Comissão Acolhimento Verdade e Reconciliação
Xanana Gusmão entrega relatório sobre atrocidades em Timor
"Sabemos que a opinião do nosso Presidente e do nosso Governo não é muito popular entre algumas pessoas no nosso país e na comunidade internacional", afirmou esta semana o ministro timorense dos Negócios Estrangeiros, José Ramos-Horta. "Dizem que estamos a pôr demasiada ênfase na reconciliação e não na justiça. Pode ser assim, mas ao lidar com a questão da justiça temos de ter em conta que precisamos de criar paz e estabilidade em Timor-Leste".
"Compreendo o receio de se estar a escarafunchar nas feridas", adianta Almeida Serra. "O arranhão está lá, mas não está a sangrar. Não se pode construir o futuro por cima de arranhões a sangrar".
As pressões dos activistas humanitários, que defendem que as vítimas têm direito à justiça, acabam por não ter em conta a realidade no terreno: "O relatório está imbuído de preocupações de grupos de direitos humanos que estão sentados na Indonésia, na Austrália ouem França. Mas se as coisas correrem mal, são os timorenses que sofrem".
A CAVR não aponta o dedo apenas à Indonésia, mas também à Austrália, por aceitar a ocupação e impedir o uso da forçaem Timor. E também à própria resistência timorense que, sobretudo na década de 70, foi responsável pelo massacre e tortura de civis. Este é um dos factores que poderia contribuir para uma enorme desestabilização do país, caso todos os responsáveis fossem chamados à justiça, defendem as autoridades timorenses.
Mais uma vez, o analista do ISEG concorda. Mas confia "no bom senso das autoridades timorenses. Acho que não vai acontecer nada de gravoso", diz. "Xanana Gusmão e os timorenses tiveram como objectivo pôr o livro na prateleira. Será usado daqui a 60 anos para escrever a história do país." "Se os timorenses têm gerido bem [as suas crises], também o conseguirão fazer no futuro. Há especialistas em lidar com bombas!"
Francisca Gorjão Henriques – Público – 20 janeiro 2006
As forças indonésias cometeram um "crime contra a humanidade" ao "impor intencionalmente condições de vida que não permitiram a sobrevivência de dezenas de milhares de timorenses". Esta é uma das conclusões do relatório da Comissão Acolhimento Verdade e Reconciliação (CAVR) que hoje será entregue pelo Presidente, Xanana Gusmão, ao secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, e ao qual o diário The Australian teve acesso.
A fome foi usada como arma de guerra, tal como a tortura e a violência sexual, adianta o relatório da CAVR. As forças indonésias utilizaram ainda napalm e armas químicas contra a população, poluindo alimentos e água. Dos 183 mil civis que morreram durante a ocupação (por culpa do Governo indonésio e das forças de segurança, segundo o relatório), 90 por cento foram vítimas de fome e doenças.
O jornal australiano refere-se ao documento de 2500 páginas, intitulado "Chega!", como uma "litania de massacres" que dizimaram um terço da população timorense. "Violação, escravatura sexual e violência sexual eram ferramentas usadas como parte de uma campanha orquestrada para infligir uma experiência de profundo terror, impotência e falta de esperança entre os apoiantes pró-independência", cita o Australian.
A Comissão foi criada há dois anos com um mandato da ONU e do Governo timorense para apurar a verdade relativamente às violações aos direitos humanos cometidas em Timor-Leste entre Abril de 1976 e Outubro de 1999. O relatório final - elaborado com base no depoimento de quase oito mil testemunhas, documentos militares indonésios e fontes de serviços secretos estrangeiros - foi entregue a Xanana Gusmão em Outubro, que optou por mantê-lo confidencial.
"Todas as conclusões [do relatório] são conhecidíssimas, mesmo antes de 1999", comentou ao PÚBLICO António Almeida Serra, especialista em questões timorenses do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (ISEG). O número de vítimas era já referido frequentemente, tal como o tipo de massacres e quem os executou. "Vai-se um pouco mais longe na identificação de alguns responsáveis. Mas as pessoas que estiveram envolvidas no processo sabem perfeitamente o que aconteceu ao marido, ao filho, ao pai... e quem o fez."
