm uma consciência alargada da situação económica e sócio-política e têm tradições de luta que não se deixam facilmente levar por correntes indexadas às ideologias disseminadas pelo tandem George Soros – James Baker, nem sequer pelas ideologias típicas dos mercados promovidos pelas lógicas capitalistas: não é o trilho das famílias, estejam elas no poder ou na oposição, que as anima…
Há nessas resistências que integram o movimento de libertação correntes incompatíveis com aquelas propulsionadas pelas “revoluções coloridas”, como se um pouco do Che, de Amílcar Cabral, ou de Agostinho Neto se mantivessem presentes nos fenómenos políticos e sociais de nossos dias e guiassem os passos de fieis seguidores.
Essas correntes perseguem políticas com sentido de vida, assumem a mais ampla vocação de paz e respeito para com a Mãe Terra e são capazes de consciência crítica em relação aos fenómenos típicos das economias de mercado abertas, como em relação às ideologias das manipulações decorrentes.
A resistência no quadro do movimento de libertação respeita a história e sabe lançar pontes entre o passado, o presente e o futuro, compreende de forma crítica as vulnerabilidades do “socialismo democrático” e ao assumir a batalha das ideias é parte integrante da paz voltada para a cidadania responsável, com consciência e apta à participação.
Inspirados nas “revoluções coloridas” do Médio Oriente e do norte de África, algumas correntes presentes em Angola, particularmente a partir do início do ano, estão a enveredar pela procura de instauração dum “movimento basta”.
Não sendo em nada originais, absorveram as ementas que chegam de fora e têm demonstrado pouca criatividade.
Isso acontece até pelo lugar que escolheram par alçar as suas vozes.
Foram para Benguela, na expectativa de torná-la em Benghazi algures nos horizontes sócio-políticos próximos.
O argumento dum membro duma família ilustre da oposição ao movimento de libertação lidera um dos grupos e nessa imaginária Benghazi, num discurso inaugural considerou do alto de sua cátedra:
(…)
“38. Nós recusamos o projecto daqueles que, colocados no poder, transformaram um partido com história numa espécie de empresa em que os dirigentes passaram a funcionar como o seu Conselho de Administração, para maximizar os rendimentos e distribuir os dividendos entre si (na sua parte de leão…) e algumas migalhas aos restantes accionistas. É por isso que perderam a alma e deixaram de ter respeito por todos quantos consentiram suor e lágrimas para transformar a pátria oprimida numa pátria realmente libertada.
39. Chegou a hora de dizermos basta à delapidação dos nossos recursos, ao açambarcamento, ao nepotismo, ao tráfico de influências, ao roubo descarado do património do Estado. Para nós, quem quer ser rico, que trabalhe, que se empenhe, que se esforce. Nós não pactuaremos com sanguessugas.
40. No existe outra saída senão o reforço e a consolidação da nossa organização. Ela tem que ser arejada, e dirigida por quem não tem as mãos sujas, nem as consciências pesadas”.
Nesse discurso foi caso omisso o resgate do povo angolano, pela via do movimento de libertação, do colonialismo, do “apartheid” e de suas sequelas, ou seja, a geração que forjou a independência, uma parte dela também originária de Benguela, não existiu…
Os que compõem a resistência no seio do movimento de libertação não se deixarão em qualquer caso enganar e assumem a posição coerente face aos fenómenos contemporâneos tendo como sempre perante os seus olhos todo o povo angolano e não a manipulação de grupos, por muito enquistados que eles estejam no poder e na oposição.
São eles, com consciência crítica e responsável, estudando sempre, aqueles capazes de estarem humilde e modestamente na batalha das ideias ombreando com seu povo e abrir cada vez mais espaços para a paz com amor, justiça social e cada vez mais vida, em sintonia com as rotas abertas pelo Che, por Amílcar Cabral, por Agostinho Neto, por tantos outros dos melhores filhos de África e por si próprios!
Foto: Jacob Rothschild um dos mentores da “Open Rússia Foundation” da George Soros.
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