sábado, 6 de agosto de 2011

HÁ 38 ANOS ERA ASSASSINADO AMÍLCAR CABRAL. NENHUM CABOVERDEANO FOI INCULPADO!




DAVID LEITE – A SEMANA, opinião

38 anos volvidos sobre o trágico desaparecimento físico de Amílcar Cabral, eis brutalmente arrancado o penso desta chaga que nunca chegou verdadeiramente a cicatrizar. Em plena campanha para as eleições presidenciais, o assunto divide e gera controvérsia na sociedade e nas fileiras do próprio partido que se reclama do legado político do “Militante n° 1”.

Muita tinta correu desde essa fatídica noite de 20 de Janeiro de 1973. Publicaram-se livros, ouviram-se pessoas, cada um disse de sua verdade e de sua justiça. Para uns está tudo dito e escrito, para outros a Verdade morreu com quem matou – e jaz para sempre no segredo dos deuses.

Este texto é uma síntese de quanto foi escrito por aqueles que ousaram ir mais longe para esclarecer esse imbróglio.

O mistério perdura

38 anos se passaram e perdura, quasi intacto, o mistério. Porque não se dissiparam todas as dúvidas: sabe-se quem matou mas ainda se pergunta quem mandou. Na precipitação feita de paixões e raivas incontidas, os que premiram o gatilho ou que de alguma forma ajudaram na sublevação foram passados pelas armas.

Identificados os assassinos, porquê encarniçar-se a esse ponto em ir mais além? Na verdade, poucos acreditam que os conspiradores, mais operacionais do que políticos, tivessem agido (apenas) de motu próprio. E se Momo Touré (o chefe), Inocêncio Kani (o matador), Mamadou N’Djai (o chefe dos guardas), Aristides Barbosa, Mamadou Touré, Joaquim da Costa e seus comparsas tivessem apenas dado a cara? E se fossem instrumentos manipulados por mãos escondidas? Quem de facto esteve por trás da execução do Homi Grandi? Onde estavam os mandantes, na hora das exéquias com honras de chefe de Estado, pontificando o presidente Sékou Touré como mestre de cerimónia? Em Bissau? Em Lisboa? Ou estariam ali mesmo nos palanques do estádio de Conakry, apinhado de gente nesse primeiro dia de Fevereiro de 1973?

Dissipado o eco das elegias fúnebres, com o dedo acusador do Partido a apontar em direcção à PIDE e esta a ripostar contra Sékou Touré – era chegada a hora da verdade. De pronto se instituiu uma comissão internacional de inquérito... sob os auspícios do controverso presidente guineense. Mas o directório do PAIGC entendia tomar a situação em mãos: reunido de 7 a 9 de Fevereiro, o Comité Executivo da Luta designa Fidélis Cabral de Almada, o jurista “de serviço” do Partido, para dirigir a sua própria comissão de inquérito. Num clima de psicose e de caça às bruxas – ai daquele que desse ares de suspeito! – o que se seguiu foi uma purga sem precedentes nas hostes do Partido. De entre as 465 pessoas inquiridas, 43 são inculpadas e 9 acusadas de cumplicidade, recaindo suspeitas sobre outras 42. Não menos expeditivos foram os processos de março de 1973: entre confessos culpados e presumíveis inocentes, 80 indivíduos são condenados à pena capital, seguindo-se as execuções, por grupos separados, em diversos pontos das Zonas Libertadas da Guiné. Quantos, entre culpados e inocentes, foram parar às valas comuns? Uma centena? Se alguém o sabe, não o disse!

Executados os executantes, também ficaria por conhecer a identidade dos eventuais mentores políticos, bem como os bastidores e o verdadeiro móbil da conjura fratricida. Até hoje três pistas continuam a ser sufragadas ao sabor da lógica intuitiva de cada um.

Vejamos:

1) « um crime orquestrado e teleguiado pela PIDE (rebaptizada DGS em 1969 por Marcello Caetano, que assumiu o poder na sequência da fatídica queda de Salazar), pela mão dos seus colaboradores infiltrados no Partido e na sua direcção. Tal foi a hipótese privilegiada desde a primeira hora.

2) forças obscuras no seio do PAIGC, manifestamente opostas à unidade Guiné/Cabo verde encarnada por Amílcar Cabral? Um pouco simplista, para muitos sabe a pouco...

3) e se o próprio Sékou Touré não estivesse de todo inocente?! E se a ordem tivesse vindo de mais longe, de algum apparatchik não identificado dos lados do Leste, por uma via mais “marxisante” do que aquela seguida por Cabral?

Em todo este imbróglio, não é de excluir um concurso de circunstâncias (e porque não uma interacção consciente) entre diferentes pistas.