Quer o Presidente, quer o Governo timorense afirmam que não desejam abrir novas feridas com o debate e julgamentos dos autores das atrocidades, defendidos por grupos de direitos humanos (o documento da Comissão também defende "cuidadosamente", segundo o Australian, que muitos dos actuais responsáveis militares indonésios "poderiam ser responsabilizados" pelas violações). Jacarta partilha com Díli a mesma posição. Os dois países vizinhos estão agora mais interessados em fortalecer as suas relações bilaterais.
Julgamentos abririam novas feridas
O jornal australiano refere-se ao documento de 2500 páginas, intitulado "Chega!", como uma "litania de massacres" que dizimaram um terço da população timorense. "Violação, escravatura sexual e violência sexual eram ferramentas usadas como parte de uma campanha orquestrada para infligir uma experiência de profundo terror, impotência e falta de esperança entre os apoiantes pró-independência", cita o Australian.
A Comissão foi criada há dois anos com um mandato da ONU e do Governo timorense para apurar a verdade relativamente às violações aos direitos humanos cometidas em Timor-Leste entre Abril de 1976 e Outubro de 1999. O relatório final - elaborado com base no depoimento de quase oito mil testemunhas, documentos militares indonésios e fontes de serviços secretos estrangeiros - foi entregue a Xanana Gusmão em Outubro, que optou por mantê-lo confidencial.
"Todas as conclusões [do relatório] são conhecidíssimas, mesmo antes de 1999", comentou ao PÚBLICO António Almeida Serra, especialista em questões timorenses do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (ISEG). O número de vítimas era já referido frequentemente, tal como o tipo de massacres e quem os executou. "Vai-se um pouco mais longe na identificação de alguns responsáveis. Mas as pessoas que estiveram envolvidas no processo sabem perfeitamente o que aconteceu ao marido, ao filho, ao pai... e quem o fez."
Quer o Presidente, quer o Governo timorense afirmam que não desejam abrir novas feridas com o debate e julgamentos dos autores das atrocidades, defendidos por grupos de direitos humanos (o documento da Comissão também defende "cuidadosamente", segundo o Australian, que muitos dos actuais responsáveis militares indonésios "poderiam ser responsabilizados" pelas violações). Jacarta partilha com Díli a mesma posição. Os dois países vizinhos estão agora mais interessados em fortalecer as suas relações bilaterais.
Julgamentos abririam novas feridas
"Sabemos que a opinião do nosso Presidente e do nosso Governo não é muito popular entre algumas pessoas no nosso país e na comunidade internacional", afirmou esta semana o ministro timorense dos Negócios Estrangeiros, José Ramos-Horta. "Dizem que estamos a pôr demasiada ênfase na reconciliação e não na justiça. Pode ser assim, mas ao lidar com a questão da justiça temos de ter em conta que precisamos de criar paz e estabilidade em Timor-Leste".
"Compreendo o receio de se estar a escarafunchar nas feridas", adianta Almeida Serra. "O arranhão está lá, mas não está a sangrar. Não se pode construir o futuro por cima de arranhões a sangrar".
As pressões dos activistas humanitários, que defendem que as vítimas têm direito à justiça, acabam por não ter em conta a realidade no terreno: "O relatório está imbuído de preocupações de grupos de direitos humanos que estão sentados na Indonésia, na Austrália ou
A CAVR não aponta o dedo apenas à Indonésia, mas também à Austrália, por aceitar a ocupação e impedir o uso da força
Mais uma vez, o analista do ISEG concorda. Mas confia "no bom senso das autoridades timorenses. Acho que não vai acontecer nada de gravoso", diz. "Xanana Gusmão e os timorenses tiveram como objectivo pôr o livro na prateleira. Será usado daqui a 60 anos para escrever a história do país." "Se os timorenses têm gerido bem [as suas crises], também o conseguirão fazer no futuro. Há especialistas em lidar com bombas!"
*Título PG
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