RICARDO NABAIS - SOL
Pela primeira vez, as Olimpíadas da Matemática abriram-se aos países lusófonos, em Coimbra. E Angola trouxe duas medalhas de ouro.
Em português nos entendemos, com números é muito melhor. Pela primeira vez, as Olimpíadas da Matemática levaram o rótulo – e o proveito – de lusófonas e abriram-se a países da CPLP. Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe ainda ficaram de fora, como observadores. Mas por Coimbra passaram alunos de várias idades e feitios, de quatro continentes diferentes, dispersos por duas categorias. Aos angolanos coube parte de leão: duas medalhas de ouro e uma de prata na categoria B.
Quase ninguém fica de fora nesta competição: «Metade dos alunos recebe medalhas nas Olimpíadas Internacionais. Aqui o processo é o mesmo», explica Joana Teles, vice-presidente da comissão organizadora das Olimpíadas de Matemática da Lusofonia (OML) e professora na Universidade de Coimbra.
«A desmotivação poderia acontecer a alguns destes alunos», vindos de países tão diferentes, com bases e preparação completamente distintas. Mas, continua a professora – que também faz parte da Sociedade Portuguesa de Matemática –, «neste caso não há nenhum aluno com zero».
Mas quem é e de onde vem este exército de aspirantes a matemáticos? De latitudes tão díspares quanto Díli ou o Rio de Janeiro, passando pela África lusófona. De Timor-Leste veio a caçula Maria José que, aos 11 anos, viajou do outro lado do mundo para uma maratona matemática. Veio, tal como alguns dos quatro colegas timorenses, com preparação da Escola Portuguesa de Díli e aprendeu algo que não estava nos programas.
De outra escola lusa veio também toda a delegação angolana. Estreantes neste tipo de competição, os estudantes angolanos fizeram brilharete na categoria B: »
uas medalhas de ouro – Erica Pinto e Pedro Costa – e uma de prata, de Nadine Antunes, selaram um palmarés bastante motivador. Nada mau para quem assumia, à partida, ter vindo «sem treino nenhum» e a pensar «essencialmente no futuro, para ver como era», admite Flávia Morais, a professora e tutora deste grupo de quatro estudantes da Escola Portuguesa de Luanda.
Os jovens aspirantes a matemáticos ficaram na categoria B pela idade – eram mais novos – e pelo nível ligeiramente mais simples do grau de dificuldade dos problemas apresentados na prova. E submeteram-se, tal como os participantes de outros países, a 10 dias de curso a tempo inteiro, ainda antes das provas. Mas não era um curso qualquer. Foi a doer, com conjuntos de problemas aparentados com os das provas sugeridos pelos professores da Delfos, uma escola criada por professores do departamento de Matemática da Universidade de Coimbra destinada exclusivamente à preparação de alunos para este tipo de competições. Até este ano, esses ‘atletas’ eram apenas portugueses.
Para todos foi uma novidade, uma espécie de imersão ainda maior nos números. A professora tinha avisado, recorda a ‘medalhada’ Erica Pinto, de 16 anos, aluna em trânsito para o 11.º ano na Escola Portuguesa de Luanda: «A matéria era muito diferente da que tínhamos dado nas aulas». E pode ser, no caso dela, que os números não estejam no horizonte. «Acho que vou para medicina», confessa a aluna.
Matéria nova
Destino igual parece aguardar o outro premiado com o ouro olímpico. Pedro Costa tem apenas 15 anos, é português, mas viveu quase metade da vida em Luanda. Quando se pergunta se a matemática lhe está próxima quando pensa no ofício, é claro: «Na verdade, estou a tentar fugir dela». A fuga pode não ser perfeita, no entanto. «Se não entrar em medicina, vou tentar engenharia», confessa.
As colegas Nadine Antunes e Deborah Araújo confirmam a exigência dos testes. As provas por que passaram – seis problemas divididos por dois dias, com a cotação de sete pontos cada – eram «mais à base de lógica», diz Deborah, e exigiram mais do que o cálculo aritmético mecânico, muitas vezes entrava o desempenho e até o interesse pela matemática.
Por isso, quando os portugueses começaram, há cerca de 20 anos, a participar nas Olimpíadas Internacionais, tinham surpresas desagradáveis. Chegava a haver zeros nas provas de alunos que tinham média de 19 (em 20) valores nas escolas portuguesas, lembra Joana Teles. A diferença está nos métodos de prática da Delfos, um autêntico treino olímpico.
Tanto nas OML como nas suas congéneres internacionais, há um patamar mínimo para entrar no quadro de medalhas, estabelecido por um cálculo médio entre os resultados dos participantes dessa edição. Daí que haja vários alunos a receber medalhas. Ninguém sai desmotivado.
O entusiasmo também chegou aos alunos de Moçambique que marcaram presença nas OML de Coimbra. Rafique dos Santos é de Quelimane, tem 14 anos, está no 10.º ano e trazia na bagagem um 4.º lugar numa Olimpíada de Matemática realizada no seu país. A delegação moçambicana escolheu quatro alunos de outras tantas províncias. E conseguiu eleger Angel Lázaro, de 15 anos, de uma escola de Maputo, para o último lugar do pódio na categoria B. Modesta, reconheceu que «as perguntas eram difíceis, mas não muito». A jovem, que aspira a seguir carreira científica, ficou impressionada com Coimbra. A seu lado, Kadzuwa Kuyeri, aluna do 12.º, confirma a escolha, enquanto o colega Donaldo Manhique anseia por tirar «uma foto com os jornalistas».
A azáfama entretanto já começara. Os alunos estavam ansiosos por saber dos resultados, que seriam divulgados daí a pouco, num palácio nos arredores de Coimbra. Na cerimónia, o actual ministro da Educação português, Nuno Crato, distribuiu as medalhas e sentiu que os prémios eram quase uma compensação. Há anos que Crato tem sido um grande divulgador da matemática e um crítico do ensino que se faz da disciplina em Portugal.
Momentos antes, as comitivas juntavam-se à porta da residência de estudantes António José de Almeida. A de Cabo Verde festejaria também uma medalha de bronze na categoria B, ficando os prémios da categoria A distribuídos entre brasileiros e portugueses e a timorense Felisbela Caldas. Todos acabariam por diluir-se e misturar-se, trocando contactos. Quem sabe se vão reencontrar-se para o ano na 2.ª edição das OML no Brasil, ou, em 2013, em Moçambique.
Sem comentários:
Enviar um comentário