A organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch acompanha de perto o julgamento dos manifestantes em Luanda |
DEUTSCHE WELLE
Deutsche Welle: Afinal o julgamento dos manifestantes de 3 de setembro, que as autoridades anunciavam sumário, parece ter entrado em fase de prolongamento. Porquê?
Lisa Rimli: As provas da acusação ainda não estavam prontas. Além disso, são 21 arguidos. E há também uma série de testemunhas da defesa que se apresentaram e tudo isso leva muito tempo. Há ainda relatórios médicos que a defesa pediu como prova, e para a polícia também poder provar que realmente foi agredida.
DW: Há relatórios contraditórios sobre quem terá agredido quem …
LR: Exatamente. A polícia foi muito rápida em deter um número até agora desconhecido de manifestantes. E a dizer que foram eles os autores da violência. Que houve violência toda a gente testemunhou. A questão é quem foram os agressores? No nosso comunicado de segunda-feira citámos uma série de testemunhas que claramente diziam que foram agredidas sim, mas por pessoas que não eram manifestantes.
DW: Quais são as indicações concretas?
LR: Muitas testemunhas no local identificaram um grupo de homens que estava infiltrado na manifestação, mas que não eram manifestantes. Pela sua aparência e atuação, porque agiam de forma coordenada. E, pelo que se viu, também sob a cobertura da polícia. Vários jornalistas queixaram-se que as agressões que eles e os manifestantes sofreram foram testemunhadas pela polícia, que não interveio, nem prendeu nenhum desses indivíduos. São factos que indicam que este grupo de indivíduos agiu com a cobertura da polícia e talvez com instruções oficiais. São indicações que deviam ser apuradas, porque o facto de não terem detido o grupo identificado como o agressor, levanta muitas questões.
DW: O vice-ministro angolano da Comunicação Social, Manuel de Carvalho, condenou hoje pelo menos a agressão contra jornalistas. Isso não passará de tática?
LR: Está claro que o Governo está sob pressão. A sociedade civil solidarizou-se muito cedo com os arguidos, exigindo um processo justo e que a polícia divulgasse imediatamente e garantisse que todos tivessem acesso a um advogado. Portanto, se calhar é uma tentativa de corrigir o posicionamento inicial da polícia. Que agora deve ser visto como um pouco precipitado, porque detiveram os manifestantes. No entanto, quando chega a hora de provar, parece que as coisas não são tão claras assim.
DW: Este género de atuação vai intimidar os manifestantes, ou surgiu aqui um movimento que já não vai parar?
LR: As manifestações são um sintoma da crescente restrição à liberdade de expressão. Em Angola, há muitos problemas sociais, há muita pobreza e, naturalmente, há muito descontentamento. Mas esse descontentamento é, muitas vezes, omitido nos mídias do Estado que são fortemente censurados. Muitos jornalistas, sobretudo nas províncias, são intimidados, para não reportarem factos que sejam críticos dos governantes. E esta restrição do espaço leva a que as pessoas já não encontrem outro recurso senão a manifestação para poderem divulgar as suas opiniões. Se o Governo resolvesse alargar o espaço para a liberdade de expressão poderia contribuir para que se encontrassem outros meios de debate.
Autora: Cristina Krippahl - Edição: Marta Barroso
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