O longo braço da Pide

Dessas diferentes pistas aventadas, a de uma sinistra manigância da PIDE/DGS parece ser a mais credível. Ficou demonstrado que os serviços secretos portugueses tinham o braço suficientemente longo para se projectar até Conakry, usando de conivências subterrâneas com certas chefias intermédias do Partido. Seriam, estas, simples “marionnettes” manipuladas desde o QG da PIDE em Bissau? Teriam sido, como foi dito, aliciadas com promessas de independência à Guiné, com a condição de se dessolidarizarem dos caboverdeanos? (Separar-se da Guiné, até podia ser um drama menor para as autoridades de Lisboa... mas em plena guerra-fria, estava fora de cogitação abrir mão das ilhas de Cabo Verde, um trunfo precioso pela sua posição geoestratégica no Atlântico Médio.)

Que a morte de Cabral tivesse resultado de um acto deliberado ou do descontrolo nervoso dos seus verdugos face à recusa do líder em deixar-se amarrar, é irrelevante. Senão, que pretendiam os conspiradores ao fazer-se ao mar rumo a Bissau com Aristides Pereira amordaçado e manietado no porão de uma vedeta do Partido? Doar um «presente» surpresa à PIDE, ou antes honrar um compromisso com a execranda polícia política?

Quanto ao general Spínola, supondo que o plano houvesse sido concebido directamente em Lisboa, nem por isso estaria o homem isento de suspeição. Ou não fosse a Pide uma espécie de “quinta coluna” através da qual o irrequieto governador da Guiné, desde 1968, vinha dando água pela barba às forças nacionalistas. Consta porém que o general, ao saber da notícia, teria suspirado o seu desânimo nesta frase: – “Lá me mataram o homem!”

Ora, se Spínola via o seu rival como o “seu” homem, é porque o pressentia como aquele com quem ainda sonhava negociar. Recorde-se que já em 1972 havia gorado uma tentativa de mediação do presidente senegalês, Léopold Sédar Senghor. Caetano chumbara a iniciativa, não fosse ela abrir um precedente com efeito dominó em Angola e Moçambique. Não gostou o general: contrariado na sua ambição de dar um grande show em Lisboa como fazedor de paz, ficou-lhe esta afronta atravessada na garganta até à revolução dos cravos.

Sékou Touré e a unidade Guiné-Cabo Verde

Ideólogo e obreiro da unidade Guiné/Cabo-Verde, e se o líder guineo-caboverdeano tivesse sido vítima da sua própria obra ? Certo é que os chefes conjurados comungavam uma clara aversão à Unidade, sendo conhecidos pelas suas interpelações a Amílcar Cabral a respeito de uma pretensa “hegemonia” caboverdeana que não viam com bons olhos. Mas quem os teria mandado que não fosse molestado por esconsas razões que a razão desconhece? E se estivessem ali, regados em lágrimas na hora do adeus, na tribuna de honra do estádio de Conakry?!

O próprio Sékou Touré não escondia o seu cepticismo: nas entrelinhas do discurso fúnebre que proferiu perante a urna funerária, podia ler-se uma velada “mise en cause” da unidade Guiné-Cabo Verde. Unidade já de si controversa, verdade seja dita, dela se dizia à boca fechada que era um entrave à utopia secreta desse personagem ambivalente: a « Grande Guiné ». Nos seus desvarios megalómanos, porque não reconstituir – sob sua tutela! – a antiga Guiné das vésperas da partilha colonial de 1886, regrupando as duas Guinés e, porque não, a Casamansa! E não faltou imaginação para atribuir a Sékou Touré uma táctica tão maquiavélica quanto isto: ajudar a expulsar os portugueses num primeiro tempo, ganhando assim a simpatia dos guineenses para melhor se ver livre dos caboverdeanos e anexar a pequena Guiné-Bissau!!! A ser verdade, só mesmo passando sobre o cadáver de Cabral, intransigente sobre o “dogma” da Unidade Guiné/Cabo Verde!

Não era este o único ponto de discórdia entre os dois líderes em matéria de estratégia política. Em Janeiro de 1969 decorria a primeira « Conferência internacional de solidariedade com os povos das colónias portuguesas e da África Austral » em Khartoum, quando se inspirou Sékou Touré de propor a exclusão de Portugal da ONU... ao que se opôs Amílcar Cabral: tal medida seria contra-producente para o combate anticolonial.

Sékou Touré o “va-t-en-guerre”, e Cabral o moderado, como coabitar? As aparências e a praxe estavam lá para camuflar uma tensão bem conhecida dos mais íntimos. Não se veja nisso uma razão para cometer o irreparável! Mas também não deixa de ser surpreendente a audiência concedida pelo presidente da Guiné aos conjurados logo a seguir ao crime... nem a desconcertante desfaçatez destes últimos ao arrogar-se a liderança do Partido na decorrência da “execução necessária” do seu fundador e líder natural. Nem mais, como se fosse a coisa mais natural deste mundo!

