sábado, 30 de julho de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 26




MARTINHO JÚNIOR

AINDA A SOMÁLIA

A desestabilização prolongada a que tem sido sujeita a Somália, incluindo a pirataria “passiva” dos poderosos que tem resultado na delapidação dos recursos de pesca que ocorre nos mares circundantes em contradição com a pirataria “agressiva” dos somalis, só poderia mais tarde ou mais cedo, em função dos fenómenos decorrentes do aquecimento global, redundar em tragédias humanas como a que presentemente ocorre.

A economia da Somália está completamente desarticulada, exausta e uma quota parte do contencioso deve-se às próprias ingerências promovidas pelos poderosos interesses conotados com os expedientes da hegemonia: destruiu-se o tecido produtivo da sociedade, um tecido arcaico, feudal e resistente em grandes extensões (especialmente fora dos ambientes urbanos), mas decisivo para a frágil situação humana, para se criarem dependências generalizadas da pior forma possível, conformadas ao modelo da globalização elitista em curso.

A 23 de Julho corrente, o artigo de análise de 1994 da autoria de Michel Chossudovsky sobre a Somália voltou a ser lembrado com o título “Somália: the real causes of famine” (http://www.shoah.org.uk/2011/07/23/somalia-the-real-causes-of-famine-1/):

“While external climatic variables play a role in triggering off a famine and heightening the social impact of drought, famines in the age of globalization are man-made.

They are not the consequence of a scarcity of food but of a structure of global oversupply which undermines food security and destroys national food agriculture.

Tightly regulated and controlled by international agri-business, this oversupply is ultimately conducive to the stagnation of both production and consumption of essential food staples and the impoverishment of farmers throughout the world. Moreover, in the era of globalization, the IMF-World Bank structural adjustment program bears a direct relationship to the process of famine formation because it systematically undermines all categories of economic activity, whether urban or rural, which do not directly serve the interests of the global market system”.

Mais recentemente Chossudovsky aprofundava a sua tese sobre as origens da fome no “corno de África”, apontando o seu dedo acusador aos serviços de inteligência das potências anglo-saxónicas e de seus aliados-fantoches:

"According to the UN, a situation of famine prevails in southern Bakool and Lower Shabelle, areas in part controlled by Al Shahab, a jihadist militia group affiliated to Al Qaeda.

Both the UN and the Obama administration had accused Al Shahab of imposing "a ban on foreign aid agencies in its territories in 2009". What the reports do not mention, however, is that Harakat al-Shabaab al-Mujahideen (HSM) (Movement of Striving Youth) is funded by Saudi Arabia and supported covertly by Western intelligence agencies.

The backing of Islamic militia by Western intelligence agencies is part of a broader historical pattern of covert support to Al Qaeda affiliated and jihadist organizations in a number of countries, including, more recently, Libya and Syria”.


Os organismos internacionais de especialidade não têm saído do estágio extremamente limitativo de fornecer ajuda directa, ou seja, dar o peixe, não ensinar a pescar, muito menos criar o ambiente propício para garantir equilíbrios suficientes a longo prazo, a fim de melhor gerir os recursos, geração após geração.

Envenenar, sob os pontos de vista psicológico e sócio-político, as sociedades, são uma arma tenebrosa própria do “moderno” fascismo.

O Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), sustentáculo do Programa Alimentar Mundial (PAM) está a fazer face à fome que alastrou abrangendo já vários países do “corno de África” com epicentro no sul da Somália e tem vindo a lançar desesperados alertas.

A Directora do PAM, Josette Sheeran, durante uma Conferência Ministerial realizada pela organização em Roma, considerou que a mancha da fome no “corno de África” é “a pior situação a que já assisti”, afectando sobretudo as crianças, as mulheres e as pessoas de idade avançada…

O PAM estima que as crianças afectadas pela fome na Somália têm menos de 40 por cento das hipóteses de sobreviver: “o nosso principal motivo de inquietação são as crianças que estão de tal maneira fracas e em estado de desnutrição tão avançada que têm poucas hipóteses de sobrevivência”.

O problema atingiu tal amplitude que há mães que partindo em busca de socorro na direcção dos centros do PAM na imensa região afectada, estando elas próprias enfraquecidas, estão a abandonar no caminho os seus filhos, que ficam assim automaticamente condenados à morte.

O Director Geral cessante da FAO por seu turno, enfatizou em Roma que foram sendo reduzidos os fundos contributivos dos países em relação à Agricultura e apelou para que, na próxima Conferência da FAO em Nairobi, se reúnam 1.600 milhões de dólares para fazer face à situação da região afectada (que também atinge a parte leste do Quénia), nos próximos 12 meses.

Os desequilíbrios globais expressos pela hegemonia aferida a uma lógica capitalista voraz em relação aos recursos do planeta e criminosa em relação à humanidade, são entretanto expostos em vários artigos.

Os números, ao se fazerem as comparações entre os que se referem ao combate à fome e o dos armamentos, não deixam margem para qualquer dúvida e são expressão do tenebroso fascismo que é imposto a toda a humanidade.

Entre esses artigos realço um dos últimos que foi publicado a 13 de Julho pela Redacção Global da Prensa Latina, sob o título “A espiral explosiva da despesa mundial em armamentos – sem surpresa, os EUA são responsáveis por metade das despesas” (http://www.odiario.info/?p=2135):

“As despesas mundiais em armamento, sempre encabeçadas pelos Estados Unidos, tiveram em 2010 um crescimento de 1,3 por cento, atingindo um trilião e 630 mil milhões de dólares.

