À esquerda Eduardo dos Santos recebe o Nobel da Paz. À direita, o dono do Jornal de Angola recebe o Prémio Pulitzer. |
ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA
O Jornal de Angola (JA), órgão oficial da propaganda do regime, cumpre nova ordem do dono do país, Eduardo dos Santos, e dispara contra Portugal.
Tem, obviamente, todo o direito de o fazer. Para o pasquim do MPLA, “os órgãos de comunicação social portugueses, salvo raras excepções, em vez de reflectirem a realidade portuguesa e europeia, andam entretidos a intrometer-se na política angolana”.
Ainda bem que o JA esclarece o âmbito em que devem actuar os media portugueses. Ficam assim a saber que podem falar de Angela Merkel mas que, pelo contrário, não devem ousar escrever sobre o mais lídimo e sublime representante de Deus na terra, de seu nome José Eduardo dos Santos.
Diz o JA, reflectindo aliás a velha cartilha dos tempos (mesmo hoje a diferença é pouca) do partido único, que “os mentores desses exercícios de colonialismo retardado têm a mesma origem de sempre mas deixam de fora o rabo de quem lhes paga os disparates sem sentido.”
Neste aspecto, reconheço, o JA tem toda a razão. Não fala do colonialismo angolano praticado em Cabinda porque, presumo, considera que Cabinda não pertence a Angola. Quanto ao rabo, é verdade que no caso do Jornal de Angola tal não se aplica. Embora ainda se notem as marcas e se saiba que só há pouco tempo deixarem de andar nas copas das árvores, já têm o rabo cortado.
Diz o JA que o “Diário de Notícias” é hoje “um boletim ao serviço de quem dá mais”, revoltando-se contra o facto de o DN “dizer que o presidente José Eduardo dos Santos está no poder há 32 anos, sendo altura de sair”.
Acrescenta o órgão oficial do MPLA: “Se um jornal angolano escrevesse um editorial a sugerir que o presidente Cavaco Silva não se candidatasse ao segundo mandato porque foi dez anos Primeiro-Ministro e fez mais cinco na Presidência, o alarido em Lisboa era tal que até a Ponte 25 de Abril vinha abaixo, como já caiu fragorosamente a revolução dos capitães”.
Brilhante. Esquece-se o JA que, ao contrário do reino do seu mentor, Cavaco Silva - seja como primeiro-ministro ou presidente – sempre foi eleito. Eu sei que a democracia “made in MPLA” não implica, antes pelo contrário, que seja necessário haver eleições. Aliás, não faria sentido eleger quem é o divino representante de Deus…
“Se em Angola algum órgão de informação ousasse escrever que Alberto João Jardim não deve concorrer a um novo mandato de presidente do Governo Regional da Madeira, o alarido em Lisboa era tal que o edifício da Caixa Geral de Depósitos ruía, como está em ruínas o sistema financeiro europeu e a Zona Euro ameaça derrocada”, diz e muito bem o boletim oficial do regime.
Esquece-se, mais uma vez, que também Alberto João Jardim foi eleito, ao contrário do sumo pontífice do MPLA, que está no poder há 32 anos sem nunca ter sido eleito.
“O Presidente José Eduardo dos Santos não governa há 32 anos. Ele é o líder de um povo que teve de enfrentar de armas na mão a invasão de exércitos estrangeiros e os seus aliados internos”, escreve o JA, repescando as regras dos áureos tempos em que se impunha que o povo é o MPLA, o MPLA é o povo.
“José Eduardo dos Santos foi o líder militar que derrubou o regime de “apartheid”, o mesmo que tinha Nelson Mandela aprisionado. José Eduardo dos Santos só aceitou depor as armas quando a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir regimes livres e democráticos”, recorda com a sua habitual perspicácia o JA.
Penso que, neste aspecto, bem poderia ser menos modesto. É que foi graças a José Eduardo dos Santos que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar…
“Os media portugueses pelo menos deviam reconhecer o que José Eduardo dos Santos tem feito para que os portugueses não vão ao fundo com a crise. Eles mais do que ninguém deviam propor o seu nome para Prémio Nobel da Paz”, salienta com raro sentido de oportunidade o Jornal de Angola.
Tem, mais uma vez, razão. A Oferta Pública de Aquisição lançada pelo regime angolano (que é o mesmo que dizer MPLA ou José Eduardo dos Santos) sobre Portugal está a ter êxito, calculando-se por isso que o reino lusitano não tarde a ser mais uma das províncias de Angola.
Também concordo que Eduardo dos Santos merece o Prémio Nobel da Paz. E, já agora, o Jornal de Angola merece – no mínimo – o Prémio Pulitzer.
*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
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