terça-feira, 16 de agosto de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 25




MARTINHO JÚNIOR (ver nota da redação)

CPLP, CAPITALISMO E INSUSTENTABILIDADE DA HISTÓRIA AFERIDA ÀS CONVENIÊNCIA DAS NOVAS ELITES

Terminou há pouco mais uma reunião da CPLP em Luanda, no momento em que é Angola que assume a Presidência rotativa do grupo.

Um dos aspectos mais relevantes, decorrentes das declarações dos Ministros das Relações Exteriores de todos os componentes da CPLP, é não só a tácita aceitação da lógica capitalista por todos eles, mas também o privilégio para relacionamentos que cultivam aspectos elitistas na construção das sociedades.

Alguns deles consideram que estão num caminho de “desenvolvimento sustentável”, o que não passa de cosmética e de “slogan”.

Afirmam que reduzir a pobreza e a fome são passos no sentido de implementar maiores equilíbrios na sociedade, mas esquecem que, se o capitalismo é factor vinculativo à gestação de desigualdades e de injustiças sociais, é também uma fórmula de integrar na sociedade por ele gerada, na “sociedade de consumo”, enormes franjas sociais que foram antes colocadas à margem, portanto num processo que não fere o seu carácter e identidade, antes o reforça.

Quantos desses resgatados à fome e à pobreza extrema não irão engrossar as imensas fileiras de trabalhadores cuja mais valia irá contribuir para o enriquecimento dos empresários brasileiros, tendo em conta que o Brasil é precisamente um dos países em que existe maior desigualdade social em toda a América Latina?

Quanto esse processo de enormes fermentos e proporções não resulta na própria emergência do Brasil e na evocação das políticas multi-polares?

Poderíamos supor que o Ministro António Patriota trouxesse alguma vez ao nível da CPLP alternativas à lógica capitalista; não só não as traz como também ao seguir o argumento da emergência e do multi-polarismo, assume o fortalecimento da lógica capitalista, com um discurso populista em relação ao trabalho e ao povo brasileiro.

Ao responder à pergunta de Kumuênho da Rosa, jornalista do Jornal de Angola que o entrevistou a 22 de Julho, sobre “como pode o Brasil contribuir para a redução da fome e pobreza”, respondeu:

“O professor Graziano foi um dos grandes idealizadores da política brasileira de combate à fome e
à pobreza durante o governo do presidente Lula e produziu resultados tão encorajadores, permitindo que dezenas de milhões de brasileiros superassem a situação de pobreza extrema e tivessem acesso a uma vida mais digna, uma alimentação mais saudável.

A ênfase do professor Graziano vai ser no desenvolvimento rural, em regiões do mundo onde políticas como aquelas implementadas no Brasil possam ser replicadas, na segurança alimentar e em regiões do mundo onde existem vulnerabilidades, especialmente de Ambiente”…

Por parte de Portugal, o recentemente empossado Paulo Portas é, comparativamente a António Patriota, completamente transparente ao argumento capitalista, com laivos de elitismo, sobretudo ao abordar os relacionamentos bilaterais.

Paulo Portas está substancialmente comprometido com a economia capitalista e o seu discurso poucas margens para dúvidas deixa, apesar do verniz.

À pergunta de Kumuênho da Rosa, sobre se “há boas perspectivas para os dois países” (Jornal de Angola de 23 de Julho de 2011), respondeu:

“Estou convencido de que há oportunidades no quadro da lei do investimento em Angola, da lei das micro, pequenas e médias empresas que está a chegar, no quadro do processo de privatizações em Portugal.

Há interesses em Angola e Portugal que são geríveis de uma forma equilibrada e a meu ver vão permitir mais colaboração, maior aproximação e mais parcerias”.

Da CPLP ao fim e ao cabo, para além das emergências possíveis das elites, pouco se espera e até quando se fala das culturas dos vários componentes, das poucas questões que se levantam subsiste a da língua comum.

Os relacionamentos culturais entre as nações e os povos, vistos de acordo com o prisma da antropologia, assim como os relacionamentos sociais, e psicológicos, são pura e simplesmente esquecidos, em especial se perseguir a óptica dos que sofreram a opressão, salvo casos pontuais como o dos fenómenos migratórios que interessam regularizar pela via dos estados (fenómenos muitas vezes abordados pelas ideologias fascistóides de direita): as portas estão abertas de preferência para os grande negócios, veladamente para as “parcerias público-privadas” e tudo o mais é atirado para as “calendas gregas”!...

… Até os casos especiais dos relacionamentos inter-estados, como o da Guiné Bissau, é visto num “dossier” isolado, num “dossier especial”…

O que é facto também é que as sensibilidades à esquerda pouco ou nada avançam no quadro da CPLP: algumas dessas sensibilidades alternativas podem até estar presentes nos Fóruns Sociais Mundiais, mas em relação a uma Organização que aproxima as nações lusófonas traumatizadas pelos estigmas interligados e sucessivos da escravatura, do colonialismo e do “apartheid”, são completamente omissas!

Essa omissão é um indicativo de que nem essas sensibilidades estão disponíveis para abordar as questões pendentes relativas às nações de expressão lusófona que experimentaram a trilha da escravatura, do colonialismo tiveram de enfrentar regimes ignóbeis como o do “apartheid” e desejam efectivamente construir com equilíbrio entre os povos, novas relações para além do que o capitalismo designa de acordo com sua própria lógica!

A ausência do pensamento de esquerda na reconstrução de Angola tem levado a que os detentores de capitais e das iniciativas de construção urbana conjuguem esforços para a disseminação dum frustrante “apartheid” social, que vai dividindo e separando ricos de pobres, com evidência para a formação das castas nos “condomínios”.

Aqueles que perfilham o sentido de vida estimulado pelo movimento de libertação, não podem deixar de considerar a história, interligando-a com as actuais sociedades e com o que se pretende para elas no futuro, pelo que não podem deixar de considerar que as grandes omissões, constituem um desafio que crescerá, à medida que a crise estimula os desequilíbrios e o elitismo das concepções antropológicas, psicológicas, sócio-políticas e económico-financeiras prevaleçam!

Os combatentes da luta contra o “apartheid” não podem deixar de reprovar o “apartheid” urbano que está a ser reflectido com evidência geográfica na capital da nação vencedora dessa luta tão abrangente que foi tratada em toda a extensão do sul de África!

É imperdoável perder-se a abrangência de mais de 500 anos de história e vivência comuns, que tem de ser enriquecida também com a óptica dos que foram oprimidos, com toda a amplitude de conhecimentos possível e, sobretudo, sem complexos forjados a partir de tanta desigualdade manipulada que nos é transmitida desde o berço!

Martinho Júnior - 25 de Julho de 2011

NR – Por lapso do editor então de serviço em Página Global este texto não foi publicado na devida data. Somente agora demos pelo lapso. Pedimos desculpa pelo acontecido. As Rapidinhas do Martinho já vão no número 29.

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