Os cem maiores fabricantes mundiais de armamento, com excepção da China, venderam 401 mil milhões de dólares de produtos bélicos em 2009, com o recorde para os Estados Unidos, cuja encomenda governamental continua a elevar-se”.

(…)

“Com a despesa mundial em armamentos durante 2010 poderiam manter-se 212 milhões de crianças de aproximadamente um ano, ao custo médio necessário num país desenvolvido europeu. A manutenção estimada por criança ali, segundo fontes extra-oficiais, é de quatro mil 715 dólares ao ano, enquanto o investimento em meios bélicos aumentou em 2010, globalmente, a um trilião e 630 mil milhões de dólares.

Nove milhões de crianças morrem de fome anualmente no mundo, e só o protótipo do super avião britânico não tripulado Tiranis acumulou um custo de 215 milhões de dólares, os que bastariam para alimentar 45.599 crianças ao ano”.

(…)

“Neil Melvin, director no SIPRI do programa Conflitos Armados e Gestão dos Conflitos, considera que os recursos são um factor maior de conflito.

Em sua opinião, o petróleo tem desempenhado o seu papel nas tensões no Sudão e na Líbia, onde contribui para a guerra civil, ao que pode acrescentar, na opinião de analistas, que motiva também os bombardeamentos da OTAN.

O aumento súbito da procura pelo consumo, segundo o SIPRI, é a causa principal de uma concorrência crescente na busca de recursos exploráveis, até no Árctico, e do aumento dos preços, sobretudo os da alimentação.

Ante tais previsões, o alarme é maior se se considera que os preços dos alimentos poderiam duplicar de agora a 2020.

Em relação a isto, os múltiplos actos de violência da chamada primavera árabe foram engendrados em grande parte por distúrbios causados pela fome e os altos preços dos produtos alimentares, opina”.

As nações, sobretudo as que compõem o complexo de culturas anglo-saxónicas, manipuladas por mãos poderosas, assumem um papel instrumentalizado, impondo a divisão da humanidade, como se todos nós não tivéssemos a mesma casa comum para habitar com equilíbrio e coerência, com o cuidado de não delapidarmos, nem esbanjarmos os recursos, muitos deles recursos não renováveis.

A aristocracia financeira mundial, que tem em suas mãos a maior concentração de riqueza e poder, faz proliferar ideologias feudais de há mais de 500 anos, numa altura em que as tecnologias de destruição são próprias dum século que deveria ser de luzes e esperanças para toda a humanidade e de respeito para com o planeta.

A Somália constitui o exemplo mais terrível da falta de amor, de falta de solidariedade, de falta de ética e moral, sobretudo de quem manipula as grandes potências, com todos os desequilíbrios internos que elas possuem e com todos os desequilíbrios que elas provocam para com todas as outras nações e povos, especialmente os desamparados Haitis de África.

Para alimentar a guerra na Somália, enquanto não consegue combater a fome dentro de suas próprias fronteiras, a Etiópia comprou, segundo Thomas Mountain, 200 tanques, orçando em mais de 100 milhões de dólares em armamento (http://tesfanews.net/archives/2428):

"Ethiopia is on another arms buying spree as millions of Ethiopians starve due to the worst drought in 60 years. According to Prime Minister Meles Zenawi Ethiopia is purchasing 200 battle tanks from Ukraine for over $100 million.

Was it a coincidence that the day before Meles’ announcement, the British foreign aid office announced a $60 million “emergency food aid donation” to Ethiopia?

One of the primary reasons Ethiopia needs 200 tanks is to conduct its counterinsurgency campaigns against the ethnically based armed uprisings slowly engulfing much of the country. From the Ogaden in the south east, to Tigray in the north to Gambella in the west, and now it is reported, even spreading to much of Oromia in the south west, the Ethiopian regime needs to be able to crush its own people and the latest installment of armor is long over due".

Só ideologias e praxis fascistas e neo coloniais de última geração podem redundar em efeitos tão terríveis como os que estão a ocorrer no ”corno de África”.

As repercussões de ingerências próprias do fascismo em sociedades arcaicas, mas dispostas a resistir, constituem um crime contra a humanidade.

A consciência disso obriga África, um continente que aspira construir em paz a sua identidade, a reagir.

Em regiões enormes do continente há condições para se fazerem gerar imensos celeiros, por que há água, solos ricos, cabeças para pensar e dirigir, bem como maquinarias e braços para trabalhar.

África deve-se empenhar na agricultura, na pecuária, na pesca e não esperar as tristes “ajudas” que vêm de fora, muitas vezes ingerências que provocam autênticos holocaustos como o que está em curso no “corno de África”.

Angola é um desses países capazes de, pela via duma consequente cultura de paz que estabilize num socialismo democrático disposto a aprofundar a democracia, avançar na agricultura, na pecuária, na pesca, na gestão de imensos recursos de forma equilibrada e sustentável, a prazos dilatados.

É necessário que países como Angola produzam e os excessos de sua produção sejam garante para todo o Continente, na criação do seu próprio banco alimentar, a fim de melhor fazer face ao caos do fascismo criminoso que é imposto pelos poderosos da Terra pela via duma lógica capitalista desumanizada e irresponsável, que constitui o beco sem saída em que todos nós nos encontramos.

Em África é urgente transformar as armas em tractores e arados!
 

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