Há pouco tempo, não desconfiava tanto da nocividade dos meios de comunicação hegemônicos e cria que o receio fosse exagerado, uma vez que dispomos de ferramentas interativas – sobretudo recursos da internet – que finalmente permitem que nos informemos e expressemos nossas opiniões sobre temas diversos.
Logo reconheci que formas clássicas de desigualdade e opressão perpetuam-se através de novos modos de veiculação e transposição da cultura, como a artimanha de governos e empresários poderosos para depor chefes de Estado e, ao contrário do que prega o discurso, ferir normas de direitos humanos e a autodeterminação de povos.
Não por acaso a Líbia virou vitrina de uma guerra sangrenta em nome da democracia e o líder Muammar Gadhafi transformou-se em vedeta de uma caçada que visa a “libertar” o povo líbio das mãos de um “ditador” que “massacra seu povo”.
A notícia é a mesma em quase todos os diários eletrônicos que consultei em vários países ao redor do mundo, o que me faz deduzir que compram das mesmas agências internacionais que “informam” o mundo sobre o que sucede na Líbia.
Tenho cada vez mais medo desta relação entre política e meios de comunicação hegemônicos, e principalmente da democracia maquiaveliana que encoberta a invasão a outros países, espolia seus recursos naturais, e manipula a opinião pública. E não é a primeira vez. Nem creio que será a última.
Sendo a Líbia um país rico e estratégico em água subterrânea e petróleo, carente de uma Constituição, que argumento tem a covarde Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para convencer-nos de que a transição trará paz ao povo líbio? Basta ver a situação degradante de Afeganistão e Iraque, cada vez mais instáveis.
Há uma fila de empresas estrangeiras de construção civil e serviços que, a exemplo do que sucedeu no Haiti pós-terremoto, negociam com as “oposições” (que país não as tem?) maneiras de desestabilizar governos e superar os vestígios da crise de superprodução e especulação financeira que assola o mundo.
O chanceler brasileiro Antônio Patriota vê com desconfiança a associação entre incursões militares e a promoção da democracia, porém apoia, por razões políticas, o embargo imposto à Líbia pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O Brasil não se arrisca a expressar a condolência que sua diplomacia sente com o leilão da Líbia pelas potências na mesma medida em que o presidente venezuelano Hugo Chávez Frías o admite, ainda que em luta contra o câncer.
O episódio na Líbia recorda, apesar das diferenças de época e magnitude, a aliança que os corsários europeus estabeleciam com uma das partes em disputas entre tribos aborígines na África e América Latina a fim de efetivar a conquista. Séculos mais tarde se traga o mesmo argumento sobre o crescimento de grupos de “oposição” e processos de “transição” à democracia que é no mínimo duvidoso, se não condenável.
Com isso, não me nego a reconhecer a importância das democracias, onde o povo supostamente faz a vez em seus anseios contra a arbitrariedade de homens de Estado, senão me proponho a questionar se a demanda é legítima entre os povos árabes.
Que aconteceria se alguma civilização oriental que segue regime político distinto da democracia ocidental resolvesse “ocupar” os Estados Unidos através de alguma liga militar internacional e impor aquilo que acham melhor para este país e o mundo?
A suspeita é maior ainda em se tratando de um contexto em que as políticas econômicas EUAnas – chefe dos corsários da OTAN – visam a reduzir a dívida e recuperar este país da crise de 2008-2009. Algumas medidas pontuais direcionam-se ao aumento do crescimento econômico e da geração de empregos.
As guerras nos países árabes, portanto, aparecem num “bom” momento em que EUA precisa evacuar suas mercadorias e mover suas indústrias antes de que seja digerido pela China. A Síria também está na mira e o pretexto não será diferente do desejo de democracia que os estúpidos EUAnos, governados há décadas pelo rodízio entre dois partidos políticos genuflexos ao poder econômico, julgam que é melhor para o mundo.
Entre os aliados nesta guerra, está a decrépita e minguante França, que fará controle de imigração cobrando-lhes aos estrangeiros fluência no idioma francês. Esperam, com esta medida, reduzir drasticamente o número de ilegais. Uma das pautas da globalização é que o dinheiro circula com menos restrições entre os países, porém as fronteiras fecham-se a pessoas de maneiras cada vez mais “democráticas”.
Enquanto isto, exige-se das crianças no devastado Haiti que elas se eduquem em francês, embora somente 5% da população se comuniquem neste idioma e mais de 90% falem o “crioulo”, que é uma variação caribenha da língua da antiga metrópole.
Há fenômenos na América Latina que acompanham a onda de protestos mundiais contra os regimes políticos vitalícios e o sistema capitalista. O movimento estudantil despertou reivindicações de outros setores no Chile, que, além de melhorias na educação, sugerem uma revolução no sistema de saúde e na distribuição de renda.
Os protestos estudantis, portanto, ensejaram uma greve mais ampla no Chile e a queda de popularidade do presidente Sebastián Piñera. O risco é de que seu governo neoliberal anule o vigor do movimento e justifique sua repressão pelo alastramento da violência dos protestantes encapuzados.
É preciso cuidarmos da nossa consciência antes de que a manipulem ou roubem.
O caminho é indagar que tão razoável é o manejo comercial e industrial do mundo.
Seremos cúmplices de insanos ou instigadores de uma ordem de complacência?
*Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos pela FFyL/UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México). - http://www.brunoperon.com.br
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