E se a subsequente detenção dos conspiradores fosse um volte-face ? O certo é que nada ficou provado. Aliás, qualquer acusação categórica seria no mínimo aventurosa e tropeçaria num paradoxo : o apoio indefectível a Amílcar Cabral desde a primeira hora. Ou não fosse Sékou Touré quem desmantelou a conspiração e restabeleceu a liderança “natural” do Partido!

Inocente, Sékou Touré? Pode-se perguntar: que ganharia ele em suprimir no seu próprio território um hóspede com a estatura de Cabral, mundialmente célebre? Mas nem por isso fica de todo ilibada a sua “entourage”... só que isso, se alguém averiguou, ninguém esclareceu e muito menos prestou contas! Aliás, os relatórios do inquérito internacional, sob a égide de Sékou Touré, se conclusivos foram, ninguém o sabe... porque ninguém os viu!

Em jeito de epílogo: no congresso de Madina de Boé, em Julho de 1973, foi sugerido o nome de Nino Vieira para secretário-geral do PAIGC. A proposta, que partiu de Fidélis Almada (o mesmo que havia presidido a comissão de inquérito do Partido) não passou. Mas em 1980 Nino Vieira e Almada estarão juntos no golpe de Estado que há-de selar para sempre o fim da Unidade.

Os grandes espíritos incomodam

Pessoalmente, não sou dado a idolatrias. Mas não sou um iconoclasta e admiro aqueles homens e mulheres que, como Amílcar Cabral, quiseram “saldar a sua dívida para com o seu povo e viver a sua época”.

Homens e mulheres que pelas suas convicções fizeram, quantos deles, tributo da própria vida! Porque os homes de convicção, políticos ou não, incomodam; os grandes espíritos têm contra si ódios e invejas. Há quem diga que o presidente guineense via no seu hóspede aquele que lhe roubava a vedeta – a ele, Sékou Touré, o campeão africano da luta anti-imperialista, o único que em 1958 ousara contrariar o general De Gaulle com o seu célebre “NON” ao referendo para uma Comunidade franco-africana, optando pela independência imediata da Guiné-Conakry!

Mas é tendência esquecermos que atrás dos mitos existem homens! Homens de carne e osso, com os erros e defeitos inerentes à condição humana. Cabral carregava consigo a reputação de ser demasiado sensível ao charme feminino (imagina-se o ciúme e a inveja daqueles que, fossem como ele galantes e cavalheiros, decerto seriam menos frustrados nessa matéria!)

Humanista de espírito elevado e mentor de homens, Cabral não podia ter só amigos! E destes, nem todos eram sinceros para lhe dizer de frente o que sussurravam nas suas costas: que favorecia os caboverdeanos e andava constantemente em “tournées” pelo mundo. Mas também consta que nem tudo se dizia em voz alta no Partido, que as paredes às vezes têm ouvidos! As intrigas não podiam faltar!

O erro fatal de Amílcar Cabral? Não foi por ter acreditado no homem ao ponto de jamais lhe negar uma segunda chance! Foi antes por ter confiado em lacaios e sabujos a quem fez gente enviando-os às academias militares de Moscovo, Pequim ou Havana. Confiar em fidelidades caninas, às vezes paga-se caro! Ou não fossem seus próprios condiscípulos aqueles que o silenciaram na calada da noite! Já dizia o mais prudente: “Protegei-me dos meus amigos que dos meus inimigos cuido eu”!

«Caça aos caboverdeanos» em Conakry

Perante este emaranhado de incógnitas, com o drama ainda envolto em mistério, uma certeza impera por cima das especulações: a nenhum caboverdeano se apontou o dedo, fosse ele dirigente ou não! Dos 600 elementos do PAIGC presentes em Conakry, pelo menos dois terços estavam ao corrente de que algo se tramava… sem que um só caboverdeano desconfiasse! De resto, José Araújo fala de uma verdadeira «caça aos caboverdeanos». Na sua sanha avassaladora contra a ordem estabelecida, os amotinados não estiveram para meias medidas: encarcerados os caboverdeanos e guineenses lealistas, uns e outros foram brutalizados e ameaçados de execução sumária.

Foi Cabral “assassinado por dirigentes do PAIGC”? Foi! Mas importa separar o trigo do joio! Em nome do rigor histórico... porque a história é sagrada, e com a história não se mexe a não ser para repor verdades eventualmente ignotas ou distorcidas!

Verdade ou silêncio!

Mantenhas da Terra-Longe, 2 de Agosto de 2011 - (davleite@hotmail.com)

Fontes de referência:
“Conspiração contra Cabral”, Comité de acção do PAIGC em Angola, 1974
«Três tiros da Pide », Oleg Ignatiev, Moscovo, 1984
“Quem mandou matar Amílcar Cabral ?”, José Pedro Castanheira, edições Relógio d’água, Lisboa, 1995
“A descolonização da África portuguesa”, Norrie MacQueen, editorial Inquérito, Portugal, 1998
« Os Bastidores da Independência », José V. Lopes, edições Spleen, Praia, 2002

1 comentário:

Anónimo disse...

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